Pronunciamento de Ana Amélia em 19/11/2018
Discurso durante a 135ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Críticas à proposta de alteração da “Lei da Ficha Limpa”.
- Autor
- Ana Amélia (PP - Progressistas/RS)
- Nome completo: Ana Amélia de Lemos
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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ELEIÇÕES E PARTIDOS POLITICOS:
- Críticas à proposta de alteração da “Lei da Ficha Limpa”.
- Publicação
- Publicação no DSF de 20/11/2018 - Página 9
- Assunto
- Outros > ELEIÇÕES E PARTIDOS POLITICOS
- Indexação
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- CRITICA, PROPOSTA, ALTERAÇÃO, LEI FEDERAL, FICHA LIMPA, SOLICITAÇÃO, RETIRADA, URGENCIA, VOTAÇÃO.
A SRA. ANA AMÉLIA (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS. Para discursar.) – Obrigada, Presidente João Alberto, que preside esta sessão.
Caros colegas Senadoras e Senadores, nossos telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, nós estamos chegando na reta final desta Legislatura, e renovo a honra de ter desenvolvido e desempenhado este primeiro mandato, Senador João Alberto. Saio daqui de cabeça erguida desta missão.
Tenho repetido várias vezes que aprendi muito mais em oito anos de mandato aqui no Senado do que em quatro décadas como jornalista. E também aprendi mais sobre a natureza humana – e disso o Presidente Sarney, que ocupou essa cadeira em que V. Exa. está, sabe bem – do que em dois meses e meio de campanha eleitoral, em que se afloram paixões, em que se afloram sentimentos, em que se afloram intolerâncias, radicalismo... Então, foi um aprendizado extraordinário para a minha vida.
Mas eu volto aqui na missão de abordar um tema que tenho percebido, como observadora da nossa política, observadora do comportamento da sociedade brasileira: desde 2013, quando milhões e milhões de brasileiros, Senador Lasier Martins, foram às ruas das capitais, das cidades médias, pequenas e grandes, fazer um chamamento a um basta de corrupção.
A partir de 2013, a sociedade foi tomando gosto por essa militância virtual, que acabou desaguando em vários movimentos, posteriormente a essa campanha, que mobilizaram, de maneira extraordinária e surpreendente, também o apoio a iniciativas como a Operação Lava Jato, que mostraram que era possível, sim, o País sair da letargia de um estímulo à impunidade pela não penalização de culpados, na área do setor público e político, por crimes de corrupção passiva, de corrupção ativa, de formação de quadrilha e, vou lhe dizer, de uma série enorme de crimes cometidos que lesaram e que fizeram escorrer pelo ralo dinheiro precioso que faltou para a segurança, dinheiro que faltou para a saúde, dinheiro que faltou para a educação.
Graças a essa nova era que o Brasil viveu, até, digamos, aceitaram-se alguns excessos, pela excepcionalidade dos tempos que vivemos, das instituições envolvidas no processo, seja da Operação Lava Jato, seja de outras iniciativas – e tantas outras, com nomes bastante interessantes criados pela Polícia Federal nas investigações –, mas algumas também por excesso de zelo ou por excesso, eu diria, de espetacularização, o que não convinha para não tirar a essência daquilo que estava sendo feito.
Não era necessário você chegar com carros de política com as sirenes ligadas ou descer de helicóptero na residência para criar ali um constrangimento adicional àquele que... Era simplesmente pegar a pessoa e convidar. Ninguém iria reagir a uma prisão nessas condições. Então, isso fica por conta exatamente do fato novo e de uma, eu diria talvez, tentativa do agente que executava uma tarefa de querer mostrar à sociedade: "Olha, eu estou cumprido com o meu dever". Sim, está cumprindo o dever, mas não há a necessidade hoje mais.
Há, felizmente, a compreensão, especialmente de órgãos como a Polícia Federal, como o Ministério Público, de uma forma adequada para fazer a execução de uma ordem de prisão. Adequada! Simplesmente isso, porque o senso comum, o senso médio é que não adianta nós querermos o sangue, pois não queremos ampliar a intolerância. Nós temos que executar a lei como ela é e garantir que a lei seja igual para todos. Não há outro caminho para fortalecer o Estado democrático de direito, para criar as condições de um país verdadeiramente democrático e com instituições fortes, a não ser cada um cumprindo exatamente a lei. Não há outro caminho para fazer isso, Senador!
Assim como de nós aqui é exigido que sejamos honestos e éticos, assim também os outros Poderes precisam, da mesma forma, adotar esses critérios de ética e exatamente de responsabilidade, executando a sua missão dentro da lei, nunca fora dela, porque estariam, então, cometendo, aí também, um ato ilícito pela exacerbação da autoridade, pelo abuso de autoridade, e isso também suscita uma reação. A cada ação, uma reação.
Agora, novamente, nós estamos diante de uma reação da Casa. E eu, agora de manhã, comuniquei ao gabinete do Senador Randolfe Rodrigues que estou assinando, sim, um requerimento, como Senadora, não como Líder do meu partido, para retirar a urgência da votação de uma iniciativa que prevê a flexibilização da Lei da Ficha Limpa.
Isso é muito perigoso! É um risco muito tênue, porque a Lei da Ficha Limpa foi uma lei conquistada e apoiada pela esquerda brasileira, Senador. A Lei da Ficha Limpa foi a primeira ação popular que o Brasil teve pós-Constituição de 88. E quem estava defendendo a Lei da Ficha Limpa? Flávio Dino, José Eduardo Cardozo, as grandes Lideranças da esquerda brasileira. E fizeram muito bem! A Lei da Ficha Limpa foi nascida como uma ação popular, inspirada inclusive pela própria CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), e é uma conquista da sociedade.
Na Lei da Ficha Limpa, até 2010, os prazos de inelegibilidade eram variáveis; condenados ficavam inelegíveis por três anos. A nova legislação aumentou este prazo para oito anos. Houve questionamentos nas cortes superiores e, em outubro do ano passado, o Supremo – a Suprema Corte do País – decidiu que a Ficha Limpa vale para todos, com aplicação, inclusive, em casos de abuso, punido com a inelegibilidade por apenas três anos. Assim, os condenados por esses tipos de fraudes contra interesses do Estado e da sociedade não podem assumir cargo e função pública ou mandato eletivo por um período de oito anos.
Se nós aqui tivermos a iniciativa de mitigar, reduzir, fragilizar a Lei da Ficha Limpa, este Senado, que está em fim de mandato, encerrando uma legislatura, não poderá assumir porque estarão, no mês de fevereiro, assumindo aqueles que foram ungidos pelas urnas nas eleições de outubro deste ano. Então, essa autoridade, essa legitimidade caberá aos Legisladores que estão chegando.
Então, eu assinei para retirar a urgência desta matéria, Senador Lasier Martins – e V. Exa., diferente de mim, é um advogado que conhece a lei; eu sou uma jornalista que, também sua colega, não fiz o curso de Direito –, porque a fragilização desta lei, no senso comum, já significa dizer um sério retrocesso à própria Lei da Ficha Limpa.
E volto a lembrar aqueles que mais defenderam esta lei, Senador Lasier Martins.
Por isso, eu penso que nós aqui não podemos agora dar as costas à sociedade brasileira, apoiando ou votando, a toque de caixa, essa matéria.
Em bom tempo, ou em senso de oportunidade e também de habilidade política, o Senador Eunício Oliveira declara que, se houver requerimento para a retirada da urgência, claro, ele vai seguir aquilo que a maioria desejar, isso dependendo de acordo das Lideranças.
Por isso, de novo, falando aqui como Senadora, não ocupando nenhum posto de Liderança do partido que eu tenho a honra de representar nesta Casa, manifestei ao Senador Randolfe Rodrigues o desejo de participar das assinaturas de Senadores que estarão pedindo, através deste requerimento do Senador Randolfe Rodrigues, a retirada da urgência de uma matéria com este grau de relevância.
E eu penso que, desta forma, Senador, nós vamos corresponder, porque o que as urnas deste ano disseram? Basta de corrupção! O Datafolha fez uma pesquisa enorme no Brasil inteiro: qual é a qualidade essencial para um Presidente da República? Senadora Lasier Martins, sabe qual foi a resposta de mais de 80%? Honestidade, Senador! Honestidade é um valor, um princípio que todos temos que ter. Eu pensaria que a qualidade seria um preparo intelectual, a capacidade de articulação política, a capacidade de gestão, a qualidade da escolha de uma equipe boa para compor o governo, essas qualidades que estão inerentes a uma formação de um candidato. Honestidade! Esse é o grau que determina o quanto a sociedade tem nesse valor, ética e responsabilidade uma segura prioridade. Não dá para abrir mão desses valores. Não é possível abrir mão de um valor expresso por ética, por responsabilidade em relação, sobretudo, à gestão do dinheiro público.
Então, se esse valor tem um peso tão significativo para a sociedade brasileira, como é que este Senado, que está terminando o mandato agora e que teve nas urnas uma renovação de 85%, Senador – 85% –, talvez uma das renovações mais extraordinárias na história do Senado Federal, pelo menos pós-Constituição de 1988, que está fazendo 30 anos... Então, nós não podemos dar as costas aos eleitores, tentando reduzir a força da Lei da Ficha Limpa, uma lei, aliás, que veio introduzida e reforçada enormemente pela chamada Operação Lava Jato, que mostrou ao mundo que o Brasil era, sim, capaz de combater a corrupção, combater a impunidade e também não olhar a quem. A lei vale para todos. Imaginar que o ex-Presidente da Câmara dos Deputados – o poderoso Presidente da Câmara dos Deputados – está preso por conta da Lei da Ficha Limpa é um ganho da sociedade – é um ganho da sociedade. Um ex-Governador de um Estado como o Rio de Janeiro, preso, poderoso. Nem falo no ex-Presidente da República. Isso não é pouca coisa em matéria de avanço institucional do País. Nós precisamos trazer essa questão na essência do que ela representa como valor para a sociedade.
Então, trago hoje aqui, Senador, teria outros assuntos tão relevantes para tratar aqui, mas eu acho que esta matéria merece de todos nós uma atenção muito expressiva, muito grande do ponto de vista do que ela representa para a consolidação, para a reafirmação da relevância que é a Lei da Ficha Limpa. E volto aqui a repetir: uma lei nascida como ação popular, a primeira prevista como dispositivo legal, como poder da sociedade para tomar iniciativa legislativa, e que obteve milhares e milhares de assinaturas para se consolidar como uma lei nascida no seio da sociedade. E essa Lei da Ficha Limpa teve, como principais defensores, os partidos de esquerda. Mérito, mérito. Agora, é preciso coerência agora para saber se esses mesmos partidos que lá na Câmara dos Deputados e aqui também no Senado Federal, mas especialmente na Câmara, bradaram pela relevância da Lei da Ficha Limpa agora vão continuar com a mesma posição que estavam lá no nascedouro daquela lei, que teve tanta relevância no combate à corrupção e à criminalidade.
E a sociedade brasileira vai estar – já está – vigilante sobre o que nós vamos decidir aqui, mas essa delegação, penso, não pode ser nossa, ela precisa ser de um Congresso que já está renovado em 85%, do Senado Federal, que está renovado em 85%. Portanto, será uma decisão que caberá aos Senadores e Senadoras que foram eleitos nas eleições de outubro deste ano.
Não há outra saída, Senador, senão, como eu disse, estaremos dando as costas aos eleitores e aí vamos pagar – mas daqui para frente, daqui a quatro anos novamente, porque teremos eleições para o Senado Federal, renovação de um terço desta Casa –, estaremos pagando o preço que nós já vimos nas eleições deste ano com essa renovação e nesse grau de relevância.
Muito obrigada, Senador.