Discurso durante a 136ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Saudação aos estudantes classificados para o Progama Jovem Senador de 2018.

Registro do Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO:
  • Saudação aos estudantes classificados para o Progama Jovem Senador de 2018.
HOMENAGEM:
  • Registro do Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro.
Publicação
Publicação no DSF de 21/11/2018 - Página 24
Assuntos
Outros > SENADO
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • SAUDAÇÃO, COMISSÃO, ORGANIZAÇÃO, PROJETO, PROGRAMA, SENADOR, JUVENTUDE, ELOGIO, PARTICIPAÇÃO, MULHER.
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, NEGRO.

    A SRA. LÍDICE DA MATA (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PSB - BA. Para discursar.) – Não; o nome parlamentar é Lídice da Mata – está certo?

    Muito obrigada, Sr. Presidente.

    Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, eu quero iniciar a minha fala hoje saudando os 27 estudantes classificados para o Programa Jovem Senador de 2018, que tomaram posse hoje nesta Casa para um mandato de uma semana.

    É sempre uma razão de alegria ver esses jovens tendo a oportunidade de conhecer de perto o Senado e saber do seu interesse pela política, pela representação política.

    Quero saudar especialmente a representante da Bahia, a Jovem Senadora Laiane Michele Silva Souza, minha colega Senadora, do Colégio Estadual Antônio Figueiredo, do Município de Ibiassucê, orientada pela Professora Ana Maria Cardoso da Silva.

    Que seja bem-vinda!

    Parabenizo, ainda, os três primeiros classificados do concurso de redação, os estudantes Lanielle Lorana de Sá Andrade, de Monsenhor Hipólito, no Piauí, em primeiro lugar; Matheus Moura Carabolante, de São Francisco, São Paulo, e Luana Coutinho da Silva, de Igarapé-Açu, no Pará, segundo e terceiro lugares. Mas todos, sem exceção, merecem nosso abraço e recepção calorosa. Afinal, são 27 escolhidos dentre 190 mil redações inscritas – recorde do Projeto – e cuja temática escolhida agora foram os 30 anos da Constituição Federal. E eu, como Constituinte Federal, fico muito satisfeita de ver essa juventude se interessando, escrevendo sobre o tema e tendo a oportunidade e a possibilidade de um olhar analítico sobre a experiência da Constituição brasileira, tão necessária ser defendida.

    Fico ainda mais feliz de ver que 19 Jovens Senadoras tomam posse hoje nesta Casa – 70% das cadeiras de Jovens Senadores, muito distante da taxa nossa de pouco mais de 10% na vida real. Isso mostra que, no futuro, na perspectiva de futuro, nós haveremos de realizar esse sonho de ter uma participação das mulheres destacada nesta Casa, do ponto de vista da quantidade da presença feminina na Casa Legislativa.

    Desejo, portanto, todo o sucesso, especialmente a essas nossas Senadoras aqui presentes. Parabéns à comissão organizadora do projeto, parabéns também aos professores que incentivam os alunos e aos 27 selecionados que passam a conhecer de perto o funcionamento desta nossa Casa.

    Mas, Sr. Presidente, eu não posso deixar de, no dia de hoje, representando a Bahia, registrar o Dia da Consciência Negra. E quero começar pelo momento em que vivemos; o conflito, a intolerância e a violência se fizeram presentes como nunca na sociedade brasileira, neste ano que ora se finda. A velha tese de que o povo brasileiro é pacífico e ordeiro, tema recorrente nos discursos oficiais, que nós tanto vimos, desde o período da escola, do 2º grau, foi jogada literalmente na lata do lixo. O que se viu foi parte significativa da sociedade brasileira revelando o seu lado mais tenebroso.

    As redes sociais foram o espaço onde essas tensões e conflitos se protagonizaram. Não importava se o assunto era política, religião, racismo, economia ou comportamento; o elemento que se fazia presente em todos os momentos era a intolerância – a intolerância no falar, no escutar, no pensar e no perceber. Era como se estivesse ocorrendo a expiação pública dos nossos demônios mais ferozes.

    Por isso mesmo, milhares de pessoas tiveram suas reputações aniquiladas publicamente. O racismo, que, no nosso País, é um crime inafiançável, segundo a Constituição Federal, acabou virando, na boca de alguns, mi-mi-mi, e a exaltação aos grupos de extermínios, fossem virtuais ou presenciais, passou a ser o must do momento.

    Os exemplos mais dramáticos e gritantes dessa intolerância foram os assassinatos da Vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro, e do mestre de capoeira Moa do Katendê, na Bahia. O assassinato de Marielle transformou-se num caso internacional, que mobiliza inúmeros organismos internacionais do campo dos direitos humanos, visto que, passados mais de oito meses, não se avançou nas investigações sobre autoria e mandantes, que continuam impunes.

    Moa do Katendê, além de mestre de capoeira, era um dos grandes produtores da cultura negra baiana. Foi bailarino, cantor e compositor de inúmeros sucessos, gravados inclusive por Caetano Veloso, destacado artista brasileiro e baiano, que lhe prestou uma emocionante homenagem quando da sua morte. Foi também criador do Afoxé Badauê, que, na década de 80, chegou a desfilar com mais de 10 mil associados no Carnaval da Bahia, no Carnaval de Salvador, que é um marco da nossa cultura carnavalesca no nosso Estado e da resistência cultural dos negros no nosso Estado.

    Peço a V. Exa. que me permita terminar o meu pronunciamento.

    Moa foi assassinado de maneira covarde e pelas costas por um dos adeptos da campanha do atual Presidente da República eleito. Era a data da eleição, e ele estava comemorando ou discutindo no bar o seu posicionamento em defesa de Haddad, que ganhou na Bahia – assim como ganhou no seu Estado, Presidente –, e ele foi hostilizado e, depois, barbaramente, covardemente assassinado, com facadas, por um homem que o apunhalou pelas costas, jogando por terra e negando tudo o que foi conquistado duramente na Constituição de 88: democracia, respeito à diversidade, aos diretos humanos e à liberdade de expressão.

    Apesar dessa catarse coletiva, que ainda estamos vivendo, parcela significativa da sociedade brasileira tem resistido bravamente a embarcar nesse trem dos horrores. E, nesse sentido, tem lutado de forma firme e corajosa contra esse verdadeiro culto à barbárie que está se espalhando País afora. São homens e mulheres, negros e brancos, pobres e ricos, nordestinos e sulistas que acreditam firmemente que a liberdade, a igualdade e a fraternidade são bens universais e que devem ser cultivados e assegurados também no Brasil.

    Por isso mesmo, vale a pena lembrar que, neste mês de novembro de 2018 – novembro negro para 54% da população brasileira; assim definimos –, também estamos celebrando os 220 anos da Revolta dos Búzios, movimento libertário que, em 1798, tentou colocar a Bahia na agenda civilizatória do mundo ocidental. Também conhecida como a Conspiração Baiana, Revolta dos Alfaiates ou Conjuração Baiana, foi um movimento inspirado nos ideais da Revolução Francesa e no exemplo vitorioso da Revolta do Haiti, que os negros escravizados daquela colônia francesa fizeram, por sua independência. Além disso, também teve inspiração na Inconfidência Mineira, de 1789, e tinha como seus principais objetivos a abolição da escravatura, a independência de Portugal e a criação da República, além da adoção de salários iguais para todos os trabalhadores de então. Olha que movimento progressista e tão avançado, naquele período, era organizado pelos negros da minha terra!

    Essa tentativa foi dura e cruel e custou caro para muita gente, particularmente aos escravizados e às suas quatro maiores lideranças, que eram negros, e estavam à frente desse movimento: Manoel Faustino, Lucas Dantas, João de Deus e Luiz Gonzaga das Virgens, que hoje estão com seus nomes inscritos no Livro dos Heróis da Pátria, segundo a Lei 12.391, de 4 de março de 2011, sancionada pela Presidente Dilma Rousseff. Além de terem sido condenados por traição ao Império Português, foram enforcados e esquartejados em praça pública na cidade do Salvador, capital do Estado que tenho a honra de representar neste Senado. Este exemplo histórico mostra claramente que a brutalidade, a insensatez, a arrogância e o autoritarismo estão presentes em nossa história há muito tempo.

    Do mesmo modo, ainda há muito tempo, homens e mulheres da Bahia e do Brasil lutam e doam suas vidas para que estes princípios do Iluminismo – a liberdade, a igualdade e a fraternidade – também se façam presentes em nossa sociedade. Neste sentido, os exemplos deixados pelos quatro mártires da Revolta dos Búzios, assim como o exemplo de Zumbi dos Palmares, são de que...

(Soa a campainha.)

    A SRA. LÍDICE DA MATA (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PSB - BA) – ... independentemente do desafio, a luta continua.

    Vou finalizar, Presidente.

    Por isso, ao celebrarmos, por mais um ano, o mês da Consciência Negra em nosso País, tendo o nosso grande herói Zumbi dos Palmares como referência maior, invocamos mais uma vez as bandeiras da liberdade, igualdade e fraternidade não como uma remissão ao passado ou figura de retórica, mas para que sirvam como nossos faróis no presente a iluminar esses tempos sombrios, violentos e virulentos que estamos vivendo. Toca a zabumba que a terra é nossa!

    Assim, Sr. Presidente, encerro dizendo que por minha iniciativa – uma Senadora da terra da Bahia negra, que se reconhece como sendo uma terra onde há mais negros em nosso País, e com a cidade de Salvador como sendo a cidade mais negra fora da África – criei, juntamente com o Senador Paim, aqui no Senado, com a aprovação de todos vocês, de todos nós, a Comenda Senador Abdias Nascimento, que é entregue anualmente a personalidades que tenham dado uma contribuição relevante à proteção e à promoção da cultura afro-brasileira. Já foram diversas pessoas, nesses anos todos, agraciadas por esta comenda. E eu quero agradecer ao Senado e aos Senadores esse esforço de contribuição à preservação da cultura negra em nosso País. É uma justa homenagem ao Senador Abdias Nascimento, que marcou a sua vida na luta contra o racismo. Dezoito personalidades foram agraciadas – este ano, infelizmente, em função da eleição, o Conselho não pôde reunir-se a tempo.

    Mas eu não posso deixar de dizer que a nossa luta contra o racismo, contra a discriminação se afirma cada vez mais no 20 de novembro e que nós aqui no Senado nunca deixamos esta data passar sem um registro da luta que marca a vida, e a constituição, e a civilização, e a identidade do povo brasileiro.

    Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/11/2018 - Página 24