Discurso durante a 136ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Celebração do Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro.

Autor
Regina Sousa (PT - Partido dos Trabalhadores/PI)
Nome completo: Maria Regina Sousa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Celebração do Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro.
Publicação
Publicação no DSF de 21/11/2018 - Página 27
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, NEGRO.

    A SRA. REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI. Para discursar.) – Obrigada, Presidente.

    Sr. Presidente, Srs. Senadores, Sras. Senadoras, telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado e quem mais acompanha este Plenário, eu hoje quero falar sobre a consciência negra, hoje são 20 de novembro, mas não podia deixar de tocar no assunto que é o do momento, porque incomoda quando a gente ouve certas coisas.

    Chamar cubano de escravo porque ganha R$4 mil é desconhecer os verdadeiros escravos no Brasil. E ninguém diz nada: está aqui a lista com 209 empresas – o relatório de 2017, que saiu agora – que praticam trabalho escravo, graças ao Ministério do Trabalho. Está aqui: 209, a maioria começando com "fazenda", quer dizer, ruralistas; praticam trabalho escravo e ninguém diz nada. E aí não vai mais haver essa lista, porque o Ministério do Trabalho vai acabar, não é?

    É desconhecer que a Unimed paga 30% para os seus médicos. Pergunte a qualquer médico que trabalha na Unimed se ele recebe a consulta completa.

    Mas é pior ainda: é desconhecer o trabalho intermitente que ganha R$300,00 por mês e que tem que pagar a previdência. A maioria nem sabe disto: vai haver uma geração de mendigos daqui a uns anos, quando eles estiverem com 70 anos, porque eles não estão pagando previdência. É o trabalho intermitente, o grande glamour da reforma trabalhista.

    Eu acho que os cubanos mereceriam o respeito pelo menos, porque, quando o vírus ebola assombrou o mundo, foram os cubanos que foram lá debelar o vírus, uma brigada de 700 cientistas e médicos, e o mundo agradeceu a Cuba. Ninguém pode negar que Cuba tem a melhor Medicina. Os americanos pegam os seus barcos e vão se tratar em Cuba. Então quem desconhece isso é por má-fé. Você discordar do regime é outra coisa; agora, escravidão de R$4 mil, escravidão de R$300,00 e escravidão nas fazendas, quero saber, quem está falando isso: com qual vocês ficam?

    Mas eu quero, nesta terça-feira, 20 de novembro, celebrar o Dia Nacional da Consciência Negra, a data escolhida por coincidir com o dia do assassinato por bandeirantes, a serviço do domínio português e dos coronéis latifundiários escravagistas, lá pelos anos de 1695... Mas poderia ser hoje, época em que qualquer revolta ou rebelião contra sistemas opressores pode ser classificada e taxada como crime de subversão, enquadramento como atentado à segurança nacional – e ainda querem tipificar como terrorismo –, o que libera as forças de segurança, oficiais ou milicianas, como eram aqueles bandeirantes que ceifaram a vida de Zumbi, para reprimir com violência, prender, torturar e matar os militantes sociais.

    A Lei da Abolição não trouxe liberdade verdadeira, não trouxe autonomia econômica, nem respeito da sociedade ao nosso legado como negros. Nunca alcançamos o status de igualdade social, e somos vistos com desprezo por causa da imagem preconceituosa que a elite branca brasileira construiu a nosso respeito. Elite esta que é dona das escolas, das editoras de livros, inclusive os didáticos, dos veículos de comunicação de massa. E direi também: é dona do Estado brasileiro, de suas estruturas. Domina suas estruturas. Quaisquer tentativas de furar o bloqueio dessa estrutura são rechaçadas e ridicularizadas por meio de comunicação, são desidratadas por pessoas e órgãos que definem os orçamentos dos Governos, e os beneficiários são criminalizados, como se estivessem roubando algo.

    É exatamente isso que acontece com a lei das cotas raciais, as leis de reconhecimento de territórios tradicionais para negros e negros quilombolas, que estão negando aí agora – que "quilombola não é gente, não serve para nada", é o que diz o novo Presidente –, ou com a implementação de simples políticas públicas de transferência de renda para as pessoas mais pobres da nossa sociedade, entre os quais estão os negros e as negras.

    Nossa sociedade é formada principalmente pela mistura de etnias: indígenas que aqui viviam; europeias que para cá vieram para colonizar, ou seja, por opção econômica; e por etnias negras africanas, negros que não nasceram aqui, nem pediram para vir para cá, mas foram cassados, aprisionados, e finalmente trazidos para o Brasil por mercadores de gente – como hoje nós temos mercadores de gente também, os famosos "gatos" que levam pessoas para as fazendas, sob encomenda da mesma elite à qual eu já me referi acima, para serem escravizadas. Como gente sequestrada, mantida cativa e escravizada, nosso povo construiu este País, desde as primeiras pedras e seus alicerces. Hoje, como mão de obra barata, ainda o construímos. E não temos acesso às riquezas que produzimos: construímos escolas e universidades, e nossos filhos não podem estudar nelas; fabricamos carros modernos e só podemos nos aproximar deles como lavadores e guardadores; levantamos hospitais que não nos atendem; acumulamos fortunas para os nossos exploradores. Neste Dia da Consciência Negra, chamo meus pares, muitos dos quais herdeiros dessa elite escravocrata, a colocarem a mão na consciência e pararem de dificultar a tramitação de leis e de políticas públicas que levem à diminuição dessa desigualdade. Façam isso por justiça ou por perceberem que isso não é mais possível. Não há mais lugar, nos dias de hoje, para a escravidão.

    Não peço recompensas, mas que a nossa trajetória de resistência, luta, suor, sangue, trabalho e lágrimas, na construção deste grande País, seja reconhecida. Que nossos esforços por igualdade não sejam sabotados, como ocorre todos os dias.

    Mais de 300 anos após a sua morte, a elite brasileira ainda considera Zumbi como um marginal, um subversivo que merecia a morte por lutar por direitos mínimos. É um discurso que eles espalham pelo Brasil, introduzem nas nada inocentes páginas de jornais, querem disseminar em livros escolares, amplificam nas ondas dos rádios, na internet, na televisão e até nos púlpitos de algumas igrejas. É passada a hora de, em vez de continuar a discriminar o povo negro, fazer uma autocrítica verdadeira.

    É hora de fazer como o Presidente Lula, que, em abril de 2005, foi ao Senegal, local onde os africanos eram presos, pesados, mortos ou embarcados em navios para serem escravizados, apartados de suas famílias e de suas terras, e transportados para a América. Lula pediu perdão ao povo negro, pediu perdão à África e intensificou relações diplomáticas com aqueles países. Comprometeu-se com as políticas públicas e as verdadeiramente implantou, que retiraram da miséria milhões de brasileiros negros.

    Parem de atrapalhar a emancipação do povo negro! Parem de querer boicotar nossa luta por igualdade de oportunidades e não queiram retirar os poucos direitos que conquistamos nos últimos anos, como as quotas raciais que estão ameaçadas.

    Quero ainda dizer que o que Lula e Dilma fizeram, que muita gente critica, foi solidariedade aos países mais pobres, dividir um pouco, investir, levar projetos de transferência de conhecimentos e tecnologia. Em vez de entregar aos ricos, como fazem com o pré-sal e nióbio, entregou aos países pobres, dos quais somos devedores. O Brasil é devedor.

    Só uma estatística para sentirem quando as pessoas dizem que não há racismo no Brasil: em 2016, a taxa de homicídio de negros foi 2,5 vezes maior do que a de brancos ou não negros; de 2006 a 2016, a taxa de homicídios de negros cresceu 23% e a de não negros reduziu 6,8. Há que ter uma explicação para isso, e a gente sabe que é o racismo.

    Quero exaltar a raça negra aqui, em nome de Esperança Garcia, escrava lá do meu Estado, que, em 1770, escreveu uma carta ao Governador da Província, denunciando os maus-tratos que recebia como escrava, que foi separada dos seus familiares. Ninguém sabe como ela aprendeu a ler e a escrever, mas ela fez isso. Hoje ela é considerada a primeira advogada negra. A OAB concedeu a ela o título de advogada, porque ela escreveu essa carta em 1770.

    Quero também dedicar a Marielle Franco – até hoje, ninguém explica, ninguém diz, ninguém aponta, quem mandou matar Marielle, mas todo mundo sabe que foi mandado – e a Francisca Trindade, lá do meu Estado, que foi Deputada Federal do meu Estado pelo PT, uma negra, liderança jovem, uma mulher de luta, que morreu muito precocemente, mas deixou um legado muito grande lá no Estado do Piauí.

    Era isso, Sr. Presidente.

    Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/11/2018 - Página 27