Discurso durante a 136ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao Dia Nacional da Consciência Negra e comentários sobre a sensibilidade do Ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva para com a população negra.

Registro do conteúdo de audiência pública sobre a alteração da Lei de Terrorismo na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ).

Autor
Gleisi Hoffmann (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
Nome completo: Gleisi Helena Hoffmann
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Homenagem ao Dia Nacional da Consciência Negra e comentários sobre a sensibilidade do Ex-Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva para com a população negra.
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Registro do conteúdo de audiência pública sobre a alteração da Lei de Terrorismo na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ).
Publicação
Publicação no DSF de 21/11/2018 - Página 33
Assuntos
Outros > HOMENAGEM
Outros > SEGURANÇA PUBLICA
Indexação
  • REGISTRO, DIA NACIONAL, NEGRO, COMENTARIO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, TRATAMENTO, POPULAÇÃO, COMPARAÇÃO, OPINIÃO, JAIR BOLSONARO, CANDIDATO ELEITO.
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, LOCAL, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA, SENADO, DEBATE, ASSUNTO, LEI FEDERAL, OBJETO, COMBATE, TERRORISMO, CRITICA, OBJETIVO, INSERÇÃO, TRECHO, VETO PARCIAL, NATUREZA POLITICA, CRIME.

    A SRA. GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR. Para discursar.) – Obrigada, Sr. Presidente.

    Srs. Senadores, Sras. Senadoras, quem nos ouve pela Rádio Senado, quem nos assiste pela TV Senado, pelas redes sociais, claro, subo a esta tribuna para fazer aqui uma homenagem ao povo negro brasileiro, que é responsável pela construção deste País. Hoje é Dia da Consciência Negra, Dia Nacional de Zumbi. O Brasil tem a maior população negra do mundo, como já disse aqui o Senador Hélio José. E, para nós, fazer essa saudação é também fazer um reconhecimento do que significou a população negra para a construção deste País.

    Então, ao mesmo tempo em que me congratulo com a população negra, também, como fez Lula, pedimos perdão pelo que fizemos em relação ao nosso passado escravocrata.

    A riqueza deste País foi construída com sangue, suor e lágrimas do povo negro. Foram mais de 300 anos de escravidão. E há uma cena do Presidente Lula que eu considero uma das mais bonitas do seu governo; foi quando, em 2005, o Presidente Lula acompanhado, então, do Ministro da Cultura, Gilberto Gil, foram ao Senegal, mais especificamente à Ilha de Gorée, no portão do "nunca mais", um portão de onde partiam os navios negreiros carregados de escravos para o Brasil, e o Presidente Lula fez um discurso emocionado e pediu perdão ao continente africano, à população africana pela escravidão praticada no Brasil. Foi o único Presidente a reconhecer isso, a pedir perdão e a reconhecer a importância que tiveram os negros na construção deste País, infelizmente da forma que foi, infelizmente com a exploração que foi, infelizmente com a violência que foi.

    E Lula disse que o fato de a África ser um continente atrasado não é porque os africanos não têm competência ou inteligência, é porque, por três ou mais séculos, se tiraram daqui as pessoas mais saudáveis.

    E Lula também disse, na época que visitou Gorée: "É só estando neste portão, pisando onde os escravos pisavam, onde eram amarrados, onde eram pesados, onde eram embarcados nos navios para irem para o Brasil que a gente sente o horror que eles sentiam". E a sensibilidade do Presidente Lula jogou luz sobre um passado muito perverso do Brasil e que, até hoje, assombra o nosso continente com o preconceito, com o desrespeito e com os problemas sociais que nós temos. Aliás, desrespeito que não está só entre parcela da população, mas está muito arraigado na elite deste País.

    Não me sai da cabeça, Senador Jorge Viana, que preside esta sessão, as palavras do candidato eleito sobre a população negra quando fazia uma palestra, dizendo que "em quilombos, praticamente só existia gente vagabunda e que os negros pesavam arrobas". É só quem não conhece a sua história, o seu passado, que não conhece o que a população negra sofreu neste País, que não conhece o significado disso que pode dizer uma besteira desse tamanho.

    Portanto, eu quero aqui também relembrar a sensibilidade do Presidente Lula, que, juntamente com a Presidenta Dilma, foram os Presidentes da história do Brasil que mais projetos fizeram para a inclusão da população negra, que mais projetos fizeram para o reconhecimento dessa população e para a necessidade de termos programas que pudessem resgatar um pouquinho – um pouquinho que fosse – do preconceito, da exclusão, do extermínio que nós tivemos em nossa história. Então, não poderia deixar de, aqui, fazer esse registro hoje.

    E, hoje, nós tivemos também uma audiência importante na Comissão de Constituição e Justiça, uma audiência pública, sobre a alteração da Lei de Terrorismo. Os senhores sabem que há um projeto de lei para recolocar na Lei de Terrorismo – já votada por esta Casa e que, mais tarde, na sanção, com trechos vetados pela Presidente Dilma – os trechos vetados, ou seja, colocar na tipificação da lei que o terrorismo também pode ter como causa questões políticas, sociais e ideológicas.

    Nós sabemos que uma lei, quando tem um tipo aberto assim, serve para tudo. E sabemos para que querem que sirva essa tipificação aberta, inclusive colocando a palavra "social" como uma das causas para se configurar terrorismo.

    Isso também está calcado em posição recente do candidato eleito, Jair Bolsonaro, que, uma semana antes de ganhar as eleições, fez um discurso emblemático na Avenida Paulista falando, entre outras besteiras, que iria criminalizar os movimentos sociais e colocar o MST, o MTST, enfim, como movimentos terroristas. E veio a calhar que há um projeto, aqui no Congresso Nacional, mais especificamente no Senado da República, para fazer isso.

    Não é novidade para nós a forma de tratamento dos movimentos sociais, a sua criminalização. Aliás, historicamente no Brasil, movimentos sociais foram tidos como caso de polícia. Começamos a mudar um pouquinho isso com o advento da Constituição de 1988, depois com os governos democráticos e, mais especificamente, a partir dos nossos governos em 2003, quando tivemos conferências com a participação dos movimentos sociais e com o reconhecimento desses movimentos em termos de políticas públicas. Mas, para espanto nosso, as coisas estão regredindo.

    E essa audiência pública foi para fazer um chamado, um alerta para que não regredíssemos, para que não colocássemos movimentos sociais criminalizados como terroristas. Eu espero que os depoimentos ali prestados hoje possam ter esclarecido os Srs. Senadores. E não tenho dúvidas de que um dos motivos para se colocar movimentos sociais como terroristas, para tratar movimentos sociais como criminosos ou criminalizá-los no processo vem exatamente da cultura escravocrata no Brasil. Porque quando tivemos a "libertação" dos nossos escravos – e libertação entre aspas, porque ela não foi seguida de condições para que essa população pudesse se integrar à sociedade brasileira –, quando tivemos isso, deixamos ao léu, à beirada, pelo caminho. E as reivindicações do povo negro, ao longo da história, depois de sua liberdade, foram reivindicações tratadas como caso de polícia, sempre com massacres, sempre com ataques, sempre com prisões ou mortes, mas nunca com o diálogo e nunca com o reconhecimento do direito que essa população teria que ter no Brasil depois de ter feito tanto pelo desenvolvimento do nosso País e ter feito isso em condições subumanas.

    Então, nós entendemos por que nós estamos passando por este retrocesso no Brasil; por que que é tão difícil firmar um marco democrático e progressista neste País. Porque a nossa cultura de 500 anos é uma cultura de atraso, é uma cultura escravocrata, é uma cultura que não considera o direito dos trabalhadores e os direitos das pessoas. Basta nós lembrarmos que quase 90% da nossa história de 500 anos nós vivemos como colônia; depois império, uma parte do tempo; uma República de elite; e uma democracia plena, efetiva – se é que dá para se chamar de plena – a partir da Constituição de 1988. Por isso, os retrocessos; por isso, a gente tem que estar alerta; por isso, a gente tem que estar lembrando que os direitos são importantes para a gente recuperar esse passado nefasto do nosso País, construído sobre a dor, sobre a exclusão de muita gente.

    Então, quero deixar aqui esse registro, um registro meu como Senadora, um registro do Partido dos Trabalhadores, mas também em nome do Presidente Lula, que foi o único Presidente...

(Soa a campainha.)

    A SRA. GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) – ... deste País que teve a decência de reconhecer que a nossa história foi feita em cima de sangue, suor e lágrimas do povo negro, que foi trazido pelo tráfico do continente africano. E foi o único que foi lá na Ilha de Gorée, na porta do "nunca mais", pedir desculpas à população negra e aos africanos pela bestialidade que o Brasil cometeu.

    Muito obrigada, Sr. Presidente.

    O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) – Eu a cumprimento, Senadora Gleisi, pelo pronunciamento e queria, inclusive, fazer um comentário a mais. O fotógrafo brasileiro, renomado no mundo inteiro, Sebastião Salgado, está fazendo um livro, mais um de seus livros – já fez sobre o MST, já fez sobre tantas coisas bonitas do mundo –, também sobre a história dos povos indígenas. No fundo, é a história do povo brasileiro. E lá nos estudos fica bem evidente que a origem nossa brasileira não é do branco ou europeu; a origem nossa verdadeira, na ampla maioria, vem dos índios e dos negros.

    A SRA. GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) – E dos africanos.

    O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) – Então, o Brasil precisa se reencontrar com a sua história.

    E hoje, no Dia da Consciência Negra, nós precisamos tratar isso de uma maneira séria e de uma maneira que essa origem nos orgulhe, uma origem genuína, brasileira. E, muito bem lembrou V. Exa., que nos deu origem, mas a partir do sofrimento de um povo do continente africano, que também é parte da origem da própria humanidade.

    Então, eu cumprimento V. Exa. e espero, quando esse livro do Sebastião Salgado, que é renomadíssimo no mundo inteiro, ficar pronto, que a gente possa valorizar mais a história dos povos indígenas e dos negros, que deram origem a todos.

    A SRA. GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) – Obrigada, Senador.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/11/2018 - Página 33