Discurso durante a 136ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação contra a retirada dos médicos cubanos do Programa Mais Médicos.

Autor
Otto Alencar (PSD - Partido Social Democrático/BA)
Nome completo: Otto Roberto Mendonça de Alencar
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE:
  • Manifestação contra a retirada dos médicos cubanos do Programa Mais Médicos.
Aparteantes
Ana Amélia.
Publicação
Publicação no DSF de 21/11/2018 - Página 55
Assunto
Outros > SAUDE
Indexação
  • CRITICA, RETIRADA, MEDICO, ORIGEM, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, PROGRAMA, GOVERNO FEDERAL, MOTIVO, AUSENCIA, ASSISTENCIA, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA.

    O SR. OTTO ALENCAR (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - BA. Para discursar.) – Sr. Presidente, Senador Ataídes Oliveira, eu quero agradecer a V. Exa. Sem nenhuma dúvida, aqui, no Senado Federal, é sempre uma honra ocupar a tribuna.

    Sr. Presidente, V. Exa. e tantos outros Senadores da nossa convivência sabem muito bem da minha formação de médico e de professor universitário. Eu ensinei muitos anos na Universidade Federal da Bahia, o meu Estado, na cadeira de ortopedia e traumatologia. Formei vários médicos que estão pela Bahia afora. E também tive a oportunidade de trabalhar no serviço de saúde, o que eu considero mais relevante na minha vida, como formação humanitária, por ter algo dentro do meu espírito que pudesse colocar acima de tudo o interesse pelo paciente e não a contrapartida que o paciente pudesse me oferecer, em torno de bens materiais ou para minha sobrevivência.

    Sempre foi assim. Por isso, passei praticamente 12 anos trabalhando num hospital em Salvador, chamado Hospital Santo Antônio, criado pela Irmã Dulce dos Pobres, que foi uma das pessoas mais elevadas do ponto de vista espiritual. Lá eu convivi, naquele hospital, no Hospital Santo Antônio da Irmã Dulce, com pessoas muito pobres, muito carentes e trabalhei com doenças, todas elas relacionadas com a subnutrição, com a fome. A fome tem todas as suas formas em várias partes do Brasil e, no meu Estado, naquela época, nas décadas de 70 e 80, era uma coisa que acontecia com muita frequência.

    Eu convivi, Senadora Ana Amélia, com tuberculose em todas as suas formas: tuberculose óssea, tuberculose osteoarticular, escorbuto, osteomielite hematogênica, subnutrição, fraturas espontâneas por perda de substância mineral. Enfim, eu convivi, aqueles anos todos, com a Irmã Dulce, trabalhando, e ela dando alimentação às pessoas que tinham fome. E foi o trabalho mais importante de toda a minha carreira de profissional da área de saúde.

    Apesar de professor, de ter uma grande clínica lá, de ser especialista – como fui, por muitos anos – em próteses do quadril, de fazer várias cirurgias e salvar vidas, de recuperar a saúde de várias pessoas, o que me valeu como ser humano foi ter trabalhado, dedicando-me de corpo e alma àquela missão de trabalhar para ajudar as pessoas economicamente mais fracas, que, por acaso, pela falta de assistência do poder político, seja municipal, estadual ou federal, caem nessa dura estrada da vida, e uma mão, às vezes, tem que levantar, erguer essas pessoas, para que elas possam continuar vivendo com dignidade.

    Pois bem, eu não vou fazer aqui um discurso de condenação pelo que aconteceu agora com o Programa Mais Médicos. Não vou fazer isso, mas o que eu vou dizer é que eu conheço essa realidade que eu vivi no Irmã Dulce e conheço hoje, mais do que nunca, a realidade dos médicos que estão nos distritos, no interior da Bahia e do Brasil, que estão nas comunidades quilombolas. Eu poderia citar, por exemplo, aqui, o Município de Campo Formoso, na Bahia. Campo Formoso, na Bahia, tem um quilombo chamado Laje dos Negros. Pois bem, lá reside um médico cubano. Ele reside lá, vive naquela comunidade de 5 mil pessoas, com dificuldades sociais enormes, cuidando daquelas pessoas.

    Então, retirar da Bahia 852 médicos, ou esses médicos todos do Brasil, de forma ab-rupta, não seria uma coisa, na minha opinião, Senador Ataídes, correta. Seria um trabalho que deveria ser feito gradualmente: à proporção que se tira o médico que dá assistência à comunidade, que vai ver o paciente no posto de saúde, que vai visitá-lo na sua residência, na sua casa, pudesse, depois de substituí-lo, encaminhá-lo ao seu país de origem, à Cuba. Que fosse para lá, que tem um regime completamente diferenciado do nosso.

    Mas posso garantir a V. Exa. e a V. Exas. que nenhum médico cubano pediu carteirinha de identidade ideológica ou doutrinária para salvar uma pessoa. Eu os conheci e convivi com alguns lá no meu Estado. Portanto, eles fizeram um trabalho muito bom.

    É claro que agora vai entrar o novo Governo e esse Governo vai substituí-los, mas que o fizesse já tirando um cubano e colocando um brasileiro ou qualquer outro para atender da mesma forma como era atendido.

    Um médico desses ganha R$10 mil por mês, e as prefeituras colaboram com uma ajuda de custo de algo em torno de R$2,5 mil, para que eles possam alugar sua casa, comprar seus alimentos e trabalhar pela comunidade.

    No meu Estado, já há algum tempo, desde que fui Secretário de Saúde, nós reduzimos muito a mortalidade infantil. Reduzimos muito a mortalidade infantil e reduzimos a mortalidade materna. Estes são dois segmentos da população, Senador Ataídes, que são mais frágeis frente a doenças e que não têm um seguro de saúde: a criança e a mulher. A criança tem que ser assistida com educação e saúde, com vacinas, para evitar as viroses da infância; a mulher tem que fazer os exames preventivos do câncer de colo do útero e do câncer de mama. E, em todas essas ações, elas vão ficar completamente desassistidas, porque não haverá a substituição imediata.

    Vou repetir: não quero entrar aqui na questão política. Estou fora disso! Eu nunca fiz, em minha vida, um ato médico que tivesse conotação política. Ao longo de toda a minha vida, sempre olhei para o paciente, dedicando-me a ele, para que ele pudesse ter na minha ação a solução para recuperar sua saúde, para aliviar sua dor e para salvar sua vida.

    Portanto, neste momento em que estamos vivendo, não pode sobrar isso para o pobre, não pode sobrar isso para aquele que não tem seguro de saúde! No meu Estado, só 20% da população tem seguro de saúde; 80% são atendidos pelo Sistema Único de Saúde, que, sendo bom ou ruim, salva muitas vidas. Há filas? Há filas, mas se resolve muito. É que, na medicina, de 99 ações benfeitas, sai somente 1% como destaque do que aconteceu.

    Portanto, eu acho que, neste momento em que estamos vivendo agora, se falhou o governo cubano, porque tomou uma atitude intempestiva, falhou também o daqui porque tomou outra atitude intempestiva. Neste momento, para salvar a saúde do povo brasileiro pobre e desnutrido, que não tem condição de entrar em um hospital com um cartão de uma seguradora de saúde, precisaria haver uma coisa chamada "moderação", até porque, Senadora Ana Amélia, se a solução neste momento não vier pelos moderados, não virá pelos exaltados, tanto os daqui quanto os de lá, do governo cubano.

    Passo a palavra a V. Exa.

    A Sra. Ana Amélia (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) – Gostei, Senador Otto Alencar, desta palavra usada por V. Exa.: moderação. A campanha eleitoral passou, e não podemos ficar olhando pelo retrovisor. Há carências neste Brasil gigante. Não só na sua Bahia, mas também no meu Rio Grande, no interior do Rio Grande, temos carências semelhantes a essas. E as doenças referidas por V. Exa. na área da ortopedia, de que V. Exa. é um especialista, todas elas são advindas da subnutrição, da pobreza e da fome. Então, é preciso essa moderação para encontrar a melhor solução para atender quem mais precisa.

    Eu queria agradecer a V. Exa., porque aqui sempre se pautou por isso. Quando aqui debatemos a lei do teto, a famosa PEC do teto, eu usei o que aconteceu na Bahia, no Governo do PT, pela moderação desse Governo, pela competência que teve, com contas equilibradas. Por quê? Porque entendeu que gestão era uma coisa séria, que é para beneficiar os mais pobres.

(Soa a campainha.)

    A Sra. Ana Amélia (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) – Ela beneficia os mais pobres na sua capacidade de produzir receita, economizar para ter o recurso necessário para atender a quem mais precisa. Mas V. Exa. aqui...

    Eu estou saindo deste mandato de cabeça erguida...

    O SR. OTTO ALENCAR (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - BA) – Lamento muito: gostaria de continuar convivendo com V. Exa.

    A Sra. Ana Amélia (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) – Foi uma escola em que aprendi... Aprendi mais nestes 8 anos do que em 40 anos como jornalista, Senador, convivendo com pessoas como V. Exa. e como todos desta Casa. Mas o que mais me chama a atenção no seu desempenho não é apenas esse chamamento à moderação, de lado a lado, mas sobretudo o fato de que V. Exa. não se preocupa só com a necessidade de uma assistência às camadas mais pobres, mas também com toda a medicina em nosso País. Tenho o orgulho de ter tido V. Exa. como Relator de uma proposta de pesquisa clínica: para avançar, simplificar, tornar mais ágil a pesquisa clínica, porque o câncer está matando cada vez mais os brasileiros...

(Soa a campainha.)

    A Sra. Ana Amélia (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) – ... e essa pesquisa clínica interessa aos médicos pesquisadores, mas, sobretudo, à vida melhor de alguém que tenha câncer.

    Então, quero fazer essa referência e cumprimentar V. Exa., especialmente renovando esta palavra: moderação. É disso que mais precisa o Brasil hoje. Parabéns, Senador Otto Alencar.

    O SR. OTTO ALENCAR (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - BA) – Obrigado, Senadora Ana Amélia. Incorporo o aparte de V. Exa. ao meu pronunciamento.

    Espero que isso possa acontecer, porque essa retirada abrupta dos profissionais da área de saúde vai causar um dano muito grande à saúde de todo o povo brasileiro humilde, o povo pobre. Eu estou me referindo aqui a quem não tem a mínima condição de ter um seguro de saúde, de consultar um médico num hospital privado, um hospital particular.

    Esse exemplo que tive lá no hospital de Irmã Dulce, o Hospital Santo Antônio, foi um exemplo muito bom. Ela tinha uma frase que dizia assim: "Aos pobres, com caridade e, aos fortes, com altivez." Então, é o momento de os fortes terem, assim, a atitude humana de entender que se deve fazer uma coisa negociada com muita moderação, para que as pessoas que estão no interior, nos mocambos, nas favelas das grandes cidades e também no campo, no Nordeste e na região, inclusive, do sul, aqui em São Paulo – a maior quantidade de médicos cubanos está no Estado de São Paulo, que é o Estado mais rico –, possam ter um alento para buscar e encontrar um médico que possa recuperar a saúde, aliviar a dor e salvar vidas.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/11/2018 - Página 55