Pronunciamento de Marta Suplicy em 28/11/2018
Discurso durante a 141ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Esclarecimentos quanto à questão da legalização da cannabis para uso medicinal.
- Autor
- Marta Suplicy (MDB - Movimento Democrático Brasileiro/SP)
- Nome completo: Marta Teresa Suplicy
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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SAUDE:
- Esclarecimentos quanto à questão da legalização da cannabis para uso medicinal.
- Publicação
- Publicação no DSF de 29/11/2018 - Página 53
- Assunto
- Outros > SAUDE
- Indexação
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- REGISTRO, COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS (CAS), SENADO, APROVAÇÃO, PARECER FAVORAVEL, REFERENCIA, PROJETO DE LEI, OBJETO, REGULAMENTAÇÃO, LIBERAÇÃO, DROGA, UTILIZAÇÃO, MEDICINA.
A SRA. MARTA SUPLICY (Bloco Maioria/MDB - SP. Para discursar.) – Obrigada, Presidente.
Caros telespectadores da TV Senado, caros Senadores e Senadoras, hoje de manhã, nós aprovamos, na Comissão de Assuntos Sociais, um projeto de lei que libera o uso da Cannabis, a maconha, para fins medicinais.
Como foi instituído esse projeto? Ele começou em virtude de uma manifestação no e-Cidadania, do Senado. Quando atinge 20 mil apoiadores, ele é encaminhado para uma das Comissões. Esse foi para a Comissão de Direitos Humanos. O projeto original era pela descriminalização da maconha para fins recreativos e estava sendo rejeitado pelo Senador Petecão. Eu fiz um voto em separado dizendo que, então, eu estaria propondo a possibilidade do uso medicinal da Cannabis. Foi aprovado. Esse projeto foi para a Comissão de Assuntos Sociais, onde fui a Relatora. E aí nós propusemos, e foi aprovada, a possibilidade de duas coisas: primeira, a importação da semente e, segunda, a possibilidade de as cooperativas poderem existir.
Por quê? Eu não entendo de Cannabis. Por isso, nós fizemos algumas audiências públicas e conversamos com muitas e muitas mães de crianças, principalmente de autistas que também têm epilepsia. Os relatos foram muito fortes, e eu me tornei uma defensora forte do projeto à medida que fui percebendo a diferença que isso fazia para essas mães. Houve muitos testemunhos dando conta de crianças que tinham mais de 20 ataques epiléticos por dia – e, quando tem um ataque epilético, a pessoa não continua o resto do dia: elas disseram que a criança quase não saía da cama, porque levantava e tinha um ataque epilético, algumas chegando até a ter dano cerebral –, mas, com o uso da Cannabis, passaram a não ter mais ataques epiléticos. Hoje, na CAS, nós vimos várias mães e várias crianças que foram levadas pelas mães, pois elas queriam que víssemos a diferença. Foi um testemunho muito forte.
Por que a gente falou em importar a semente? Porque hoje a lei brasileira permite o uso da Cannabis medicinal, mas não há Cannabis medicinal no Brasil, porque não se pode plantar, e não há como importar a semente. Então, seria uma importação da semente muito restrita ao uso médico daquela pessoa, cultivada por aquela família.
Também há a possibilidade – isso nós ouvimos, e eu concordei, porque fazia sentido – de existirem associações de pessoas que a utilizam com prescrição médica. Eu até conheci, aqui em Brasília, uma cooperativa, são cinco médicos que ajudam 50 famílias, para as quais eles prescrevem a Cannabis, que vale para várias doenças, como Alzheimer, esclerose, doença terminal, para diminuir a dor, e Parkinson, doenças que têm um impacto muito grande. Eles sugeriram fazer isso para a associação também, o que me fez achar que isso fazia todo o sentido. Se você tem em casa um pequeno cultivo, você tem de saber extrair o óleo, porque não é a planta que a pessoa vai utilizar, ela não vai fumar maconha, ela tem de saber extrair o óleo da cepa certa. Então, tem de haver um médico, um especialista que a oriente sobre qual é a cepa para combater aquela doença, porque o que faz efeito para o autismo não é a mesma coisa que faz efeito para outra doença. A partir disso, essa quantidade também é muito individual, porque, dependendo da extração, dependendo da cepa, a pessoa vai receber e ingerir tantas gotas, e aí vai adaptando. Isso é muito bem acompanhado pelos médicos que receitam.
Dois Senadores votaram contra, e o restante dos membros da Casa votou a favor.
Eu gostaria de rebater o voto em separado do Senador Amorim, que, alguns minutos atrás, me antecedeu e expôs por que ele votou contra. Vou rebatê-lo com muita facilidade. Por quê? Porque os argumentos, na minha avaliação, não procedem. Ele coloca a rejeição com base em dois pontos.
Um deles é a incapacidade do Estado de controlar o semeio, o cultivo e a colheita de Cannabis sativa para uso pessoal terapêutico. Ele diz que as pessoas vão importar e vão fazer plantação de Cannabis. Primeiro, importar é difícil; você tem de ter a prescrição médica, e é uma dose pequena para aquela doença, por tempo regulado, e tudo mais. Hoje, o Estado já fiscaliza plantação de maconha, porque é ilegal. O Estado vai continuar a fiscalizar. De repente, há uma plantação ali que não deveria existir, e o Estado vai pedir a prescrição médica. Se isso não corresponder ao que está ali plantado, se houver mais, se não houver licença, é ilícito, e se vai punir pela lei. Então, nada há de diferente do que hoje já ocorre. Nada! Eu não imagino que alguém vá se dar ao trabalho de passar pela burocracia existente para conseguir importar isso, para ter uma quantidade pequena e para aí fazer uma plantação de maconha. Acho que não. Não é isso.
Depois, há outro argumento: a dificuldade de dimensionar qual a quantidade suficiente para uso do paciente. Isso eu já expliquei. O paciente tem de contar com um médico que o ajude. Ele é acompanhado. Não é uma coisa que a pessoa faça para tomar as gotas. Não é assim que funciona.
Outra questão: o Senador coloca que o SUS deveria fornecer. Concordo. Nisso estamos de pleno acordo. Agora, o Senador Amorim participa da Comissão de Assuntos Sociais e acompanhou a luta do Senador Moka, da Senadora Ana Amélia, do Senador Caiado para conseguir que as doenças raras pudessem ter uma medicação adequada. Quando se entra na Justiça, a Anvisa tem que importar os remédios, mas os remédios ficam descontinuados, não chegam, e as pessoas padecem. E nós presenciamos isso – o Sr. Presidente em exercício, Senador Cidinho, também é da Comissão. Está de brincadeira falar que o SUS vai importar Cannabis para... Não vai, gente! Agora, o cidadão pode, sim, pedir uma licença para importar o remédio, que é fabricado nos Estados Unidos. Sabem qual é o preço do remédio em média? São R$2,9 mil – a pílula – por mês que essas famílias gastam. Então, o que acontece? A família, primeiro, vende o carro, depois vende não sei o quê, depois não tem mais R$2,9 mil por mês para pagar remédio, e aí fica no desespero.
A Cannabis de uso medicinal tem uma possibilidade real, comprovada cientificamente, tanto o é que o próprio crítico do projeto, o Senador Amorim, concorda que ela tem realmente um efeito; ele não concorda com o projeto pelos motivos que mencionei. Agora, eu diria que nós Senadores e Senadoras temos que ir além da burocracia ou de pensar o ideal que devia ser, porque não é. Entrementes, vejam o sofrimento das pessoas que poderiam estar sendo beneficiadas hoje. Quanto às consequências, eu acho que não haverá nenhuma consequência que vá ser uma tragédia para o Brasil com a importação da Cannabis medicinal – a importação da semente e a possibilidade de utilizá-la.
Já 22 países aprovaram, assim como alguns Estados norte-americanos, e o resultado realmente faz uma diferença muito grande: pessoas que têm consequências muito duras com os remédios que são receitados normalmente não têm essas consequências com a Cannabis. E, quando há, segundo o depoimento dos médicos em audiência pública, as pessoas optam pela Cannabis, porque, se porventura ela tem alguma consequência, esta é muito menor do que a de todos os remédios conhecidos, as quais são devastadoras.
Era isso, Sr. Presidente.
Muito obrigada.