Discurso durante a 160ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão a respeito da atuação política de S. Exª.

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATIVIDADE POLITICA:
  • Reflexão a respeito da atuação política de S. Exª.
Publicação
Publicação no DSF de 21/12/2018 - Página 70
Assunto
Outros > ATIVIDADE POLITICA
Indexação
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, ORADOR, PERIODO, EXERCICIO, MANDATO, SENADOR, DEFESA, IMPORTANCIA, DEMOCRACIA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, EDUCAÇÃO, TECNOLOGIA, COMBATE, CORRUPÇÃO, POBREZA.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF. Para discursar.) – Senador Guaracy, muito obrigado por essa introdução.

    Eu quero dizer que assisti ao discurso do Senador Wellington com a alegria de saber que ele continua aqui e com a alegria, parece incrível, de ser o último orador desta Legislatura. Eu posso dizer que saio ficando até o último instante. Eu saio, é o meu último discurso, ficando até o último instante. Mas isso não quer dizer que eu vou me despedir. Mais de um falou aqui uma frase que eu tenho dito de que quem olha para o futuro não se despede.

    Então, como eu sou o último Senador a falar nesta Legislatura, o senhor me permite, como Presidente, que eu fale o meu primeiro discurso de ex-Senador. A Senadora Ana Amélia falou aqui até como candidata. Não, eu não falo como candidato, não tenho essa pretensão, não está na minha cabeça. Mas eu quero fazer o primeiro discurso de ex-Senador que continua na luta.

    Eu já fazia essa luta antes de chegar aqui, eu fiz essa luta aqui e vou fazer essa luta depois: a luta, Senador, por um Brasil melhor – e eu vou definir o que para mim é um Brasil melhor. Eu poderia fazer aqui um balanço do que eu fiz, de ter sido o Senador que mais leis tem sancionadas entre todos os Senadores eleitos desde 1988. O segundo, desde 1946. Podia fazer um balanço de que eu sempre estive presente em todos os debates. Alguns dos quais, inclusive, comprando brigas feias porque tomei posições que a minha consciência mandava e com as quais muita gente, inclusive eleitores, não compactuavam.

    Poderia fazer uma avaliação de que me comportei esses 16 anos sem usar mordomias, privilégios, mas eu quero fazer já o primeiro discurso de ex-Senador, dizendo por que, para que eu vou lutar. Primeiro, por um Brasil democrático. Um Brasil democrático pelo qual eu luto desde muito jovem, quando fui surpreendido na universidade com o golpe militar de 1964 e comecei a lutar pela democracia. Quero continuar por isso. Nós conseguimos, minha geração, ter um País democrático.

    Mas tem que ser uma democracia plena, por exemplo, sem corrupção. Não é plenamente democrático o país onde a política é corrupta, sem estabilidade. Não é plenamente democrático o país com instabilidade. Não é plenamente democrático um país com sustos, seja o susto de um Presidente que faz o que quer, seja o susto de um juiz que faz o que quer, seja o susto de um Congresso que decide coisas que não são as melhores, como as chamadas pautas bombas, que podem prejudicar o próximo Governo.

    Não é democrático um país onde o Estado não é eficiente e oferece serviços ruins. Nem é democrático o país em que os políticos não são respeitados. Se os líderes não são respeitados, isso é uma semidemocracia porque tem voto, mas, depois que você vota, os caras ficam quatro anos, sem respeito. Então, não é uma democracia.

    Quero lutar e vou continuar lutando, enquanto tiver energia, por um Brasil plenamente democrático, e, para isso, ele tem que ter um projeto de desenvolvimento sustentável. Eu não consigo ver satisfação em um país em que a política seja democrática, sem corrupção, sem mordomias, mas onde nós não sabemos por quanto tempo o território não será deserto, como está crescendo o deserto no Brasil. Quanto tempo vamos ter ainda de florestas? Temos que buscar a sustentabilidade, o equilíbrio ecológico no nosso projeto social e econômico.

    Mas não basta essa sustentabilidade que os ecologistas defendem, esquecendo as outras. Eu quero uma previdência sustentável! A que está aí não é sustentável. A que está aí vai explodir. Eu quero a moeda estável. Não é sustentável um país que tem que mudar de moeda a cada tantos anos. Nós no Brasil nos acostumamos tanto a mudar de moeda que achamos que isso é em todo lugar do mundo. Não é! É exceção um país que muda de moeda em um século.

    Eu quero cidades eficientes. Faz parte da sustentabilidade. Nossas cidades viraram "monstrópoles" em vez de metrópoles. Por isso, é o meu primeiro discurso já como ex-Senador, mas na mesma luta. Eu quero um país sem ninguém em estado de pobreza. Porque não basta ter democracia política; é preciso ter um Estado, um país, uma sociedade decente. Não é decente uma sociedade que tem uma população que vive em quadro de pobreza: sem água, sem esgoto, sem escola, sem saúde, sem cultura, sem comida inclusive. Por isso, eu quero fazer meu primeiro discurso de ex-Senador na luta pela abolição da pobreza, erradicação da pobreza.

    Eu não estou falando que todos vão ser ricos. Não estou falando que todos vão ser iguais. Isso eu não tenho na minha bandeira. Eu quero é que todos estejam acima de uma linha de pobreza, com aquilo que é essencial para uma vida digna. Mas não só isso. Eu quero que a desigualdade não seja como é no Brasil de hoje. Não sou daqueles que defendem demagogicamente a ideia de que todo mundo ganhe o mesmo. Demagogia! Além de demagogia, é autoritarismo e, além disso, desrespeito ao talento. Todos os jogadores ganhando o mesmo salário no futebol, já pensou isso? Não. Tem o talento. O talento tem que ser reconhecido, e para o talento ser reconhecido, tem que haver um grau de desigualdade. Mas tem que ser uma desigualdade fruto do talento. E aqui e ali até pode ter um, fruto da sorte de tirar na loteria. Mas não pode ser fruto de uma herança dada pela sorte. Não, a desigualdade tem que ser resultado do talento pessoal, da persistência, da vocação. Para isso, a gente vai precisar de educação, que é o vetor que promove o talento. Nós precisamos ter uma desigualdade decente, que depende de duas coisas: ser fruto do talento – aí a gente reconhece – e estar dentro de alguns limites. Não dá para chamar de democrático um país em que um Parlamentar e um juiz ganham 40 vezes o salário mínimo. Não dá! Essa desigualdade tem que ser achatada, e eu cheguei a propor aqui a maneira de se achatar isso: não aumentando salário do teto durante dez, vinte anos, enquanto se aumenta o salário mínimo. Não estou propondo que ganhem salário mínimo nem os Parlamentares nem os juízes, mas que a desigualdade não seja com essa brutalidade que corrói, que corrompe a democracia.

    Nós precisamos – e por isto eu quero lutar – de um país em que haja respeito a cada grupo social: aos negros, às mulheres, aos velhos, às crianças e, sobretudo, eu diria, aos índios, esse grupo social que não apenas é maltratado, mas também está ameaçado de extinção por uma assimilação mais rápida do que deveria acontecer e que um dia é provável que aconteça. Mas tem que ser fruto de algo natural, e não de tomar suas terras, não de corromper suas famílias, não de expulsá-los das suas florestas. Nós precisamos – e eu quero lutar por isto – de respeito a cada grupo que esta sociedade, que a brasilidade tem.

    Mas quero também que seja um país culto, em que não ganhemos apenas campeonatos de futebol, de basquetebol, de outros jogos, mas que ganhemos, sim, o respeito por termos os melhores bailarinos, músicos, escritores. Eu quero um país de Prêmios Nobel – não temos um único Prêmio Nobel. A Guatemala tem, o Peru tem, a África do Sul tem, Cuba tem, cada país tem seus Nobel: da Paz, de Literatura e de Ciência.

    Eu quero um país plenamente desenvolvido na ciência e na tecnologia, até porque, sem isso, não vamos ter aquilo que eu desejo para o Brasil: uma economia eficiente, competitiva no mundo internacional, inovadora. Essa economia inovadora, competitiva exige ciência, exige tecnologia. Eu quero isso! E isso depende, obviamente, de universidades, isso depende de instituições sólidas em pesquisas. Todo mundo reclama da falta de dinheiro para pesquisas. Uma coisa pior do que a falta de dinheiro é a falta de continuidade, de permanência dos programas. Um cientista que recebe pouco dinheiro tem dificuldades, mas um que recebe muito dinheiro num ano e nenhum no outro tem muito mais dificuldade de levar adiante o seu trabalho.

    Eu quero um país que seja um exemplo de campeão mundial em ciência e tecnologia, não mais do que os outros grandes, mas igual. Isso é possível, sobretudo se a gente escolhe a vocação em que vai haver condições disso.

    Eu quero um país... Neste primeiro discurso como ex-Senador, eu quero dizer que eu não acredito que seja possível construir justiça social em cima de uma economia ineficiente. Foi um erro das esquerdas achar que podiam fazer a revolução social sem cuidar primeiro da economia.

    Comparemos a Argentina e o Chile hoje. Um tem a economia eficiente, o outro preferiu fazer uma justiça social precipitada. O Chile hoje tem mais justiça social do que a Argentina ou mesmo Colômbia e Venezuela e outros países do mundo. A eficiência econômica é uma condição necessária para se começar a construir a justiça social.

    Quero respeito à diversidade religiosa, cultura, racial, sexual, para isso o Estado precisa ser secular. Ultimamente a gente tem escutado muito que o Brasil é um país cristão. O Brasil é um país com maioria da população cristã, mas aqui tem judeu, aqui tem muçulmano, aqui tem ateu, e cada um deve ser respeitado igualmente. Não podemos dizer que o Brasil é um país de uma religião, porque o caminho é ficar contra as outras. E já tivemos um tempo assim no começo, quando o catolicismo era dominante e perseguia outras denominações.

    Eu quero, Senador, e estou terminando, um País que tenha os instrumentos para construir o que falei até aqui. E aí mais uma vez o verbo continuar. Eu vou continuar lutando para convencer o Brasil sem esta tribuna, mas em outras que vou procurar, para que entendam que o caminho para isso precisa de três coisas.

    Primeiro, a excelência na educação. Quando digo a excelência na educação é dizer que o Brasil é um país que pode comparar o seu sistema educacional com o da Finlândia, com o da Coreia do Sul, do Japão, com os países que têm melhor educação do mundo. O Brasil pode ser excelente em educação, na média do País. Pode, não de repente. É demagogia dizer que se consegue em um ano, dois anos, dez anos; vinte anos talvez não deem. Consegue em 40, que foi o tempo que levou a Coreia do Sul. Temos que ser um país com excelência.

    Segundo, a excelência tem que ser distribuída igualmente. O filho do mais pobre tem que ter direito a estudar numa escola tão boa quanto o filho do mais rico. Excelência para todos, com igualdade no acesso a essa excelência. Isso não quer dizer que todos serão igualmente educados, nunca, porque educação é uma coisa de dentro. Alguns têm talento, alguns têm vocação, alguns têm persistência. Os que têm esses três é que chegam lá, mas o acesso tem que ser igual, como já é em quase todos os lugares. A desigualdade na educação é uma característica de alguns países como o Brasil, não é uma característica da natureza.

    E, terceiro, aí indo para a técnica de como fazer isso: eu acho que tem que ser através da substituição do atual sistema municipal de educação que nós temos por um sistema único de educação, portanto, federal.

    Uma das minhas falhas aqui, Senador Guaracy, foi não ter conseguido explicar o que não é a federalização. E quando falo em federalizar, as pessoas pensam que amanhã o Governo Federal ocupará as 200 mil escolas que o Brasil tem. Nunca, não vai adiantar nada. Ninguém ganha medalha de ouro no salto em altura sendo raquítico, e o nosso sistema educacional é raquítico. Nós vamos ter de ter outro sistema.

    A minha ideia é pegar o sistema que está aí e ir substituindo por outro. É pegar esse que está aí, raquítico, municipal, e ir substituindo por um federal por cidade, ao longo de 20, 30 ou talvez mais anos. O Governo Federal adota a educação de cidades, e essas cidades vão, aos poucos, tomando conta do Brasil inteiro.

    Esse é o único caminho, por exemplo, para se acabar com a pobreza. Primeiro, que só assim vamos ter cada brasileiro produzindo tanto que a renda de todos vai ser grande, graças à produtividade; e, segundo, porque, se a educação é igual para todos, cada um vai ganhar mais ou menos conforme o seu talento. Assim, não vai haver grandes desigualdades, porque todos os educados não vão aceitar a desigualdade brutal.

    Eu tentei aqui, Senador. Esse é um verbo que eu gosto de usar:" tentei". Talvez, um dia, lá na minha tumba esteja escrito: "Esse cara tentou". Dificilmente vão dizer: "Ele conseguiu". Não vai dar tempo. "Mas ele tentou, vamos reconhecer". Eu tentei.

    Outro verbo de que eu gosto é "continuar". Eu vou continuar tentando, e, por isso, eu estou aqui com uma satisfação – percebe? – e com certa frustração, ou então, como eu gosto de dizer, com um certo "frustralívio" de dizer que é o meu último discurso aqui e que é o meu primeiro discurso não mais aqui, um discurso feito no último instante que me deram. Eu cumpri todos os minutos de 16 anos. Eu deveria ter feito a conta antes de vir para cá. Quantos minutos duram um mandato?

    Eu cumpri a minha função e usufruí, de certa forma, de cada minuto, inclusive este último em que eu concluo, Senador Guaracy, dizendo: continuarei.

    É isso, Sr. Presidente.

    O SR. PRESIDENTE (Guaracy Silveira. PSL - TO) – Que privilégio o que tenho, neste momento, de ouvir o brilhante discurso de um brilhante Senador. Neste momento, presidindo esta sessão, pude ouvir esse discurso de despedida de alguém que conhece o Brasil e que ama o Brasil e a quem muito o Brasil deve.

    Senador Cristovam, a Nação deve muito a V. Exa. O Brasil deve muito a V. Exa. Os Anais desta Casa o reconhecem, mas a história brasileira também tem de reconhecer.

    Que Deus abençoe a sua vida e a sua família!

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PPS - DF) – Muito obrigado, Senador. Foi um privilégio tê-lo, neste último instante da Legislatura, presidindo a sessão até esta hora. Houve um momento em que eu fiquei temendo que V. Exa. dissesse: "Já está tarde demais e eu vou almoçar. Arranje outro Presidente". E eu não teria ninguém.

    Muito obrigado, Senador Guaracy. Foi um privilégio conviver com o senhor nesses últimos meses.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/12/2018 - Página 70