Discurso durante a 154ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre o transcurso dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ocorrido no dia 10 de dezembro.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Reflexão sobre o transcurso dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ocorrido no dia 10 de dezembro.
Publicação
Publicação no DSF de 12/12/2018 - Página 22
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • ANALISE, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, DECLARAÇÃO, DIREITOS HUMANOS.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Para discursar.) – Presidente, Senador João Alberto Souza, eu lhe confesso que eu queria ter feito este pronunciamento que faço hoje no dia de ontem, porque, ontem, 10 de dezembro, foi celebrado no mundo todo o Dia Universal dos Direitos Humanos. V. Exa., que me conhece há muitos anos, sabe que eu atuo muito nessa área. Mas, como eu estava no médico, fazendo uma série de exames ainda, quando cheguei aqui, infelizmente a sessão tinha terminado.

    Mas vamos lá, Sr. Presidente, contando com a tolerância de V. Exa.

    Essa data, Sr. Presidente, foi instituída pela ONU, porque foi em 10 de dezembro de 1948 que a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esse documento, com 30 artigos, contém o ideal comum a ser atingido por todos e todas, em todos os povos e em todas as nações em matéria de direitos humanos. Ela se configura, na verdade, como uma afirmação coletiva de repúdio à barbárie, às atrocidades cometidas principalmente durante a Segunda Guerra Mundial.

    De fato, em 1945, à medida que o final do conflito se aproximava, cidades por toda a Europa e Ásia estendiam-se em ruínas e chamas. Milhões de pessoas estavam mortas, outros tantos milhões estavam sem lar, sem comida e procuravam os filhos, os familiares, os amigos. O mundo se horrorizava diante das atrocidades cometidas nos campos de concentração nazistas e de destruição em massa produzida pelas bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki.

    Diante desse cenário, que depunha contra todos os valores fundamentais afirmados pela humanidade até então, Presidente, a comunidade internacional decidiu fundar as Nações Unidas e assinar a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ao fazê-lo, os líderes mundiais acenavam para um futuro de esperança e de paz; de amor, e não de ódio. Acenavam ainda para o compromisso com a busca ao respeito aos direitos consagrados naquela declaração. Em seu preâmbulo, afirma-se que o desconhecimento dos direitos humanos e o desprezo por eles conduziram a atos de barbárie que revoltam a consciência da humanidade e que o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres, livres para falar e crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração do homem. Em seu art. 1º, entre aspas, diz: "Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. [...]"

    Esse pequeno trecho da declaração expressa, Presidente, a essência daquele documento e, ao mesmo tempo, revela o grande desafio que se colocava diante de nós, como humanidade. Estávamos propondo construir uma consciência coletiva, a partir da qual todos, todos sejam respeitados em seus direitos básicos, essenciais, apenas – apenas! – por serem humanos.

    Hoje, decorridos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, é importante fazer aqui uma reflexão sobre o alcance desses direitos, sobretudo num país como o nosso, Sr. Presidente, marcado por profundas desigualdades socioeconômicas que se arrastam ao longo dos tempos. É exatamente esse o tom do pronunciamento que faço ao lembrar essa data.

    Quero, Sr. Presidente, convidar a todos e também a sociedade brasileira que nos assiste a uma reflexão sobre o que fizemos e o que ainda falta por fazer para que aqueles princípios consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos se tornem uma realidade para todos os povos da Terra.

    Aqui no Brasil, desde que iniciamos o processo de redemocratização, temos conseguido avançar no que diz respeito aos direitos e às garantias individuais consagrados no art. 5º da nossa Constituição Federal, que eu tive a satisfação de ajudar a escrever, porque fui Constituinte. Constituição essa tão bem batizada pelo inesquecível Presidente daquele processo, Dr. Ulysses Guimarães, com a frase que ficou marcada: "Está aqui – diz ele – a Constituição Cidadã".

    Tivemos avanços nesses últimos tempos; tivemos avanços, sim, como, por exemplo, a edição do Novo Código Civil, que, entre outras coisas, acabou com a figura do "cabeça do casal", sendo somente o homem, assim reconhecendo a igualdade entre homens e mulheres no que diz respeito à condução dos destinos da família.

    Registro aqui também a Lei de Cotas para deficientes, para negros, para índios, que permite o acesso ao ensino superior de um grande número de pessoas de população pobre. A gente fala "cotas raciais", mas, na verdade, são cotas para todos, porque ali estão contempladas pessoas com deficiência, negros, índios e brancos.

    Outro avanço importante em matéria de direitos humanos foi o reconhecimento da união homoafetiva, com a possibilidade de sua conversão em casamento e a inclusão social de milhões de pessoas, questão que o Supremo já decidiu.

    Avançamos também no que diz respeito ao direito dos idosos e das pessoas com deficiência, que, antes tidos como populações marginalizadas, hoje contam com ampla possibilidade de inclusão social.

    Do mesmo modo, avançamos no que diz respeito à proteção dos direitos da criança e do adolescente, com a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente do qual tive a alegria de participar e votar.

    Avançamos também quanto ao trabalho doméstico, conferindo a todos os que labutam nos lares brasileiros os direitos trabalhistas dos demais trabalhadores. Começamos na Constituinte e terminamos há pouco tempo no Governo Dilma com a promulgação da lei estendendo para todos.

    Então, esses são alguns avanços, Sr. Presidente, que posso registrar nesse momento, em matéria de direitos humanos no Brasil, desde que foi promulgada a Constituição.

    Sr. Presidente, a caminhada é longa, e ainda resta muito por fazer! Temos muitos problemas – claro que temos, Senador Alberto Sousa!

    Somos um País em que ainda imperam as desigualdades sociais; um País em que existe uma brutal concentração de renda, onde o capital especulativo alcança lucros extraordinários às custas de juros estratosféricos e da exploração daqueles que mais precisam.

    Ao mesmo tempo, persistem as desigualdades regionais; desigualdades essas que tiram o acesso a melhores condições de vida.

    Somos um País que ainda não respeita os direitos das populações indígenas e o direito a um meio ambiente saudável. Existe uma grande discriminação – e todos nós sabemos – ainda em relação ao povo negro. Lamentavelmente, apesar de todos os esforços que têm sido feitos para combater o preconceito e a discriminação, ainda é forte a marca do racismo em nosso País, o que nos deixa preocupados e, mais do que isso, envergonhados.

    E na saúde e na educação?

    O SUS tem prestado, com certeza, um grande serviço ao País, e bem sei que não é fácil garantir uma atenção à saúde de qualidade para milhões de brasileiros e brasileiras. Os problemas existem, então temos que resolvê-los, temos que enfrentá-los.

    Temos muitos serviços de excelência, reconhecidos até pela Organização Mundial de Saúde, como é o caso do Programa Nacional de Combate à AIDS, o Programa Nacional de Transplantes, por exemplo. Mas, por outro lado, ainda deixamos muito a desejar no atendimento emergencial, os pacientes esperam durante longas horas nas filas, às vezes durante dias e, por que não dizer, meses para serem atendidos. Faltam materiais básicos, como gaze, fita para sutura e esparadrapo.

    Na educação, apesar de alguns avanços, como a política que aqui falei da inclusão dos mais pobres, sejam brancos, negros, índios ou não, baseada na questão do salário da família, enfim, temos que discutir melhor o piso nacional do magistério. Foi importante, mas muitos Estados, Senadora, ainda não cumprem – muitos. Por exemplo, no meu Estado, desde que foi criado, nenhum Governo cumpriu, nenhum Governo, seja do campo que se diz hoje da oposição, seja quem no passado era da situação ou não. Nenhum Governo cumpriu a questão do piso.

    Sr. Presidente, podia lembrar ainda o baixo rendimento, quando comparado a outros países, dos nossos trabalhadores. Nossos jovens não conseguem competir em igualdade de condições, em matéria de qualidade de ensino, com aqueles que residem em países mais desenvolvidos ou até mesmo em países semelhantes ao nosso. Mesmo no nosso País, os dados do IBGE mostram: aqueles que cursaram o nível superior em escolas, em universidades de qualidade são os que ganham os melhores salários. Essa é uma desigualdade de base, que mexe com a estrutura da sociedade brasileira e que, por isso, precisa ser superada para que possamos oferecer oportunidades iguais para todos na educação e no emprego.

    Essa é uma pequena radiografia do Brasil em matéria de direitos humanos. Digo pequena, porque cada um dos assuntos que abordei mereceria, no mínimo – no mínimo, no mínimo –, um mês de debate permanente nesta Casa sobre cada assunto.

    Do mesmo modo, considero importante fazer referência aos direitos humanos no mundo, já que estamos lembrando aqui o transcurso desta data, o Dia Universal dos Direitos Humanos.

    Não resta dúvida, Presidente, de que, do ponto de vista planetário, a situação é muito mais complexa do que em nosso País isoladamente. São diversos povos, diversas nações, com ideologias e pensamentos diferentes, que cultivam valores igualmente diferentes. Chegar a um denominador comum, compatível com os direitos humanos, não é, portanto, uma tarefa fácil.

    Por isso, eu não poderia aqui, nestes breves minutos – com a tolerância de V. Exa. –, fazer um comentário mais profundo sobre esse tema nos países. Mas gostaria de falar sobre uma grande ameaça que temos hoje aos direitos humanos em todo o mundo e que diz respeito à violência praticada contra jovens e mulheres.

    De acordo com a Organização Mundial da Saúde, 35% das mulheres do mundo foram vítimas de violência física ou sexual nos últimos anos. Em alguns países, essa realidade atinge 70% da população feminina. No Brasil, os números da violência contra a mulher também são alarmantes. Assim como em outros países, 71,8% das situações de violência física ou sexual cometidas contra a mulher ocorrem no ambiente doméstico.

    A situação dos jovens não é diferente. De acordo com a Unicef, Presidente, o Brasil é o vice-campeão mundial em número de homicídios de jovens de zero a 19 anos: mais de 11 mil foram assassinados no País em 2012. Nesse item só perdemos para a Nigéria. Quanto à taxa por 100 mil habitantes, o Brasil é o 6º colocado: 17 para 100 mil. Na sua frente estão: El Salvador, 27; Guatemala, 22; Venezuela, 20; Haiti, 19; e Lesoto, 18.

    Quando falamos em direitos humanos, não podemos deixar de nos lembrar de um dos direitos mais básicos de todos nós: a alimentação. Embora esse seja um direito elementar do ser humano, 795 milhões de pessoas passam fome no mundo, milhões delas em consequência de conflitos armados, de acordo com o Índice Global da Fome, de 2015.

    A fome no mundo continua sendo um desafio, com uma em cada nove pessoas sofrendo desnutrição crônica e mais de 15% das crianças com atrasos no crescimento como consequência da fome.

    Diretamente relacionada à questão da fome, está a concentração de riquezas. Como falar em respeito aos direitos humanos, à dignidade da pessoa humana, quando 1% da população mundial detém quase metade da riqueza mundial, ou seja, do Planeta? São trilhões e trilhões, mais de US$110 trilhões.

    Enquanto não forem adotadas medidas concretas para reduzir essa brutal concentração das riquezas no Brasil e no mundo, veremos um abismo cada vez maior entre ricos e pobres e a acentuação das desigualdades, da fome e da miséria, pelos quais somos, coletivamente, responsáveis.

    Sr. Presidente, João Alberto, quero aqui lembrar palavras do Papa Francisco. O Papa Francisco disse:

Estamos próximos do Natal: haverá luzes, festas, árvores luminosas e presépios... [mas se não combater a fome, a violência, a miséria] tudo falso: o mundo continua a fazer guerras. O mundo não entendeu o caminho da paz. [...] Hoje há guerra e ódio em toda a parte.

[E o que nos resta?] Ruínas, milhares de crianças [jogadas nas favelas, nas palafitas, nas ruas] sem educação, [tantos] mortos inocentes [...] e [tanto] dinheiro nos bolsos dos traficantes de armas [ou de drogas]. [...] A guerra é [...] a escolha das riquezas [de quem prefere as riquezas ao ser humano].

    O que assusta, Sr. Presidente, é que, quando falamos em direitos humanos, não podemos nos esquecer de que, de acordo com a Declaração de Estocolmo, 1972, todo ser humano tem direito a um ambiente de qualidade, que lhe permita levar uma vida digna e com bem-estar. Mas ainda estamos longe, longe de que isso aconteça.

    Enchentes afetaram quase 2,5 bilhões de pessoas nos últimos 20 anos. Além disso, 4.130 catástrofes ambientais ocorreram; mais de um milhão de mortos e prejuízos econômicos que ultrapassam a casa do US$1 trilhão.

    Não podemos falar de direitos humanos sem mencionar dois dos direitos mais básicos, que são saúde e educação.

    Na saúde, a situação é muito preocupante.

    De acordo com o último levantamento da OMS, cerca de 400 milhões de pessoas em todo o mundo não dispõem de acesso aos serviços básicos de saúde, e os gastos com esse tipo de despesa estão empurrando muitas famílias e muitas famílias para a morte, miséria e pobreza.

    Isso é ainda mais grave nas áreas rurais, onde mais da metade da população não tem acesso aos serviços de saúde, o que representa mais do que o dobro do número observado em áreas urbanas.

    Estou indo para os finalmentes, Sr. Presidente.

    Segundo dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho), no continente africano, 83% dos que vivem nas zonas rurais – estou me referindo ao continente africano – nunca, nunca tiveram acesso aos serviços básicos de saúde.

    Na educação, o quadro não é muito diferente porque esse direito nunca foi, de fato, alcançado de modo universal e permanece como um desafio mundial.

    Hoje, temos quase 2 bilhões de jovens no Planeta, o maior número até hoje registrado. Contudo, grande parte dessa juventude está praticamente condenada, isso porque, ainda segundo o Fundo de População das Nações Unidas, 60% dessa juventude não tem acesso à educação e, consequentemente, está excluída do mercado de trabalho. Pior do que isso: mais de 500 milhões de jovens lutam para viver com menos de US$2 por dia, abaixo da linha de pobreza considerada pela ONU.

    As crianças e os jovens não são os únicos afetados pelos problemas de acesso à educação: 17% dos adultos de todo o mundo são analfabetos e, desse percentual, dois terços são mulheres.

    Nesse breve panorama que relatei aqui, Sr. Presidente, em meu pronunciamento, podemos ver que ainda falta muito para alcançarmos aquele ideal traçado na Declaração Universal dos Direitos Humanos: "Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos". Mas isso não pode nos deixar pessimistas, temos que acreditar que é possível transformar; ao contrário, deve nos servir de inspiração para que continuemos lutando porque um dia, com certeza, chegaremos lá.

    Na luta em prol dos direitos humanos, a nossa trincheira é a trincheira da paz, da fraternidade, da democracia, da tolerância, da justiça, do amor, da liberdade, da cooperação e do diálogo.

    Que possamos, enfim, Presidente, ter a coragem de avançar coletivamente na construção desse ideal, eliminando os privilégios, a ostentação e a hipocrisia e trabalhando em prol de um mundo mais fraterno, uno e solidário.

    Vida longa à humanidade.

    Presidente João Alberto Souza, só posso dizer muito, muito obrigado a V. Exa. Era muito importante para mim fazer esse pronunciamento, e V. Exa. teve essa sensibilidade.

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Obrigado, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/12/2018 - Página 22