Discurso durante a 154ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à privatização da distribuidora de energia elétrica Amazonas Energia.

Comentários sobre a investigação sobre o auxiliar do gabinete do ex-deputado estadual Flavio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, que teve movimentações bancárias atípicas, conforme levantamento do Coaf.

Autor
Vanessa Grazziotin (PCdoB - Partido Comunista do Brasil/AM)
Nome completo: Vanessa Grazziotin
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MINAS E ENERGIA:
  • Críticas à privatização da distribuidora de energia elétrica Amazonas Energia.
ATIVIDADE POLITICA:
  • Comentários sobre a investigação sobre o auxiliar do gabinete do ex-deputado estadual Flavio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, que teve movimentações bancárias atípicas, conforme levantamento do Coaf.
Publicação
Publicação no DSF de 12/12/2018 - Página 32
Assuntos
Outros > MINAS E ENERGIA
Outros > ATIVIDADE POLITICA
Indexação
  • CRITICA, PRIVATIZAÇÃO, AMAZONAS DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S/A (AME), COMENTARIO, SITUAÇÃO, DEFICIT, EMPRESA.
  • CRITICA, AUXILIAR, GABINETE, FILHO, JAIR BOLSONARO, DEPUTADO ESTADUAL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), OBJETO, INVESTIGAÇÃO, MOTIVO, MOVIMENTAÇÃO, CONTA BANCARIA, INCOMPATIBILIDADE, RENDIMENTO.

    A SRA. VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PCdoB - AM. Para discursar.) – Sr. Presidente, Srs. Senadores, Sras. Senadoras, eu lamentavelmente venho à tribuna hoje para falar de mais um assunto que tem me trazido com frequência para aqui, este mesmo lugar, assunto que, aliás, V. Exa. tem acompanhado porque V. Exa. dirigiu a maior parte das sessões em que eu subi à tribuna e falei sobre a privatização do setor elétrico brasileiro, particularmente, sobre a privatização das empresas distribuidoras de energia elétrica e, entre elas, a empresa de distribuição de energia e geração também do meu querido Estado do Amazonas.

    Lamentavelmente, apesar de uma decisão judicial contrária, no dia de ontem a Eletrobras realizou o leilão da Amazonas Energia e, Sr. Presidente, dessa forma privatizou a Amazonas Energia.

    E eu digo isso lamentando, Sr. Presidente, lamentando profundamente, porque, primeiro, nem a Eletrobras nem o Ministério de Minas e Energia têm claro qual são realmente o volume e o tamanho da dívida da Amazonas Energia. Trata-se de uma dívida que vem de muito tempo, mas que cresceu significativamente neste último ano. E cresceu significativamente, Sr. Presidente, porque houve mudança de regulação do setor promovida pela Agência Nacional de Energia Elétrica, que praticamente inviabilizou o funcionamento da Amazonas Energia.

    Alguns dizem que a dívida da Amazonas Energia chega a R$22 bilhões. É isto mesmo: R$22 bilhões. Outros dizem que não, que chega a R$20 bilhões. Mas, na realidade, o que se sabe, Sr. Presidente, é que a Amazonas Energia tem uma dívida monstruosa. E o Governo Federal tentou sanear a empresa antes da sua privatização, primeiro através de uma medida provisória que foi rejeitada pelo Congresso Nacional. O Congresso Nacional não permitiu que tal medida provisória fosse votada. Segundo, o Governo Federal editou um projeto de lei e o fez tramitar no Parlamento em regime de urgência. Pois bem, o Congresso Nacional, o Senado em especial, rejeitou o projeto de lei que tramitava em regime de urgência.

    Sabem por quê? Primeiro, a maioria dos Senadores e Senadoras, como nós, foi convencida de que a Amazonas Energia não tem condições de ser privatizada, porque como se vai privatizar uma empresa deficitária, uma empresa que gasta mais recursos para gerar e distribuir a energia elétrica do que ela ganha com a distribuição e geração? Como? Só há uma fórmula: privatiza-se, garantindo a ela, empresa privada, o subsídio público.

    Não dá, Sr. Presidente, para o setor público subsidiar empresa privada, porque subsidiar empresas privadas significa, primeiro, subsidiar algo que estará sendo gerido por uma empresa privada que não é pública. Segundo, estará subsidiando não apenas o serviço: estará subsidiando o lucro, obviamente, porque nenhuma empresa privada atua no mercado, seja em que ramo for, sem que tenha lucro.

    E para as pessoas que nos escutam entenderem melhor qual é a realidade da Amazonas Energia: a Amazonas Energia não é só uma empresa de distribuição de energia, não. Ela é uma empresa que distribui energia em todo o Estado do Amazonas, mas é também a responsável pela geração de energia elétrica nos Municípios do interior, com exceção de Manaus. Nos Municípios do interior.

    Grande parte ou quase a totalidade – daqui um tempo Coari sairá desse rol – dos Municípios do interior do Amazonas tem a sua energia gerada a partir do óleo diesel. Então, são sistemas de geração de energia isolados, que custam caro. E, lá, o sistema custa caro não só pelo que gasta de óleo diesel, mas também para gerar efetivamente a energia – pelo que gasta para levar o óleo diesel até aquele determinado Município. Existem alguns Municípios em que o gasto para levar combustível para o interior da embarcação é quase o mesmo do volume que a embarcação está movimentando, está transportando.

    Vejam, essa empresa é que foi privatizada no dia de ontem, Sr. Presidente, e apareceu um único comprador. Aliás, as torcidas juntas do Corinthians e do Flamengo já sabiam que era esta empresa, a empresa Oliveira, em consórcio com uma outra empresa regional chamada Atem, que arremataria a Amazonas Energia. Isso porque essa empresa, em grande parte, já gera, por contrato, energia em vários Municípios do interior. Essa empresa também foi a que venceu o certame no Estado de Roraima, a mesma que venceu no Estado de Roraima. Agora veja: não houve concorrência, não houve interessados, apenas essa empresa, o consórcio Oliveira-Atem é que participou e, portanto, venceu o leilão. Por conta disso, Sr. Presidente, o consórcio venceu o leilão com o lance mínimo – mínimo –, ou seja, não ofereceu nenhum desconto na tarifa do consumidor e deverá pagar à Eletrobras um valor simbólico de R$50 mil – exatamente, R$50 mil!

    E mais embaixo, a matéria diz o seguinte – que nós repetimos porque isso foi o que nos disseram em todas as audiências públicas, em todos os debates de que participamos –: "Não, esses R$50 mil são somente um valor simbólico, porque, na realidade, a empresa terá que aportar uma quantia em torno de R$491 milhões imediatamente para melhorar a infraestrutura, sem falar que nos próximos anos ela deverá investir na expansão do setor mais de R$2 bilhões". Eu pergunto: onde é que está esse compromisso escrito? Em lugar nenhum, em lugar nenhum. E a pergunta número dois: qual empresa privada vai investir na expansão de um segmento em que ela não tem retorno? Qual? Não vai.

    Então, quando dizíamos – e nós temos a plena convicção do que dizíamos – que isto era um crime... Privatizar a Amazonas Energia significa promover um crime contra a economia popular e contra o Estado do Amazonas. O Programa Luz para Todos corre risco, Sr. Presidente; corre risco porque o Luz para Todos não se refere apenas a levar a infraestrutura, a levar a linha com energia: é a manutenção de toda a infraestrutura que foi colocada; é o abastecimento de energia que cada uma das comunidades tem que ter.

    Então, nós que somos da Amazônia, V. Exa. também, Senador João Alberto – que, aliás, já governou o Estado do Maranhão –, sabemos das dificuldades que enfrentam Estados que são pobres e que estão localizados em regiões tão longínquas do nosso País; sabemos quanto os nossos Estados ainda precisam da mão pública.

    Aí dizem o seguinte: "Mas a empresa era ineficiente". Quer dizer que, num passe de mágica, ela vai se tornar eficiente? É claro que não. Eu até acho que poderia ser modernizada a administração da Amazonas Energia, mas em grande parte ela é deficitária porque o custo de geração, de distribuição é superior ao custo cobrado, inclusive superior à parcela recebida após o subsídio pago pelo Governo Federal.

    Mas o que é que estão fazendo? Privatizaram. Privatizaram no dia de ontem baseado numa nova medida provisória editada pelo Governo e que deverá ser analisada pelo Congresso que tomará posse no próximo dia primeiro de setembro; ou seja, editaram uma nova medida provisória para poder privatizar essa empresa. Por que fazer isso com tanta pressa? Por que não aguardar a posse do Governo seguinte? E sabe o que determina a medida provisória? A mesma coisa que determinava o projeto de lei que foi rejeitado e a medida provisória anterior: ela repassa o valor da dívida não só aos usuários, aos consumidores de energia elétrica do nosso Estado, mas do País também. Ela repassa para os cofres da União essa dívida e vende uma empresa saneada por um valor simbólico de R$50 mil ao setor privado.

    Então, Sr. Presidente, não apenas lamento, mas eu quero dizer que nós continuaremos, os trabalhadores continuarão lutando para reverter essa barbaridade – para reverter essa barbaridade.

    Eu posso dar inúmeros exemplos. Vamos pegar outros exemplos muito mais simples: vários trechos de rodovias do nosso País foram privatizados, e, nessas privatizações, nessas concessões, contratos foram assinados em que obrigações eram postas. Pois bem, muitas das concessionárias não cumpriram as obrigações. Muitas. E o que faz o Governo? Envia medida provisória, projeto de lei para perdoar o não cumprimento dessas obrigações. E, olha, eu aqui me refiro a um exemplo que diz respeito a trechos de rodovias que são rentáveis; todavia, em relação à Amazonas Energia, repito, ela é uma empresa deficitária, uma empresa problemática, e por isso é necessário que seja pública, para que o nosso Estado possa ter a garantia não apenas da distribuição, do acesso à energia elétrica, mas de políticas como políticas de universalização.

    Lamento, Sr. Presidente, mas, enfim, V. Exa. está sendo bondoso comigo até por conta da nossa situação. Se me permite, então, Senador João Alberto, para concluir minha participação nesta tribuna, eu quero me referir ao caso que tem sido a principal matéria divulgada pela imprensa nestes últimos dias. Eu me refiro ao fato de que o ex-auxiliar do Deputado Federal filho do Presidente eleito, Flávio Bolsonaro, ter sido pego pelo Coaf, através de uma investigação que não envolvia o atual Deputado Estadual Flávio Bolsonaro, mas o nome desse seu ex-auxiliar Fabrício Queiroz, um policial militar que teve sua conta separada para investigação em decorrência das movimentações atípicas, um policial militar que movimentou durante um ano – praticamente de janeiro de 2016 a janeiro de 2017 – em torno de R$1,2 milhão; segundo o Coaf, uma movimentação incompatível com os seus recebimentos. E, posteriormente, se descobriu também, Sr. Presidente, que as duas filhas desse policial militar, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, assim como a sua esposa eram contratadas no gabinete do Deputado Estadual. Aliás, uma das filhas... A sua esposa Márcia e as suas filhas Nathalia e Evelyn também eram contratadas pelo gabinete, sendo que Nathalia teria sido exonerada, no dia 15 do mês de outubro, do gabinete do Deputado Estadual e contratada no gabinete do próprio Jair Bolsonaro, Presidente eleito do nosso País.

    E, Sr. Presidente, no meio desse episódio todo, eu quero dizer o que diz de forma muito clara o editorial do jornal O Estado de S. Paulo. Portanto, não pode haver nada mais isento do que o editorial do jornal O Estado de S. Paulo, que, aliás, dizem que sempre, com muita força, apoiou a candidatura do próprio Bolsonaro. O editorial é muito claro: o editorial mostra a necessidade da investigação dessa denúncia grave, que envolve não apenas um Deputado Estadual filho do Presidente eleito, mas envolve o próprio Presidente eleito, porque, entre os saques, R$24 mil foram parar na conta de Michelle Bolsonaro, esposa de Jair Bolsonaro, que disse, justificou à opinião pública que aquilo se referia a um empréstimo, ao pagamento de um empréstimo.

    Pois bem, o que diz o editorial? Que tudo tem que ficar explicado, absolutamente tudo; e que é um equívoco não apenas do Presidente eleito, mas de toda sua assessoria, como, por exemplo, Onyx Lorenzoni. Eu tive a oportunidade de assistir ao vivo, pela Globo News, à entrevista que ele concedia, em que, quando perguntado sobre o fato, ficou extremamente nervoso, voltou atrás, dizendo que fossem investigar o petrolão, o mensalão; questionou por que o Coaf não estava no mensalão, no petrolão, e que aquilo era um absurdo, que estavam querendo criar um terceiro turno, que estavam perseguindo o Presidente eleito. Ora, ora, ele deveria ser o primeiro a dar uma explicação lógica como coordenador da equipe de transição, uma explicação rápida, lógica, convincente e real, para que, sim, as especulações cessem, para que as especulações parem. É o próprio editorial do Estado de S. Paulo de hoje que diz o seguinte: "A governabilidade exige clareza de informações e não comporta explicações pela metade, muito menos por parte de quem se elegeu proclamando a alvorada da honestidade na política". E, Sr. Presidente, segue o edital dizendo que o Presidente eleito deve explicações consistentes à Nação e ao povo brasileiro.

    E é exatamente isto: não se pode iniciar um mandato com tantas dúvidas, porque isso aqui é muito grave. Eu não estou aqui condenando absolutamente ninguém, porque talvez eles possam ter até provas, apesar de haver especulações de que a conta desse policial Fabrício Queiroz seria uma conta de passagem, ou seja, uma conta de repasse de contribuições de assessores, que depois iriam certamente para o Deputado. Mas isso é uma especulação; jamais eu poderia subir à tribuna e dizer que eles são corruptos ou condená-los. Pelo contrário, o que devemos e podemos e, aliás, devemos fazer é exigir esclarecimentos e exigir investigação.

    Aliás, sobre isso, o futuro Ministro da Justiça, ex-Juiz Federal, Sergio Moro disse, quando questionado sobre o fato, que era inoportuno ele falar. Veja, inoportuno. Ele agora é gente da política; ele não é mais gente da magistratura. Ele é gente da política e diz que esse caso é inoportuno para ele comentar? Quer dizer que oportuno, Sr. Presidente – oportuno – era um juiz federal divulgar uma gravação de uma Presidente da República com um ex-Presidente, uma gravação ilegal? Então, aquilo era oportuno, e agora não. Quando apertado, o que disse Sergio Moro, o futuro Ministro da Justiça? Disse: "Não, o Presidente já deu suas explicações. Os outros têm que dar as suas explicações".

    Não, do que nós precisamos são de provas consistentes, como diz o próprio jornal O Estado de S. Paulo, porque não pode... Creio que é o próprio Presidente eleito que não vai querer iniciar um mandato com tamanha mácula, com tamanha dúvida, com tamanha interrogação.

    Então, repito e quero pedir, Sr. Presidente, que V. Exa. insira nos Anais da Casa, dentro do meu pronunciamento, todo o editorial publicado no jornal O Estado de S. Paulo, do dia de hoje, porque eu concordo em gênero, número e grau. Ninguém pode condenar, a priori, ninguém, mas o que nós devemos ter – e do que nós precisamos – é uma explicação concreta, uma explicação que esteja lastreada em provas e que mostre a inocência não só de Flávio Bolsonaro, Deputado Estadual, futuro Senador da República, Senador eleito que foi pelo Estado do Rio de Janeiro, mas também do próprio Presidente da República eleito, Jair Bolsonaro.

    Obrigada, Presidente.

DOCUMENTO ENCAMINHADO PELA SRA. SENADORA VANESSA GRAZZIOTIN.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

    Matéria referida:

     – Editorial de O Estado de S. Paulo: "A façanha de errar de véspera".


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/12/2018 - Página 32