Discurso durante a 156ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Defesa da manutenção do Programa Mais Médicos.

Autor
Vanessa Grazziotin (PCdoB - Partido Comunista do Brasil/AM)
Nome completo: Vanessa Grazziotin
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE:
  • Defesa da manutenção do Programa Mais Médicos.
Aparteantes
Humberto Costa, Lasier Martins, Paulo Rocha.
Publicação
Publicação no DSF de 14/12/2018 - Página 18
Assunto
Outros > SAUDE
Indexação
  • COMENTARIO, RETIRADA, MEDICO, ORIGEM, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, PARTICIPAÇÃO, PROGRAMA MAIS MEDICOS, CRITICA, JAIR BOLSONARO, CANDIDATO ELEITO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

    A SRA. VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PCdoB - AM. Para discursar.) – Muito obrigada, Sr. Presidente.

    Agradeço a V. Exa. e ao Senador Paim, que aqui se encontra, pela permuta, Senador Paim.

    Mas, Sr. Presidente, há quase um mês, praticamente um mês, o País foi surpreendido, a população brasileira, em especial aquela que vive nas regiões mais distantes e isoladas do nosso País, com uma decisão do Governo de Cuba, que partiu em decorrência de uma análise de posicionamentos adotados pelo futuro Governo, uma decisão de retirar todos os médicos cubanos que em nosso País atuavam graças a um convênio entre a Organização Pan-americana de Saúde (Opas) e o Ministério da Saúde, trabalhadores, profissionais, homens e mulheres, médicos que faziam parte do Programa Mais Médicos.

    De lá para cá, ao que nós temos assistido, Sr. Presidente, são matérias jornalísticas, matérias da imprensa, dando conta de que, apesar da saída dos médicos e das médicas cubanas, o Brasil não vive nenhum problema, porque todos esses profissionais, Senador Humberto, e essas profissionais estariam sendo substituídos por profissionais brasileiros.

    Isso, Sr. Presidente, não é verdade. Eu não quero dizer aqui, nem afirmar dessa tribuna, mesmo porque o tempo não nos permite que assim o façamos, porque os editais ainda estão em vigor, as chamadas ainda estão acontecendo, mas, se nós não temos o direito de dizer que as inscrições dos médicos brasileiros para substituir os cubanos é um fracasso, não há, ou não haveria, a mínima possibilidade de a imprensa estar noticiando o que vem noticiando, dizendo que está tudo bem e que os cubanos e as cubanas estão sendo substituídos pelos brasileiros. Isso não é verdade, e eu posso, Senador Paim, dar os dados reais e concretos, porque no meu Estado do Amazonas, que é um dos Estados com maior problema de substituição, esse assunto tem sido matéria de destaque todos os dias, porque os problemas estão acontecendo em cadeia. A cada dia que passa, com a ausência dos médicos, os problemas se avolumam.

    E vejam, a imprensa noticia como se dos aproximadamente 8 mil – 8.278 para ser específica, para ser mais precisa –, que desses médicos, 97% desses que deixaram o País, já estariam sendo substituídos. Repito, isso não é verdade.

    Sr. Presidente, no meu Estado do Amazonas, para que todos tenham ideia, das mais de 320 vagas deixadas pelos médicos cubanos, que foram expulsos, literalmente expulsos do Brasil, só se inscreveram para preencher essas vagas 228 profissionais. E desses, apenas 22 profissionais haviam se apresentado até o momento.

    Olha só, a situação dos distritos sanitários indígenas, os DSEIs, é mais grave, porque desses distritos, a não ser o Distrito Sanitário Indígena de Manaus, onde houve inscrição, e alguns poucos médicos se apresentaram, nos demais DSEIs, sequer inscrição houve. Nenhum profissional manifestou interesse em lá trabalhar. E essas comunidades indígenas, essas comunidades isoladas estão desamparadas, estão desassistidas.

    O tamanho do prejuízo não é só financeiro e econômico; é um prejuízo à saúde, porque qualquer prejuízo econômico pode ser revertido; prejuízo à saúde da população, não. Nós estamos, Sr. Presidente, correndo o risco de levar o Brasil de volta à realidade anterior, de 2013, quando um número significativo de Municípios não contavam com a presença de um profissional médico sequer.

    Não sei se o Senador Humberto Costa me solicita aparte para falar sobre o assunto. Senador, concedo aparte a V. Exa.

    O Sr. Humberto Costa (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Com certeza, Senadora Vanessa Grazziotin, o pronunciamento de V. Exa. é muito pertinente, inclusive para estabelecer a verdade, não é? Essa é mais uma das fake news do futuro Governo, do futuro Presidente da República, a de que nós teríamos aí substituído os médicos cubanos.

    Na verdade, houve um grande número de inscrições que não se transformaram em apresentações. E o mais grave é que muitos dos que se inscreveram e estão se apresentando já são médicos do SUS, já compõem equipes de saúde da família e agora estão fazendo a opção para ir para outros lugares.

    Então, na verdade a forma irresponsável como isso está sendo feito está proporcionando um processo de desorganização onde já havia uma atuação dos profissionais. Então o que está acontecendo e que vai se agravar é exatamente isto: a desassistência.

    No Brasil, lugares como aldeias indígenas, como quilombos, regiões de quilombolas, como assentamentos de reforma agrária, periferias de grandes cidades, onde os profissionais brasileiros não vão e que certamente muitas vezes nunca viram um médico – só viram agora com o programa Mais Médicos – vão estar completamente desassistidos.

    Então, o pronunciamento de V. Exa. é extremamente pertinente, é uma denúncia grave, que nós vamos, sem dúvida, trabalhar e denunciar, até as últimas consequências.

    A SRA. VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PCdoB - AM) – Eu incorporo, Senador Humberto Costa, o seu aparte ao meu pronunciamento, e V. Exa. levanta um aspecto que eu levantaria ainda.

    Isso sem falar que os que se apresentaram – não apenas os inscritos, mas aqueles que se apresentaram – não representam... Longe de serem os 50%, muito menos os 97%, como a imprensa vem noticiando.

    Desses que já se apresentaram, como V. Exa. diz, grande parte sai do próprio Sistema Único de Saúde, do sistema público, desarranjando todo o sistema e a assistência, saindo geralmente dos Municípios, ou das periferias dos Municípios mais distantes, ou das periferias das cidades, para se apresentarem em outras unidades, para compor outras equipes do Programa Médico de Família. Isso é muito grave!

    Agora, da mesma forma como nós não podemos ser irresponsáveis de ocupar a tribuna no dia de hoje e decretar a falência do programa, não pode a imprensa também decretar que está 100% positivo, enganar a população brasileira.

    Eu quero mais respeito à gente que vive lá nas regiões mais distantes...

    O Sr. Lasier Martins (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - RS) – A Senadora me permite um aparte?

    A SRA. VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PCdoB - AM) – ... do meu Estado, por exemplo. Seis distritos sanitários indígenas perderam os médicos, e nenhum médico se apresentou até o momento. Então, está errada essa forma de agir.

    Esse governo que vai entrar tem que entender que – ele, que sempre criticou que era a ideologia que balanceava ou determinava as ações públicas – ele é que está fazendo isso. É a sua ideologia atrasada, reacionária, é a sua ideologia que começa a ditar a política no Brasil. Isso é um crime, além de tudo, contra os direitos humanos das pessoas.

    O Sr. Lasier Martins (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - RS) – V. Exa. me permite um aparte?

    A SRA. VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PCdoB - AM) – Pois não, Senador. Concedo o aparte a V. Exa.

    O Sr. Lasier Martins (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - RS) – Agradeço a sua cortesia.

    Senadora Vanessa, não se descarta a procedência da sua informação de que, em algumas regiões do Amazonas, ainda não haja médicos, mas digo uma palavra sobre o assunto porque, anteontem, eu fui à tribuna, para fazer um discurso sobre o levantamento feito pelo Rio Grande do Sul, tanto por um conceituado médico pneumologista, que é um dos dois únicos da Academia Brasileira de Medicina, como também por uma nota do Sindicato dos Médicos do Rio Grande do Sul, publicado na imprensa na semana passada...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Lasier Martins (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - RS) – ... dizendo que, dos 9 mil médicos gaúchos inscritos, apenas mil foram aproveitados. Por que outros não foram aproveitados? Porque houve preferência para os cubanos.

    Por outro lado, uma das razões dessa debandada se deu em razão da exigência do famoso processo Revalida, onde foi mostrado pelo médico aqui referido, Dr. José Camargo, de que não se tratava de médicos; eram técnicos em Medicina. Então, o Revalida iria apurar quem é médico e quem não é médico.

    Por outro, sempre se constituiu num acinte o escravismo a que foram submetidos os médicos cubanos, que recebiam um terço dos honorários a que tinham direito, sem poder trazer a família, sendo que dois terços dessa verba iam para a ditadura cubana.

    Por esses fatos, parece-me louvável a iniciativa de mudar o sistema. E, hoje, a imprensa está dizendo, aqui pelo G1...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Lasier Martins (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - RS) – ... que 55% dos inscritos no Mais Médicos já se apresentaram, diz o Ministério. Então, muito rapidamente, aquelas vagas deixadas estão sendo supridas.

    Então, V. Exa. conta uma verdade, com todo o respeito, e eu trago uma outra verdade, baseada nesses fatores.

    A SRA. VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PCdoB - AM) – Eu agradeço, Senador.

    O Sr. Lasier Martins (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - RS) – Obrigado.

    A SRA. VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PCdoB - AM) – Eu agradeço o aparte. Infelizmente, não o incorporo ao meu pronunciamento, mas V. Exa. tem todo o direito de apresentar o contraditório. Não incorporo porque duas verdades não existem. Não pode haver duas verdades contraditórias. Ou é verdade, ou não é verdade. E eu fico não com os dados que a imprensa diz.

    Veja bem a minha responsabilidade: eu não estou aqui, neste momento, dizendo que há um fracasso em relação à chamada dos médicos brasileiros não, porque ainda é muito prematuro. Mas, por outro lado, ninguém tem o direito de dizer que é um sucesso, porque isso é fake news, como diz o Senador Humberto Costa.

    Não é verdade que mais de 90% das vagas...

(Soa a campainha.)

    A SRA. VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PCdoB - AM) – ... estão sendo preenchidas. Isso não é. Nem no seu Estado do Rio Grande do Sul, nem no meu.

    E também não é verdade, Senador, que o programa, que existe por uma lei aprovada por nós, no Congresso Nacional... Não é verdade que médicos brasileiros foram preteridos pelos cubanos. Não! As chamadas eram para os brasileiros primeiro. Segunda chamada, para brasileiros. Terceira chamada, para brasileiros. Não se apresentando, aí é que vieram os cubanos. Aí é que vieram os cubanos. Então, não é verdade que foram preteridos os gaúchos pelos médicos cubanos. Isso é uma inverdade!

    O Sr. Paulo Rocha (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) – Senadora...

    A SRA. VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PCdoB - AM) – Eu já concedo o aparte a V. Exa.

    Segundo, volto a repetir: vamos aguardar. Vamos aguardar. Não vamos dizer que está tudo bem não, porque não adianta querer tapar o sol com a peneira, porque a verdade pode tardar, mas ela vem à tona. Ela virá. E eu estou aqui fazendo este pronunciamento, primeiro, para agradecer aos cubanos. O meu Estado é grato e reconhecido...

(Interrupção do som.)

    A SRA. VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PCdoB - AM) – ... pelos serviços que os cubanos apresentaram. Dizer que eles estão semiescravizados? O que é isso? Se fossem, 90%, ou quem sabe a totalidade, ficariam no Brasil, não teriam voltado a Cuba. E por que voltaram a Cuba?

    É um desrespeito dizer que eles não são médicos. Eles são médicos! Aliás, o sistema de saúde de Cuba é o melhor! Não um dos melhores: é o melhor do mundo! E reconhecido pela Organização Mundial de Saúde. É um desrespeito a Cuba dizer que eles não são médicos.

    Eu fiz o desafio no passado: façam o Revalida, nos moldes como era feito, para os médicos brasileiros. Noventa e nove por cento não passariam. O Revalida não é para testar capacidade não. É para manter uma reserva de mercado, lamentavelmente. Foi assim que sempre aconteceu.

    Senador, se o Presidente permitir, antes de encerrar, eu concedo, Senador Paulo, o aparte a V. Exa.

    O Sr. Paulo Rocha (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) – Só uma informação: lá no meu Estado, no nosso Estado, onde as distâncias são grandes...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Paulo Rocha (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) – ... por exemplo, a Ilha do Marajó, para onde se vai só de avião ou de barco, nenhum médico brasileiro, por mais preparado que seja, topa ir para os nossos interiores, para ficar lá cinco dias trabalhando. Nenhum. Os nossos prefeitos oferecem salários de R$30 mil a R$40 mil, e, quando vai um, fica lá apenas dois dias e depois volta. E ainda exige que seja pago o aviãozinho de ida e de volta.

    E agora, recentemente, domingo, estive numa cidade perto de Belém, a 140km, chamada Marapanim. O Prefeito, que não é do PT, mas do PMDB, reclamou para mim exatamente sobre essa questão dos médicos. Ele tinha oito médicos cubanos. Todos saíram, foram embora, e, desses que se inscreveram, de que se está falando aqui...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Paulo Rocha (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) – ... três se inscreveram para ir para lá. Aí, apresentaram-se os três. Só um ficou e quer trabalhar só dois dias, a 140km de Belém, que pode ir, ida e volta... Esta é a pura realidade e verdade do que está acontecendo no nosso País.

    A SRA. VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PCdoB - AM) – Senador Paulo, agradeço o aparte de V. Exa.

    E, Senador Valadares, eu pediria um minuto apenas, somente um minuto, para concluir esta minha participação na tribuna, porque penso que algo tem que ser dito.

    Aqui nós estamos fazendo uma crítica não a uma decisão adotada a partir do Governo de Michel Temer. Todos sabem as críticas que nós temos em relação ao Governo de Michel Temer, mas não posso, neste momento, deixar de reconhecer que mesmo o Governo Michel Temer foi extremamente respeitoso com o contrato entre a Opas e o Brasil, para a atuação dos médicos cubanos, e atuou sempre no sentido de...

(Soa a campainha.)

    A SRA. VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PCdoB - AM) – ... ampliar o governo. Esse problema nós estamos vivendo antecipadamente por conta de uma decisão de Jair Bolsonaro, que deverá assumir a Presidência da República somente a partir do dia 1º de janeiro. Então, que fique claro: o Governo Michel Temer sempre apoiou e ajudou a ampliar o Programa Mais Médicos no Brasil. Aí, lamentavelmente, vem este Presidente eleito e coloca a ideologia acima das necessidades do povo brasileiro. Isso é lamentável. É lamentável, mas a população está assistindo ao que está acontecendo, e eu não tenho dúvida nenhuma de que trabalhará, no sentido de se organizar e não permitir que atitudes não só destemperadas, mas irresponsáveis, como essa, de Jair Bolsonaro, futuro Presidente do Brasil, possam prejudicar toda uma Nação e todo um povo.

    Muito obrigada, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/12/2018 - Página 18