Discurso durante a 156ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a atuação de S. Exª na defesa dos direitos humanos.

Autor
Regina Sousa (PT - Partido dos Trabalhadores/PI)
Nome completo: Maria Regina Sousa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Considerações sobre a atuação de S. Exª na defesa dos direitos humanos.
Publicação
Publicação no DSF de 14/12/2018 - Página 81
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, ORADOR, PERIODO, EXERCICIO, MANDATO, SENADOR, ENFASE, DEFESA, DIREITOS HUMANOS, MINORIA, POBREZA, COMBATE, DESEMPREGO.

    A SRA. REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI. Para discursar.) – Sr. Presidente, Srs. Senadores, Sras. Senadoras, telespectadores da TV Senado, ouvintes da rádio Senado, eu quero iniciar comunicando que eu estava realizando uma audiência pública sobre o papel das redes sociais nas eleições e na vida das pessoas, nos direitos humanos. Foram convidadas três redes sociais principais: Twitter, Facebook e WhatsApp. Combinamos com elas os horários, os dias mais convenientes, mas, nesta semana, as três desistiram – acho que foi combinado. Mesmo assim, a audiência aconteceu com convidados importantes: o advogado Pedro Hartung, do programa Prioridade Absoluta; Aderbal Botelho Leite, empresário do setor de tecnologia e educação; Diogo Rais, Professor de Direito Eleitoral da Universidade Mackenzie, da Fundação Getúlio Vargas; Bia Barbosa, Coordenadora Executiva do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social; Paulo Rená da Silva Santarém, representante do Instituto Beta Internet e Democracia; e Thiago Tavares, representante da SaferNet Brasil. Foi uma audiência muito importante, que esclareceu muito e que me deixou assustada com o que pode acontecer na rede social. Eu até brinquei e disse: "Quando a gente diz 'minha vida em tuas mãos', a gente está colocando a vida nas mãos de Deus, nas mãos de Jesus, mas também, agora, está colocando a vida nas mãos do Facebook". Pode-se fazer tudo com a vida da gente. Então, é importante outros debates desses acontecerem e serem levados a outros espaços, às escolas, principalmente. As crianças estão muito envolvidas com a rede social, e é preciso que sejam esclarecidas dos riscos.

    Mas quero falar aqui hoje, Sr. Presidente, que, nesta semana, na segunda-feira, completou 70 anos a Declaração Universal dos Direitos Humanos. As bombas de Hiroshima e Nagasaki ainda ecoam nos ouvidos, e, na segunda-feira, a gente também amanheceu com muitas coisas ruins: massacres na Paraíba, sem-terra mortos na Paraíba, incêndios criminosos em Curitiba, pessoas em ocupações sendo maltratadas. Então, muita coisa ruim está acontecendo.

    E também, hoje, 50 anos do AI-5. Nos meus 18 anos, naquela época, eu achava que meus sonhos estavam destruídos, mas a resistência me fez ver que era possível sonhar de novo, e nós resistimos e estamos aqui. É bom sempre lembrar, para que nunca mais aconteça, mas tenho dúvida também se nunca mais acontecerá, porque o DNA do AI-5 vai governar este País. No Governo Bolsonaro, há mais militares do que em todos os governos militares, que os colocaram em seus governos. Nos governos militares havia menos militares do que no Governo Bolsonaro. Então, é o DNA do AI-5 que vai governar este País.

    Mas eu queria lembrar a Declaração Universal dos Direitos Humanos para perguntar: que direitos se, no mundo, 800 milhões de pessoas passam fome? Fizemos uma audiência pública muito importante na segunda-feira, pela manhã e à tarde por haver tantas pessoas importantes. Todos os vieses dos direitos humanos foram abordados, até para desfazer a construção tacanha que as pessoas têm de direitos humanos ao dizerem que direitos humanos defendem bandido, que direitos humanos são para humanos direitos. Não! Direitos humanos são para as pessoas. Trata-se do direito das pessoas de morar, de viver, de comer, de ter energia elétrica nas suas casas, de ter escola, de ter saúde, de escolher o que quer ser. Mas parece que muita gente não leu a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tão pequenininha, com 30 artigos. Os países todos são signatários – quem não estava na época da declaração, há 70 anos, ratificou.

    Mas acho que os governantes não leem a Declaração dos Direitos Humanos. Acho que o melhor programa de Governo que podia se ter quem vai governar seria a Declaração Universal dos Direitos Humanos. E a gente diz isso porque se depara com uma manchete desta: "Brasil já tem mais de 5 milhões de crianças na extrema pobreza". Então, para os Governantes que estão começando – e eu me incluo aqui, porque vou ser Vice-Governadora –, acho que o programa de Governo maior tem que ser isso aqui. Isso aqui tem que se sobrepor às pontes, aos asfaltos, aos calçamentos. Isso aqui tem que ser reduzido, zerado nesses quatro anos, porque é impossível que a gente deixe as crianças passando fome no Brasil e no mundo também. Então, é muito importante que a gente dê atenção a isso; que as pessoas leiam a Declaração dos Direitos Humanos.

    Mas quando as pessoas não leem... Eu fiz um constrangimento um dia desses numa solenidade: pedi para levantar a mão quem tinha lido a Declaração dos Direitos Humanos, e pouca gente levantou a mão; foram sinceros, mas foi um constrangimento – era uma solenidade.

    E a gente diz assim: direitos humanos, quem se importa? Quem se importa com o trabalho escravo no Brasil? O Presidente está dizendo aí que tem que haver uma nova forma de trabalho por fora da CLT: é o trabalho escravo, já há, não precisa estudar. Já há 206 empresas que foram autuadas – as que foram fiscalizadas, e as que não foram? – por trabalho escravo. Quem se importa com os assassinatos de defensores de direitos humanos? Marielle está aí, nove meses, ninguém sabe quem matou, ou quem mandou matar. Até parece que está havendo uma operação hoje mais para dar uma satisfação para a sociedade, mas interessa muito saber quem mandou matar Marielle, porque ela era uma defensora dos direitos humanos, e todos os defensores de direitos humanos correm riscos.

    Quem se importa com a população de rua, população em situação de rua? Nem o IBGE. O IBGE já mandou dizer que não vai contar porque não tem elementos, não tem instrumentos e ele não tem o endereço. Existe endereço, sim: o endereço deles é a rua.

    E aqui eu quero mandar o meu abraço para o Padre Júlio Lancellotti, que é quem se importa bem com essa população; para as pastorais da Igreja Católica principalmente, que também se importam muito; para o Padre João Paulo lá no Piauí. Então, é uma população invisível, porque não existe nem no IBGE.

    Quem se importa com o estupro de nossas meninas e nossos meninos? Cinquenta por cento dos estupros são em pessoas abaixo de 14 anos. Quem se importa com o feminicídio? O Brasil é o quinto lugar do mundo em feminicídio. Quem se importa com a matança da nossa juventude, principalmente a juventude negra? Setenta e sete por cento da juventude que é assassinada, seja pelo crime, seja por policiais, são negros. Quem se importa com aquelas Mães de Maio que reclamam o corpo dos seus filhos negros assassinados, aquelas que estão lá na Praça da Sé? Quem se importa com a população LGBT morta por causa de sua orientação sexual, exterminada – um verdadeiro extermínio?

    Com os povos indígenas, quem se importa? Trezentos e um médicos cubanos saíram de lá e eles estão sem médico, não chegou ninguém lá, ao contrário do que dizem. As pessoas se inscreveram, mas não foram, porque eles já são funcionários de outros programas; porque não podem deixar suas clínicas, seus consultórios; elas querem negociar com os Prefeitos e ir uma vez por mês, uma vez por semana, ou, no máximo, duas vezes, para poder trabalhar no outro programa também. Então, não é verdade que as vagas têm sido preenchidas. Inscreveram-se, mas não foram.

    Quem se importa com os povos indígenas ainda se a Funai vai para o Ministério da Família? – o Ministério da Doutrinação, a que eu estou chamando. A própria Ministra já disse que quer permissão para converter os índios. Com que direito? Os índios querem suas terras demarcadas. Mas hoje há uma frase antológica do novo Presidente, o Presidente eleito, dizendo que: "Não quer índio atrapalhando o desenvolvimento do País".

    Quem se importa com os sem-teto, com os sem-terra, que lutam pela terra para plantar e produzir? São taxados de vagabundos, o MST é taxado de vagabundo, quando é o maior produtor de arroz orgânico do mundo e de outros produtos agroecológicos. Mas são vagabundos e, agora, terroristas, dito pelo Presidente eleito. Terroristas. E esta Casa quer votar uma lei que tem nome, endereço e CPF: é o Movimento dos Sem Terra e o Movimento dos Sem Teto.

    Aliás, a propósito dos Direitos Humanos, o Papa fez, na visita do Chico Buarque lá, uma fala muito interessante, também lembrando esse dia. Ele faz um apelo a todos que têm responsabilidades – isso é a fala do Papa –, responsabilidades institucionais, que "coloquem os direitos humanos no centro de todas as políticas, inclusive as de cooperação para o desenvolvimento, mesmo que isso signifique ir contra a corrente" – fecha aspas –, é a fala do Papa.

    Depois, ele diz de novo: "Existem, atualmente, muitas formas de injustiça, alimentadas por visões antropológicas redutivas e por um modelo econômico baseado no lucro, que não hesita em explorar, descartar e até matar o homem". Essa é a fala do Papa Francisco também.

    Então, quando eu trago essa fala, é para lembrar também que a gente, na Comissão de Direitos Humanos, combateu, com o bom combate. Fui Presidente durante dois anos; foram 206 reuniões, entre audiências e as deliberativas; 36 da Subcomissão que produziu o Estatuto do Trabalho, para contrapor à nova CLT. O Senador Paim certamente apresentará, no ano que vem, o Estatuto do Trabalho. Lá, também, se transformou em projeto de lei o Estatuto da Diversidade, por iniciativa da OAB. As sugestões da população, a participação popular, 19 sugestões foram transformadas em projetos de lei também, e principalmente os debates. Diligências para verificar violação de direitos humanos em alguns Estados. Tudo isso foi feito por essa Comissão.

    Então, acho que a gente precisa não só fazer o discurso, mas ter ações em relação ao cumprimento dos direitos humanos. Ou, então, para que assinar essas convenções todas se não é para cumprir?

    O Brasil é signatário de quase tudo que é Convenção da OIT, mas produz aí a reforma trabalhista, de que todo mundo passa longe. Mas a verdade é que os próprios dados do IBGE dizem que ela produziu muita informalidade e muito emprego precário, porque o trabalho intermitente é um emprego precário que não contribui para a Previdência – e logo, daqui a alguns anos, a Previdência vai estar sofrendo mais isso; talvez seja até proposital, para poderem fazer a reforma por baixo.

    E eu quero concluir, Sr. Presidente, saindo da questão dos direitos humanos, falando de algumas frases antológicas – que vão virar antologia – de alguns protagonistas das nossas instituições, começando pelo Ministro Fachin. O jornalista do Diário do Centro do Mundo até a colocou como a frase do ano.

    Ele disse que, nesse processo da Operação Lava Jato, houve procedimentos heterodoxos, mesmo para finalidade legítima. E a gente pergunta ao Ministro Fachin, que está devendo essa resposta: que procedimentos foram esses? Ele precisa dizer que procedimentos foram esses. É aquela célebre frase de que os fins justificam os meios? Porque ele está dizendo: "procedimentos heterodoxos, mesmo que para finalidade legítima" que o tribunal praticou.

    Mas há outras frases também importantes fora do Ministro Fachin. Quando o Ministro Toffoli diz que o golpe de 1964 não foi um golpe, foi apenas um movimento, será que ele foi obrigado a dizer essa frase, já que ele tinha como assessor um militar do lado dele? E o Ministro Toffoli também disse outra frase importante: "É hora de o Judiciário se recolher e a política voltar a liderar". Quer dizer que o Judiciário estava fazendo política, Sr. Ministro? Precisa responder também.

    Mas há também a frase do Sergio Moro, do ex-Juiz Sergio Moro, lá na Espanha. Ele disse: "Me perguntei se não tinha ido longe demais na aplicação da lei, se o sistema político não iria revidar". O que foi você ir longe demais, senhor ex-Juiz, futuro Ministro? Foi condenar sem prova? Foi torturar psicologicamente, forçando delações nos termos do que queria ouvir? Porque o Léo Pinheiro inocentou o Lula três vezes; na quarta vez, disse que houve uma ameaça a envolver a mulher dele, e aí ele condenou o Lula. E agora é premiado: o genro vai ser Presidente da Caixa Econômica, não é? É o ciclo se fechando.

    Mas há as frases de Jair Bolsonaro também, como já falei. Ele diz: "É difícil ser patrão no Brasil". Poxa vida, eu já falei isto aqui: troca com os empregados para ver. Vai para o lugar deles. Vai cortar cana para ver o que é difícil. Disse que a legislação trabalhista tem que se aproximar da informalidade. Há que haver uma legislação... Há que haver regras trabalhistas por fora da CLT – o que eu já falei também: é a escravidão. Mas diz também que não quer índios atrapalhando o desenvolvimento da Nação. Já falou que índio é como animal no zoológico.

    Então, daqui a pouco vai haver um livro só com essas frases antológicas desses nossos representantes.

    Para finalizar com a declaração dos direitos humanos do Caetano Veloso, para a gente terminar com poesia. Caetano, na música Gente, diz:

Gente quer comer

Gente quer ser feliz

Gente quer respirar ar pelo nariz

    E aí ele diz:

Gente lavando roupa

Amassando pão

Gente pobre arrancando a vida

Com a mão

No coração da mata gente quer

Prosseguir [são nossos índios]

Quer durar, quer crescer

Gente quer luzir

    E por último ele diz:

Gente é pra brilhar

Não pra morrer de fome

    Eu considero essa a declaração dos direitos humanos no Brasil por Caetano Veloso.

    Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/12/2018 - Página 81