Pronunciamento de Vanessa Grazziotin em 17/12/2018
Discurso durante a 157ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Reflexão sobre os 50 anos da edição do Ato Institucional n° 5.
Crítica ao Governo Federal pela edição da Medida Provisória (MPV) nº 863, de 2018, que altera a Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, que dispõe sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica.
- Autor
- Vanessa Grazziotin (PCdoB - Partido Comunista do Brasil/AM)
- Nome completo: Vanessa Grazziotin
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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CONSTITUIÇÃO:
- Reflexão sobre os 50 anos da edição do Ato Institucional n° 5.
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TRANSPORTE:
- Crítica ao Governo Federal pela edição da Medida Provisória (MPV) nº 863, de 2018, que altera a Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986, que dispõe sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica.
- Publicação
- Publicação no DSF de 18/12/2018 - Página 15
- Assuntos
- Outros > CONSTITUIÇÃO
- Outros > TRANSPORTE
- Indexação
-
- REGISTRO, ANIVERSARIO, EDIÇÃO, ATO INSTITUCIONAL, PERIODO, DITADURA.
- CRITICA, GOVERNO FEDERAL, MOTIVO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), OBJETO, ALTERAÇÃO, CODIGO, AERONAUTICA, ENFASE, LIBERAÇÃO, APLICAÇÃO, CAPITAL ESTRANGEIRO, OBJETIVO, AQUISIÇÃO, EMPRESA, TRANSPORTE AEREO.
A SRA. VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PCdoB - AM. Para discursar.) – Muito obrigada, Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores.
Sr. Presidente, antes de iniciar o pronunciamento que me traz à tribuna, eu vou aqui rapidamente falar e registrar a passagem na última quinta-feira, dia 13, dos 50 anos da edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5), algo que deve ser destacado, relembrado, principalmente no momento em que nós estamos vivendo hoje.
Mas antes disso eu quero dizer que assisti atônita – aliás, eu acho que grande parte da Nação brasileira; a outra parte questionando o porquê mesmo dessa medida – ao anúncio de que o Governo, através de uma medida provisória, está abrindo os céus brasileiros e as companhias brasileiras para que possam ser englobadas por empresas internacionais em até 100% do seu capital.
Isso, Sr. Presidente, eu considero que é algo que representa um golpe contra a economia nacional, e não só contra a economia nacional, contra o futuro do desenvolvimento do nosso País, contra a política desenvolvimentista. Se um País permite, sem exigir qualquer tipo de reciprocidade, que empresas estrangeiras cheguem ao Território pátrio... E ainda dizem "O Brasil acima de tudo — não é isso? —, Deus acima de todos!" Essa é a palavra de ordem de quem está entregando o Brasil para o capital internacional e para o capital norte-americano, Sr. Presidente. Então, veja, está na hora de a população brasileira prestar mais atenção ao que está acontecendo no Brasil.
Eu não quero ser a chata, eu não quero ser vista como aquela que não teve o seu candidato eleito à Presidência da República e dias depois ocupa a tribuna para fazer oposição ao Governo. Não, isso não significa oposição ao Governo, significa oposição aos atos que vêm sendo adotados pelo Governo.
Na semana passada eu ocupei a tribuna para falar sobre o Programa Mais Médicos. A Senadora Gleisi Hoffmann acaba de falar sobre o Programa Mais Médicos. A decisão de retirar todos os médicos cubanos do Brasil não foi uma decisão do Governo Michel Temer. Não, foi uma decisão acatada pelo Governo Michel Temer, mas uma decisão tomada e adotada pelo grupo político do futuro Presidente Jair Bolsonaro, assim como esta medida de abrir o capital acionário das empresas aéreas de aviação do Brasil em 100% para as empresas estrangeiras também é uma decisão do Governo Jair Bolsonaro.
Aí eu pergunto: vão entregar tudo? Porque o próximo passo será entregar o pré-sal para os norte-americanos, entregar tudo.
Aí eu pergunto: Aonde vão levar o nosso País? O meu partido, há muito tempo, está elaborando um estudo, fazendo um estudo, um levantamento sobre a situação delicada que nós vivemos, pela qual passamos, e nós estamos chegando à lamentável conclusão, Sr. Presidente, de que estão transformando, querem e vão transformar o Brasil numa neocolônia. Não é nem voltar a aplicar o projeto e o programa ultraliberal ou neoliberal, não. Eles vão transformar o Brasil numa nova colônia, uma colônia que obedece às ordens dos americanos, do imperialismo norte-americano. E o exemplo disso, os dados que embasam essa teoria estão postos, e aparecendo dia a dia. Estão aí: primeiro foi a retirada da assistência dos médicos; agora a abertura ao capital internacional, a venda do pré-sal.
A venda do pré-sal não vão fazer certamente este ano ainda porque não aceitaram repartir os recursos com Estados e Municípios. Essa era a única pendência, mas não há pendência em relação à entrega deste que um dia foi visto como uma nova carta de alforria: todo o recurso advindo do pré-sal – que poderia ser investido nos serviços públicos e, particularmente, especialmente na área da educação.
Então, veja, Sr. Presidente: que países do mundo adotam a política de abrir o capital acionário de suas empresas aéreas em 100% para outras nações?
Não há país que aplique isso! Não há país, e, quando isso é aplicado, exige-se, no mínimo, a reciprocidade. Então, veja: se uma empresa estrangeira pode vir ao Brasil comprar uma empresa nacional ou abrir outra empresa com capital 100% estrangeiro, ela no mínimo deve, em seu território, permitir também que uma empresa brasileira chegue lá e faça a mesma coisa. Mas não é assim que acontece!
Nós debatemos essa matéria quantas vezes no Congresso Nacional?
Eu estou aqui há 20 anos, e há 20 anos a gente debate esta que é uma matéria difícil. Não é uma matéria fácil. A última mudança foi a aprovação da abertura de 20% do capital das empresas aéreas para os estrangeiros – 20%! E ele, numa canetada, a mando, cumprindo ordens de Jair Bolsonaro, entrega todas as nossas empresas para o capital estrangeiro, e ainda dão como desculpa o problema da Avianca.
Esse não é o problema. A Avianca não vai ter seu problema solucionado com essa medida provisória assinada. Não! Eles fizeram isso como forma de, rapidamente, prestar contas ao capital, ao grande capital especulativo, que foi o verdadeiro responsável pela vitória de Jair Bolsonaro.
Mas muita gente pode dizer: "Não, mas ele teve o apoio da maioria da população". Verdade, mas essa maioria da população foi enganada, e eu dei exemplo aqui: esse ditado "Deus acima de tudo – como é que é? – e o Brasil acima de todos" não passa de uma retórica vazia, uma retórica falsa, porque, na prática, o que ele está fazendo e o que pretende fazer é entregar o Brasil ao capital norte-americano; é voltar a fazer do Brasil uma colônia, não mais a colônia de Portugal. Dessa feita, a colônia dos Estados Unidos.
Então, eu espero que o próximo Congresso tenha juízo e tenha, mais do que isso, a responsabilidade, o compromisso com o Brasil do presente, mas principalmente com o Brasil do futuro, e não permita que algo dessa magnitude aconteça.
Aliás, estão falando em privatizar todos os aeroportos, mas não só isso: estão falando em acabar com a Infraero. A Infraero tinha um projeto belíssimo, Sr. Presidente! Eu fui apresentada a esse projeto. Nós fomos apresentados a esse projeto da Infraero aqui no Congresso Nacional. Aliás, não é um projeto inovador, porque já é praticado por muitos países do mundo: Reino Unido, China, vários países do mundo que também têm suas empresas de organização, administração aeroportuárias e que transformaram essas empresas em grandes empresas transnacionais, empresas que não só dão conta de fazer tudo aquilo que precisa ser feito em seus países, mas que ainda trazem benefícios e recursos para os seus países, porque atuam no mundo inteiro. Enquanto isso acontece, enquanto as empresas públicas de administração, de controle aeroportuário se expandem, empresas públicas se expandem pelo mundo, ele está anunciando acabar com a nossa Infraero, Sr. Presidente.
Eu volto a dizer: não adianta dizer que é por problema de corrupção, porque é a mesma coisa de dizer que se a pessoa está muito doente, então dá-se o veneno em vez de dar-se o remédio. Isso seria mais fácil, porque o remédio que eles receitam para o Brasil não é melhorar a gestão pública, o que seria correto. Não, é dar veneno, é usar a corrupção como um pretexto para dar sequência às privatizações.
Acabou que o meu assunto introdutório foi quase a metade do tempo que possuo para fazer o pronunciamento, Sr. Presidente. Mas eu agora inicio falando deste momento muito triste da história do Brasil: a assinatura do Ato Institucional nº 5, que, no último dia 13, quinta-feira, completou 50 anos.
É importante que falemos nisso principalmente pela atualidade, pelo momento em que vivemos; um momento, Presidente, em que professores de história são criticados por explicar o que é o comunismo; em que livros, como Meninos sem Pátria, lançado na década de 80, são retirados da lista de leitura do sexto ano, porque a escola foi acusada de doutrinar crianças com a ideologia comunista em sala de aula; um momento em que as pessoas que defendem os direitos humanos também são chamadas de comunistas, ou seja, usam o termo comunista como se fosse um xingamento, como se ser comunista fosse um grande equívoco, um grande erro, um grande absurdo.
Foi exatamente com essa concepção da caça aos comunistas que, há 50 anos, o Brasil viu um Presidente da República assinar um quinto ato institucional, que acabou de vez com todos os espaços, os mínimos espaços, democráticos que ainda existiam naquele momento, Sr. Presidente.
Então, passo agora a falar rapidamente sobre esse famigerado AI-5. O texto do Ato Institucional nº 5 (AI-5) era composto, Sr. Presidente, por 15 artigos e vinha acompanhado de um Ato Complementar nº 38, que fechava o Congresso Nacional por tempo indeterminado. Foi o Ato que fechou o Congresso Nacional por tempo indeterminado. O ato vigorou por dez anos consecutivos e produziu uma série de ações arbitrárias de efeitos incomensuráveis.
No início do ato institucional, explicava-se que ele era uma necessidade para encontrar os meios indispensáveis para a obra de reconstrução econômica, financeira e moral do nosso País. Foi uma medida tão extrema, tão desmedida que aqui, neste Senado, até mesmo as vozes de apoio à ditadura militar levantaram-se contra o Ato Institucional nº 5 – Parlamentares da própria Arena, partido que foi criado exatamente para calcar, para alicerçar, para dar apoio ao governo militar.
E foi exatamente da Arena que também surgiram vozes contrárias a esse Ato Institucional, como a do Senador gaúcho Daniel Krieger, que fez belíssimos pronunciamentos contra essa medida. Liderados por ele, Daniel Krieger, um grupo de Senadores da Arena, que era o partido, repito, criado para dar base e sustentação à ditadura militar, assinou esse manifesto discordando dessa arbitrariedade, desse extremo, que representava o Ato Institucional nº 5. Entre os Parlamentares que assinaram o manifesto, estavam os nomes de Gilberto Marinho, Milton Campos, Carvalho Pinto, Eurico Rezende, Aloysio Lopes, Ney Braga, Rui Palmeira, Teotonio Vilela, José Cândido Ferraz, Leandro Maciel, Victorino Freire, Arnon de Mello, Clodomir Millet, Waldemar Alcântara, Júlio Leite, Sr. Presidente, entre outros.
Esse monstruoso Ato Institucional nº 5 rasgava a Constituição, que é o nosso arcabouço jurídico, e todos os direitos individuais e coletivos na Nação. E, como o próprio número indica, o AI-5 não foi o único ato institucional. Antes dele, desde 1954, vieram o AI-1, AI-2, AI-3 e AI-4. Entre outras medidas, esses atos institucionais legitimaram o golpe e concederam ao Presidente um poder quase que absoluto. Suprimiram as eleições diretas para Presidente da República, liberaram a prisão em massa, autorizaram buscas em domicílios, atribuíram à Justiça Militar competência para julgar civis que haviam, segundo eles, cometido crimes contra a segurança nacional e instituíram o bipartidarismo, com a Arena (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB o (Movimento Democrático Brasileiro), que se posicionava como oposição e exatamente por isso sofria constante ameaça de cassação, assim como Parlamentares de outros partidos que foram ao MDB como forma de ter uma atuação institucional, uma atuação mais legal.
E é bom que se diga, Sr. Presidente, que os poderes dos militares e do Presidente da República eram tantos que não era preciso que qualquer pessoa cometesse qualquer ato contra a Nação, não; qualquer ato em defesa do trabalhador era por eles caracterizado como ato contra a Nação e, por isso mesmo, sofria as duras penas da legislação, que eram exatamente as penas da ditadura, Sr. Presidente.
As eleições, como eu disse, foram suprimidas para Governadores de Estados e para Prefeitos de capitais. Convocaram Deputados e Senadores para eleger um novo Presidente e elaborar a nova Constituição. Além disso tudo, pouco antes de deixar o Governo, Castelo Branco decretou a Lei de Segurança Nacional, segundo a qual, qualquer pessoa considerada desestabilizadora – era o que eu dizia aqui – do regime instituído poderia ser alvo de austeras punições, como assim muitas pessoas o foram.
Mas o AI-5 teve as suas particularidades, que foram o maior símbolo da essência da ditadura.
O pretexto para um ato institucional dessa gravidade foi a recusa do Congresso Nacional em autorizar o processo contra o Deputado Márcio Moreira Alves, que havia denunciado dezenas de casos de tortura durante o Governo Castelo Branco. Ele foi acusado de ser o autor de discursos ofensivos às Forças Armadas. Moreira Alves, do MDB, vale lembrar, em plena Câmara dos Deputados, no mês de setembro, havia lançado um apelo para que o povo não participasse dos desfiles militares de Sete de Setembro.
Em resumo, a medida dizia que o Presidente da República tinha poder absoluto acima das Casas Legislativas e das instâncias do Judiciário. Estados e Municípios podiam sofrer intervenções a qualquer momento, e os direitos políticos de qualquer cidadão dependiam da caneta presidencial. Foi suspenso o habeas corpus, proibiu-se que advogados e familiares visitassem os seus parentes ou amigos presos e censurou-se a imprensa, entre outros atos de repressão. Foram permitidas cassações de mandatos e de direitos de cidadania e autorizadas demissões sumárias. Estabeleceu-se que o julgamento de crimes políticos fosse realizado por tribunais militares sem direito a qualquer recurso.
Estava dado, portanto, o poder para serem mais enérgicos no combate às ideias subversivas, sem nenhum limite judicial. Foram cassados Parlamentares da oposição e até mesmo do partido governista. Tudo que soasse diferente ao que sustentava ou defendia o Governo era proibido e duramente punido.
Na sequência, estendeu-se a prática de prisões arbitrárias, torturas e assassinatos, que marcou com sangue e dor a trajetória do povo brasileiro.
A título de explicação pedagógica, Sr. Presidente, um site alemão, o Deutsche Welle, publicou, na semana passada, uma reportagem sobre o que seria proibido hoje no Brasil se o AI-5 ainda estivesse em vigor. Eu acho que essa matéria é extremamente elucidativa, sabe por quê, Sr. Presidente? Porque nós estamos assistindo hoje a um sentimento crescente na população dizendo o seguinte: o Brasil está tão desgovernado, a corrupção tomou tanto conta do Brasil que para eles não importa mais ter um Governo democrático ou um Governo militar. Muita gente pensa assim ou muita gente pensa: "Não, vamos ter um Governo democrático, mas duro ao mesmo tempo". Democrático porque foi eleito, mas com todos os poderes para fazer o que bem entenda.
Aliás, logo depois que se encerraram as eleições do segundo turno, em que se deu a vitória de Jair Bolsonaro, quais foram os primeiros projetos a ganhar força no Parlamento? Aqui no Senado, por exemplo, o projeto que entrou imediatamente na pauta da Comissão de Constituição e Justiça foi o projeto que muda a lei da tipificação do terrorismo, Sr. Presidente, porque eles querem acrescentar a possibilidade de enquadrar, de considerar como terroristas também os movimentos políticos, ideológicos e sociais, de forma tão ampla que poderia até ser comparado a um novo AI-5, em que o Presidente, os Governantes ou o Judiciário poderiam fazer absolutamente tudo contra aqueles que não comungam com a ideia de quem está no poder.
Então, é muito elucidativo, é muito didático...
(Soa a campainha.)
A SRA. VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PCdoB - AM) – ... fazer uma comparação hoje, Sr. Presidente, de como seria o Brasil hoje se nós ainda vivêssemos regidos pelo Ato Institucional nº 5.
Então, veja, Sr. Presidente, o primeiro ponto: não haveria mais eleições no Brasil, nem debates políticos acalorados, já que votar e ser votado para Presidente, principalmente, e para Prefeitos de capital e Governadores foi proibido durante a ditadura. Mas também não se poderia criticar o Governo. Falar mal do Governo, dos políticos na internet, não só seria proibido, mas também seria crime, Sr. Presidente. Vale lembrar que jornalistas e vários críticos do regime militar foram exilados do Brasil ou foram duramente assassinados durante o regime da ditadura e ainda assassinados sob a pecha de que eram terroristas, comunistas terroristas, Sr. Presidente.
As redes sociais na internet, essas também certamente, se vivêssemos sob o AI-5, seriam proibidas. Provavelmente seria proibido ter um blogue ou uma página na internet se o AI-5 ainda estivesse em vigor, já que ato ampliava a criminalização das opiniões e atividades políticas dos cidadãos.
Ter um perfil nas redes sociais também poderia ser muito perigoso, pois, provavelmente, se transformaria em mais um mecanismo de vigilância do Estado. Todo cuidado seria pouco, e até uma foto ou uma curtida poderia ser considerada um ato de subversão contra o regime militar. Então, veja: para quem é tão ativo nas redes sociais, olha só o risco que nós estamos vivendo. As pessoas não teriam mais direito a expressar suas opiniões. As liberdades de expressão e manifestação são direitos fundamentais garantidos a todos os brasileiros desde 1988. Durante o AI-5, contudo, nem mesmo a imprensa tinha liberdade para noticiar coisas que a censura do Governo não aprovasse.
Do mesmo modo, seria crime organizar, participar ou, simplesmente, apoiar greves de trabalhadores – como a greve dos caminhoneiros deste ano –, manifestações populares e protestos políticos, como os que aconteceram no mês de julho de 2013. Com o AI-5, tudo isso seria proibido, nada disso seria permitido.
Os jornais também não poderiam seguir fazendo a divulgação, as denúncias, publicando as matérias que publicam hoje, porque seriam censurados como o foram durante todo o período do AI-5. Encontrar na mídia, assim como ler ou compartilhar informações sobre escândalos políticos, denúncias de corrupção, entre outros problemas do cenário brasileiro, isso seria impensável, isso seria impossível, uma vez que os jornais, antes de irem para as bancas, ou as matérias, antes de serem publicadas, mesmo na internet, teriam que passar pelo censor do Governo. Se algo não agradasse, a notícia, imediatamente, era retirada da página. Para tapar buraco, eram colocados trechos de livros e até receitas de bolo. Segundo levantamento do jornal O Estado de S. Paulo, entre agosto de 1973 e janeiro de 1975, versos de Os Lusíadas, de Luís de Camões, foram colocados 655 vezes nas páginas do jornal, Sr. Presidente, tapando o buraco das notícias que eram censuradas.
Cantar também não seria possível. Cantar músicas da MPB, músicas de protesto, não, seria proibido, Sr. Presidente. A censura feita pelo Governo durante o AI-5 se estendia a toda manifestação artística e cultural. Diversos artistas da MPB tiveram que alterar letras de músicas ou deixar de cantá-las para não serem presos. Foi o caso, por exemplo, de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, entre tantos outros cantores que tiveram suas músicas censuradas.
Atualmente, filmes como Cidade de Deus e Tropa de Elite, com cenas de pobreza, drogas e violência, assim como 50 Tons de Cinza, que traz cenas de nudez, provavelmente também seriam censurados no nosso País e não seriam permitidos, ou seja, Sr. Presidente, era um momento da mais extrema rigidez e limitação da manifestação de algo que para nós hoje parece, assim, tão comum, que é a liberdade da expressão e da manifestação do pensamento, Sr. Presidente.
Servidor público. Se vivêssemos no AI-5, também servidores públicos viveriam problemas...
(Soa a campainha.)
A SRA. VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PCdoB - AM) – ... seriíssimos, porque, com o decreto, os servidores públicos perderiam as garantias constitucionais e podiam ser exonerados ou aposentados de acordo com a vontade do Poder Executivo, ou seja, do Presidente da República, dos governantes, a qualquer momento. Não havia estabilidade. O que havia, sim, no serviço público, era perseguição àqueles trabalhadores que não rezassem na cartilha do Governo.
O meu Partido, Sr. Presidente, naquela época, naquele momento, se encontrava na clandestinidade, porque uma grande campanha foi feita contra os comunistas. Muitos dos nossos dirigentes, dos nossos militantes, foram duramente assassinados. Assassinados, e ainda divulgavam como sendo eles terroristas, pessoas que não ofereciam mal nenhum à sociedade, que apenas lutavam pelo restabelecimento das liberdades, pelo restabelecimento da democracia em nosso País.
Então, o nosso Partido, àquela época, estava na clandestinidade, mas nem por isso deixou de lançar, à época, um manifesto que ficou para a história, determinando ou buscando a união dos patriotas, para livrar o Brasil da ditadura, da crise e da ameaça neocolonialista, em que clamava por união de todos os setores de esquerda, de centro, e mesmo dos conservadores, para que dessem sequência à luta pela democracia.
E hoje, Sr. Presidente, passados 50 anos, eu quero dizer que nós, do PCdoB, continuamos a manter a nossa disposição, para construir um diálogo com todas as forças democráticas do País, pois entendemos que os riscos de hoje são similares aos riscos vividos 50 anos atrás.
E eu aqui quero destacar, Sr. Presidente, que, na semana passada, foi feito um lançamento importante de um outro manifesto, o Manifesto em Defesa da Democracia, que contou com a adesão de mais de 2 mil intelectuais, artistas, lideranças populares, empresários, profissionais das mais diferentes áreas. Em um ato que ocorreu na Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco, em São Paulo, o manifesto foi lançado.
Entre os vários líderes, artistas, intelectuais, políticos, que assinaram o manifesto – eu aqui não vou ler, mas vou passar a V.Exa., para que inclua a lista nos Anais da Casa –, entre esses estão vários ministros de todos os governos democráticos que passaram, desde depois da ditadura militar até agora, desde ex-ministros do Governo Sarney até ex-ministros da própria Presidente Dilma, ao lado de líderes religiosos, de cientistas, juristas, advogados... Enfim, líderes de todos os segmentos, trabalhadores, liberais, assinaram o manifesto, que defende a necessidade da luta permanente pela democracia.
E, se me permite V.Exa. – eu sei que meu tempo acaba, mas é bem curtinho o manifesto –, eu faço questão de ler, Sr. Presidente, esse manifesto, repito, assinado por milhares de pessoas, intelectuais do nosso País, e que foi lançado num ato muito importante que aconteceu semana passada na USP, no Estado de São Paulo.
Diz o seguinte o manifesto:
Hoje, quando se completam 50 anos da edição do AI-5, que marcou o estabelecimento de um regime de terror de Estado, nós, cidadãos e cidadãs brasileiras, reafirmamos a importância da manutenção dos princípios consagrados na Constituição de 1988, ou seja, a República, a democracia e o Estado de direito.
A garantia das liberdades, dos direitos humanos individuais e sociais, do livre exercício da cidadania, nos une para além de eventuais diferenças e nuances ideológicas ou político-partidárias. Enfatizamos nosso compromisso com a pluralidade e a diversidade cultural de crenças e de comportamento da sociedade brasileira. Nesse sentido, conclamamos os democratas a se unirem, para manterem as liberdades duramente conquistadas ao longo das últimas três décadas.
E é apenas isso.
São Paulo, 13 de dezembro de 2018.
Ou seja, Sr. Presidente: um manifesto simples, mas com um conteúdo gigante, e um conteúdo simbólico significativo, porque, repito, assinado exatamente no dia 13 de dezembro de 2018, dia em que o Brasil vivenciou os 50 anos da assinatura do AI-5.
(Soa a campainha.)
A SRA. VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Parlamentar Democracia e Cidadania/PCdoB - AM) – E eu me refiro a isso, porque não há direito, não há avanço social, se não há liberdade, se não há democracia, Sr. Presidente.
Lamento para aqueles que dizem que nós estamos fazendo uma tempestade num copo d'água, para aqueles que dizem que o governo que vai assumir é democrático. Quero dizer o seguinte: ele passou a campanha toda dizendo ser o grande defensor da democracia. Durante 28 anos de sua atividade parlamentar, ficou elogiando aquele que foi seu grande ídolo, o General Brilhante Ustra, um dos maiores torturadores que o Brasil teve durante a ditadura militar. Ele e seu filho, eleito Deputado, são exatamente os autores do projeto de lei que proíbe a organização de partidos comunistas.
Ora, Sr. Presidente, é preciso estudar para saber o que que significa, o que é a teoria do comunismo, o que que significa isso, antes de apresentar projetos, colocando na clandestinidade partidos como o nosso, que é o partido mais antigo em atividade no Brasil, fundado que foi em 1922, mas que viveu grande parte da sua história na clandestinidade, exatamente por essas razões, exatamente por concepções não apenas reacionárias, mas que mantém de pé o veio da ditadura.
Baseado nisso é que nós precisamos, neste momento, buscar uma grande unidade nacional de todos, em defesa, repito, dos princípios básicos da nossa Constituição: a República, a democracia, e o Estado de direito. Sem isso, não teremos nenhum avanço social e nenhum País que possa garantir uma qualidade de vida melhor a toda a sua gente.
Muito obrigada, Sr. Presidente.