Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas ao conjunto de medidas anticrime recentemente apresentado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Autor
Fernando Collor (PROS - Partido Republicano da Ordem Social/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Críticas ao conjunto de medidas anticrime recentemente apresentado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Aparteantes
Humberto Costa, Jorge Kajuru.
Publicação
Publicação no DSF de 14/02/2019 - Página 19
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • CRITICA, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), MEDIDA, COMBATE, CRIME, COMENTARIO, FOCO, REPRESSÃO, REGISTRO, REDUÇÃO, MAIORIDADE, IMPUTABILIDADE PENAL, REPUDIO, AUSENCIA, RECONHECIMENTO, EDUCAÇÃO, PREVENÇÃO, DELITO.

    O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - AL. Para discursar.) – Exmo. Sr. Presidente desta sessão Senador Lasier Martins, Exmos. Srs. Senadores, Sras. Senadoras, o conjunto de medidas anticrime, recentemente apresentado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, pode até ser considerado um ponto de partida para o debate, porém, diante da violência e insegurança cotidianas, é certamente uma referência polêmica, equivocada e, sobretudo, incompleta.

    Polêmica, porque trata de assuntos que já foram ou seguramente serão submetidos ao Supremo Tribunal Federal. Prever regime de cumprimento de pena em abstrato contraria a jurisprudência da Corte, em especial por afrontar o princípio da individualização da pena.

    A prisão após condenação em segunda instância é tema ainda pendente de deliberação e parece uma tentativa de pressionar o STF a se posicionar nesse sentido.

    O início imediato da execução da pena imposta pelo júri é outro tema que deverá ser apreciado pelo Tribunal. Estabelecer que o policial poderá reagir quando houver iminente agressão constituiu, na verdade, uma antecipação da legítima defesa. E pergunto: quem definirá até que ponto essa antecipação será aceitável?

    A iniciativa é equivocada, porque apresenta propostas incapazes de solucionar os problemas que pretende resolver. Antecipar prisões e retardar liberações provocará a superlotação ainda mais aguda das penitenciárias brasileiras, notoriamente incapazes de ressocializar os presos.

    Além disso, o texto apresentado nomeia facções criminosas, o que significa o reconhecimento cabal da sua existência com prejuízos potenciais incalculáveis para o combate a esses mesmos grupos.

    Preconizar, mediante importação, a crítica do instituto do plea bargain, a punição de malfeitores confessos sem necessidade de julgamento, parece temerária, particularmente se considerarmos as frequentes denúncias de uso de técnicas violentas de interrogatório pelas instâncias policiais.

    A proposta é incompleta, porque ignora pontos relevantes da questão. Nada prevê, por exemplo, para promover maior eficácia das investigações policiais na esfera dos Estados. Silencia, de modo incompreensível, sobre prevenção, com especial destaque para o papel da educação na redução sustentável e duradoura da delinquência.

    O foco do plano é facilitar prisões e agravar penas. Ele parte do pressuposto de que endurecer penalidades é o meio mais adequado de combate à corrupção, aos crimes hediondos e à criminalidade organizada.

    Quando da apresentação das medidas, afirmou-se que ser mais rigoroso com a punição de ilícitos graves é – aspas – "consistente com os anseios da sociedade" – fecho aspas. Talvez não! Consistente com os anseios da sociedade é a diminuição efetiva da ocorrência de crimes graves. Entre punir exemplarmente um delinquente e não ter a quem reprimir porque inexistiu delito, a escolha parece óbvia, pelo menos àqueles que desejam abordar a questão sob uma perspectiva mais ampla.

    Ao prever novos casos de início de cumprimento da pena em regime fechado, restringir as hipóteses de progressão de regime e banalizar a prisão após condenação em segunda instância, essa linha de ação tende a provocar o aumento da população carcerária, o encarceramento em massa.

    Essa lógica aprofunda um paradoxo cruel já existente: quanto maior o número de detentos, mais forte o crime organizado. Quanto mais se prende, mais pessoas estarão submetidas à lei que impera no interior dos cárceres. As penitenciárias brasileiras são escritórios do crime. O primeiro ato de uma pessoa recém-encarcerada é escolher a qual facção deverá filiar-se para garantir a sua sobrevivência. Portanto, quanto mais prisioneiros, maior o número de candidatos a ingressar nessas organizações, a contar com o nosso sistema prisional hoje em dia.

    Em vez de enfraquecer, portanto, o crime organizado, as medidas propostas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública acabarão por fortalecê-lo. Trabalharão em favor da criminalidade ao lotar presídios com militantes que permitirão aos grupos criminosos ampliar sua atuação.

    Mas a maior e mais grave deficiência da iniciativa é que ela passa ao largo de aspectos essenciais a uma estratégia efetiva de redução da delinquência. Manter o foco na repressão demonstra descrença nas pessoas e na capacidade de a sociedade moldar o caráter e o comportamento dos seus integrantes, significa, acima de tudo, ignorar o papel da educação na prevenção do crime e na ressocialização dos presos.

    O plano propõe medidas cruas. Elas incorrem na mesma ideia falaciosa de que reduzir a maioridade penal implicará, necessariamente, a redução da criminalidade. Não há como termos certeza de que ações desse tipo trarão resultados positivos. Pelo contrário: verificamos que elas não resolvem por si sós as questões de modo abrangente e consistente.

    As verdadeiras perguntas que deveríamos nos fazer são: como prevenir ilícitos? O que precisamos fazer para minimizar as ocasiões em que cheguemos ao ponto de ter que punir um malfeitor?

    Faltam ao pacote, portanto, um olhar humano e um caráter humanista, imprescindíveis para a solução dos desafios mais básicos em uma sociedade civilizada – esse olhar humano e esse caráter humanista.

    A proposta peca ao não reconhecer a importância da educação, educação de qualidade, na prevenção da delinquência e da reincidência criminosa.

    Essa é uma enorme lacuna no plano de segurança pública apresentado. Esse silêncio, entretanto, é eloquente. Demonstra rara ingenuidade no trato de uma questão que abrange aspectos tão distintos quanto interdependentes, como prevenção, investigação, inteligência, apenamento e ressocialização.

    Facilitar prisões e agravar penas não basta. É preciso atacar pela base, enfrentar as causas fundamentais da criminalidade. Devemos buscar meios eficazes de proteger aqueles mais vulneráveis a serem atraídos para o crime, desde pequenos delitos até os mais graves. É necessário juntar esforços para manter, em tempo integral, nossas crianças e nossos jovens na escola e livrá-los das garras do crime organizado.

    A redução da delinquência começa por ações muito anteriores à persecução penal e à punição dos culpados. Não se pode alegar que esses pontos escapariam ao tema. Embora, eventualmente, possam extrapolar as atribuições do ministério, eles são, sim, uma questão de segurança pública.

    Para garantir a tranquilidade da população, será necessário atuar de forma integrada tanto no âmbito do Governo Federal, como com Estados e Municípios, em áreas como educação, assistência social e, particularmente, cooperação em inteligência.

    A iniciativa tem, obviamente, pontos a serem realçados. São bem-vindas, por exemplo, as inovações que permitem a redução de custos e de riscos associados ao transporte de detentos para participarem de audiências em tribunais.

    Entretanto, reitero a constatação que expus no início desta fala: o conjunto anticrime apresentado é polêmico, equivocado e incompleto. Reprimir delinquentes é importante, mas prevenir ilícitos e ressocializar presos é muito mais do que importante, é parte fundamental de um processo civilizatório.

    O projeto foi classificado por seus autores como simples. Lamentavelmente, constata-se que ele é, na verdade, uma iniciativa simplista, que propõe medidas pontuais e superficiais, que deixam de lado aspectos indispensáveis da questão. Soluções dessa natureza são insuficientes para equacionar problemas complexos. É preciso reconhecer, compreender e enfrentar essa complexidade. Abordagens mais abrangentes permitiriam à sociedade debater, por exemplo, se é melhor castigar ou prevenir, construir presídios de segurança máxima ou escolas de máxima qualidade e em tempo integral. Isso é possível, mas trabalhoso.

    A formação do Governo com ministros técnicos foi diversas vezes festejada como um meio apto a facilitar o diálogo entre as diversas pastas e possibilitar a construção de soluções articuladas. Muito festejado esse fato.

    A segurança pública demanda soluções desse tipo e o debate sobre o tema é uma excelente oportunidade... Exmo. Sr. Presidente, Exmos. Srs. Senadores e Sras. Senadoras, a segurança pública demanda soluções desse tipo e o debate sobre o tema é uma excelente oportunidade para o Governo começar a demonstrar na prática o acerto nessa nova forma de atuação.

    Era o que tinha de dizer.

    Muito obrigado a V. Exa.

    O Sr. Humberto Costa (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Sr. Presidente...

    O Sr. Jorge Kajuru (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO) – Sr. Presidente...

    O Sr. Humberto Costa (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – V. Exa. permite um aparte, por obséquio?

    O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - AL) – Pois não, por gentileza. Muito obrigado, Senador.

    O Sr. Humberto Costa (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Eu gostaria de aparteá-lo, primeiro, para elogiar a qualidade da análise que V. Exa. faz desse chamado projeto anticrime. Por coincidência, vai ser o tema do meu pronunciamento também, embora eu pretenda me concentrar mais em uma omissão grave desse projeto que vou trabalhar.

    Eu vejo no pronunciamento de V. Exa. não somente um diagnóstico, uma reflexão adequada sobre a situação da criminalidade no Brasil, mas principalmente como se trabalhar em todas as pontas, da prevenção à repressão, enfim, chamando a atenção para uma questão que me parece muito importante: não se vai resolver um problema que tem essa gravidade no Brasil, o tema da violência, com soluções simplistas, talvez muitas delas coletadas em redes sociais ou repetindo o que é o senso comum.

    Portanto, vejo com muita importância o fato de que um Senador com a dimensão de V. Exa., que tem de todos aqui o respeito, esteja preocupado, mergulhado, inserido num debate como esse, que, tenho certeza, vai ser muito forte e muito rico aqui no Senado Federal.

    Parabéns!

    O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - AL) – Muito obrigado a V. Exa., Senador Humberto Costa, pelo seu aparte, que incluo no meu pronunciamento com muito gáudio e com muita alegria. Muito obrigado a V. Exa.

    O Sr. Jorge Kajuru (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO) – Senador...

    O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - AL) – Senador Jorge Kajuru.

    O SR. PRESIDENTE (Lasier Martins. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - RS) – Senador Kajuru.

    O Sr. Jorge Kajuru (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO) – Senador Collor, o ético Presidente da sessão, Senador gaúcho Lasier Martins, viu-me lá, em mesa próxima, quando eu almoçava hoje com o juiz de currículo invejável, Deputado Federal Dr. Luiz Flávio Gomes.

    V. Exa. traz aqui uma linha de pensamento, a meu ver, cirúrgica. Eu usei essa mesma tribuna – o Presidente Lasier deve lembrar – para tratar desse assunto, com o seguinte título: acertos, desacertos e desconsertos no pacotão anticrime do Moro.

    Para concluir, coloquei encarceramento inicial em regime fechado obrigatório em todos os casos de reincidência, ou de crime habitual, reiterado, ou ainda profissional. Pergunto: todo tipo de reincidência iria obrigar o uso de regime fechado? Isso não faria explodir a população carcerária, sabendo-se que quase 80% dos egressos voltam a delinquir? O regime inicial fechado, Presidente Collor, é obrigatório nos crimes de corrupção e peculato, que são crimes que merecem dura reprovação.

    E concluo, o silêncio quanto ao aumento de penas para políticos envolvidos com tráfico de drogas, milícias ou crime contra a Administração Pública. O político é eleito para proteger a sociedade e não para cometer crimes contra ela, juntando-se a traficantes, milicianos, grupos paramilitares. Então, a sua pena não deveria ser dobrada?

    Então, eu faço só essa observação. Não sei se V. Exa. concorda com ela. O seu pronunciamento para mim tem que entrar para os Anais desta Casa, porque eu vou de acordo em 100%, do começo ao fim, com cada palavra expressada por V. Exa.

    Parabéns, Senador Collor.

    O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - AL) – Muito obrigado a V. Exa., Senador Kajuru, pelas suas palavras e V. Exa. sempre pontifica como vanguardista na discussão dos temas de interesse nacional, como agora demonstra. Não sabia do seu pronunciamento já feito nesta Casa, mas quero congratular-me com V. Exa., compactuar com V. Exa. com as mesmas preocupações expostas nesse seu pronunciamento e agradecer o fato de V. Exa. ter-se incluído nas palavras que eu agora acabei de pronunciar.

    Meus parabéns a V. Exa. e muito obrigado pelo aparte.

    Era isso, Sr. Presidente, e muito obrigado a V. Exa.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/02/2019 - Página 19