Discurso durante a 12ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Argumentos contrários ao Projeto de Lei nº 551/2019, que promove alterações ao Código Florestal Brasileiro relacionadas ao Bioma Amazônia, às terras indígenas e à retirada da obrigatoriedade do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE).

Autor
Paulo Rocha (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Paulo Roberto Galvão da Rocha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MEIO AMBIENTE:
  • Argumentos contrários ao Projeto de Lei nº 551/2019, que promove alterações ao Código Florestal Brasileiro relacionadas ao Bioma Amazônia, às terras indígenas e à retirada da obrigatoriedade do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE).
Publicação
Publicação no DSF de 22/02/2019 - Página 26
Assunto
Outros > MEIO AMBIENTE
Indexação
  • CRITICA, PROJETO DE LEI, OBJETIVO, ALTERAÇÃO, CODIGO FLORESTAL, ENFASE, IMPORTANCIA, RESPEITO, CARACTERISTICA, BIOMA, LOCAL, FLORESTA AMAZONICA, COMENTARIO, NECESSIDADE, PERMANENCIA, OBRIGATORIEDADE, ZONEAMENTO ECOLOGICO-ECONOMICO.

    O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA. Para discursar.) – Sr. Presidente, Senadores e Senadoras, todos aqueles que estão nos assistindo, nos ouvindo, hoje eu trago, para apresentar aqui, algumas impressões que versam sobre o Projeto de Lei nº 551, de 2019, que tem como finalidade promover alterações no Código Florestal Brasileiro, com a justificativa de ampliar a utilização de áreas destinadas à atividade econômica na Amazônia por meio da flexibilização dos percentuais de reversa legal estabelecidos já no Código Florestal.

    Lembremos que o Código Florestal foi um dos códigos mais debatido nas duas Casas, que foi aprovado, depois, num grande acordo capaz de atender os vários interesses da atividade econômica, principalmente no campo brasileiro.

    Este projeto traz a esta Casa um importante debate envolvendo o Código Florestal e a eventual necessidade da ampliação das atividades econômicas, como a mineração, a pecuária e até a atividade industrial, como centro de sua argumentação, nos Territórios da Amazônia Legal.

    É imperativo observar as características do bioma amazônico, as suas funções que possuem interligações na destinação ao equilíbrio e ao direito à vida. As características do bioma amazônico não podem passar despercebidas. Não passam nem pelo mundo, imaginem pelo Brasil. Elas apresentam não apenas uma configuração estética, mas afirmam as vocações econômicas desse Território e de um povo guerreiro e lutador como são os povos da Amazônia.

    O Território amazônico é o maior bioma do Brasil. Possui um Território de 4,2 milhões de quilômetros quadrados. Lá, crescem 2,5 mil espécies de árvores, um terço de toda a madeira tropical do mundo e 30 mil espécies de plantas, das quais 100 mil na América Latina. Sua bacia é a maior bacia hidrográfica do mundo, cobre cerca de 6 milhões de quilômetros e tem 1,1 mil afluentes, e seu principal e maior, um dos maiores do mundo, o Amazonas, corta a região para desaguar no Atlântico, lançando ao mar cerca de 175 milhões de litros de água a cada segundo.

    Já a Amazônia Legal é uma área de 5,217 milhões quilômetros, que corresponde a 61% do Território nacional. Além de abrigar todo o bioma amazônico, ainda contém 20% do bioma do Cerrado e parte do Pantanal Mato-Grossense. Ela engloba a totalidade dos Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão.

    Portanto, esse bioma é mais importante, é vital para combater o aquecimento global e permitir o equilíbrio ambiental. A não compreensão da função social e humana desse Território cega a perspectiva de existência humana.

    Desse modo, apresento alguns argumentos dissonantes a esta proposta tendo em vista que ela carrega em sua intencionalidade diversos equívocos em sua razão.

    Quero apresentar como primeiro argumento os arts. 15 e 14 da Convenção da Organização Internacional do Trabalho, que enfatizam o direito de consulta e participação dos povos indígenas no uso, gestão e conservação de seus Territórios. Além disso, prevê o direito à indenização por danos e proteção contra despejos e remoções de suas terras tradicionais.

    Sei que o projeto não prevê modificações em terras indígenas, contudo, apresento esses argumentos para mensurar que os Territórios indígenas demarcados na Amazônia legal exercem atividades econômicas, porém de baixos impactos ambientais, ou quase nulos. O conceito de atividade econômica afirma: "Atividades econômicas envolvem processos que têm lugar para a obtenção de produtos, bens e/ou serviços destinados a cobrir as necessidades e desejos em uma sociedade em particular."

    Desse modo, é possível afirmar que existem atividades econômicas exercidas nestes Territórios, contudo, não carregam em seu exercício impactos ambientais profundos e nocivos às necessidades básicas da pessoa humana, tampouco à necessidade perene de recuperação ambiental como algumas atividades provocam, a exemplo das mencionadas na justificativa apresentada no projeto como mineração, pecuária e industrial.

    É bem oportuno esse debate sobre as questões da mineração. Se se abre para um bioma com toda essa complexidade da Amazônia... Vocês estão vendo os problemas ambientais que estão ceifando milhares de vida, como o caso de Mariana e o caso de Brumadinho. Mesmo no meu Estado, já há ameaças profundas a respeito dessa questão da mineração, inclusive com processos industriais modernos, mas com grande carga ambiental e impacto na vida das pessoas. Bem perto da capital, Belém, aconteceu uma ameaça de rompimento, o que pode trazer problemas, principalmente ao Município de Barcarena.

    Apresento esses argumentos para dizer que não sou contrário à construção, fomento ou promoção de atividades econômicas, mas quero dizer que precisamos perceber as reais vocações de cada Território, de cada microrregião, respeitando suas necessidades e seu potencial, ao mesmo passo que resguardamos esse ambiente para a preservação da vida humana.

    Outro argumento singular neste debate são os dispositivos jurídicos existentes que refletem em seu corpo jurídico todos os condicionantes para assegurar o princípio constitucional contido no art. 225 da Constituição Federal, que afirma:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

    A alteração no Código Florestal Brasileiro pretendida vai na contramão não só do código como de todas as demais legislações correlatas ao tema. Essas já asseguram que as unidades da Federação que possuem mais de 65% de seu território destinados a áreas de reserva promovam a equiparação nestes territórios. Isso está contido no preâmbulo jurídico da descrição que segue nas Leis nº 12.727, de 2012, art. 12º, inciso I, alíneas "a", "b", "c" e a Lei 12.651, de 2012, que destacam:

Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel [...]

    Dentro do próprio território da Amazônia há diferenças do tamanho assegurado por lei. Por exemplo, na Amazônia vai de 80% a 20%; há outras áreas em que vai 65% a 35%. Portanto, dentro do próprio bioma há diversidade para que a gente possa levar em consideração que um plano de desenvolvimento tem que considerar o interesse da sociedade como um todo, o interesse do Brasil, o internacional, inclusive com a questão ambiental, mas processando o respeito às leis já estabelecidas, que foram e estão sendo implementadas a partir do debate democrático aqui nesta Casa.

    Não posso deixar de mensurar neste debate que os percentuais e critérios constituídos no Código Florestal Brasileiro compõem os tratados e acordos internacionais do clima, em que creditamos nossas energias como contribuição à humanidade.

    Quero recordar que, como País signatário do Acordo de Paris, o Brasil comprometeu-se em diminuir a Contribuição Nacionalmente Determinada, a emissão de gases de efeito estufa, com uma contribuição indicativa subsequente de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% até 2030.

    Deste modo, as reservas legais cumprem o papel de fiadoras da Nação brasileira com um acordo internacional que tem como princípio a existência e a preservação da vida humana. Alterar esse dispositivo na forma como se apresenta no projeto é atentar contra a vida desse bioma e desses territórios que compõem a Amazônia legal.

    Observei também no projeto a retirada da obrigatoriedade do Zoneamento Ecológico-Econômico para a redução das reservas legais dos imóveis rurais. Isso irá implicar danos ambientais seríssimos e pode inclusive resultar em prejuízos econômicos para os produtores. É o Zoneamento Ecológico-Econômico que estabelece tecnicamente a possibilidade de se conciliar a produção com a preservação, orientando o planejamento e a gestão do meio ambiente e do território, de forma a garantir o provimento dos serviços ambientais que estão na base de qualquer atividade produtiva.

    Portanto, chamo a atenção desta Casa para, quando do debate deste projeto, aprofundarmos este debate, até porque na Amazônia nós já buscamos soluções, partindo dos próprios produtores, quer sejam os produtores da agricultura familiar, quer sejam do grande agronegócio, saídas para o chamado desenvolvimento autossustentável. É a partir de pesquisas e de implementos e empreendimentos que, economicamente, está sendo solucionado o problema da economia. Por exemplo, a Embrapa tem um projeto que combina o florestamento com a questão do capim, a questão da agropecuária, ou seja, dentro do próprio campo há fileiras de árvores economicamente importantes, que é algo integrado entre o reflorestamento e a questão agropecuária, que é o capim para o boi.

    Portanto, foi por isso que, após um amplo debate com a comunidade científica, os Parlamentares aprovaram o Código Florestal, permitindo a redução da Reserva Legal, dos imóveis situados nas áreas de floresta dentro da Amazônia Legal, apenas quando observadas as condições estabelecidas no §5º do art. 12.

    Retirar o Zoneamento Ecológico-Econômico dessas condições não apenas compromete as funções da Reserva Legal, mas também a construção política realizada de forma democrática, participativa e cientificamente embasada.

    Portanto, os estudos científicos indicam que a redução da Reserva Legal de 80 para 50%, nos termos do §5º do art. 12, pode provocar um desmatamento de até 15 milhões de hectares de floresta, com danos para a biodiversidade, aumentando, assim, as emissões de gases de efeito estufa, poluição e comprometimento dos recursos hídricos entre outras consequências indesejáveis. O aumento do desmatamento pode também implicar dificuldades para a comercialização da produção da Amazônia, tanto no mercado nacional quanto no mercado internacional.

    O que pode impedir que tudo isso aconteça, dando segurança técnica e jurídica para os produtores rurais, é justamente o instrumento do zoneamento.

    Portanto, o esforço deve ser no sentido de viabilizá-lo, com a visão de desenvolver o nosso Estado. Repito: a partir da própria experiência dos grandes produtores da agricultura familiar, já somos capazes de produzir lá com o chamado conceito do desenvolvimento autossustentável, que combina produção com preservação.

    Por isso, eu queria registrar o nosso posicionamento em relação a esses debates. Nós queremos desenvolver a Amazônia, temos 20 milhões de brasileiros que precisam viver com condições e com dignidade, mas podemos fazê-lo com a questão do desenvolvimento autossustentável. Repito: produção, mas com preservação.

    Era isso que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

    O SR. PRESIDENTE (Izalci Lucas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PSDB - DF) – Parabenizo V. Exa. pelo pronunciamento, Senador Paulo Rocha, e chamo já o próximo orador para fazer uso da palavra, o Senador Zequinha Marinho, do PSC, do Pará.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/02/2019 - Página 26