Discurso durante a 14ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a crise política e social da Venezuela. Breve histórico das relações comerciais entre o Brasil e aquele país. Críticas aos investimentos do BNDES destinados à Venezuela.

Autor
Eduardo Girão (PODE - Podemos/CE)
Nome completo: Luis Eduardo Grangeiro Girão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL:
  • Preocupação com a crise política e social da Venezuela. Breve histórico das relações comerciais entre o Brasil e aquele país. Críticas aos investimentos do BNDES destinados à Venezuela.
Publicação
Publicação no DSF de 26/02/2019 - Página 33
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL
Indexação
  • APREENSÃO, CRISE, POLITICA, BEM ESTAR SOCIAL, VENEZUELA, REGISTRO, HISTORIA, COMERCIO, BRASIL, CRITICA, INVESTIMENTO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), DESTINAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO.

    O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - CE. Para discursar.) – Muito boa tarde, Presidente Izalci Lucas, querido irmão Senador Kajuru, Senador Plínio, é um momento difícil este em que eu subo a esta tribuna. Já vi que outros colegas falaram sobre a Venezuela, mas eu tenho o dever de mexer novamente nessa ferida que está aberta.

    Eu estive, Presidente Izalci, Senador, na Venezuela em 1993. Eu fui a Caracas, Senador Wellington, e foi algo muito marcante. Vi um país em crescimento fantástico, ali no começo da década de 90, cidade tranquila, serena, povo extremamente acolhedor, pacífico. Pouco tempo depois, Hugo Chávez toma o poder. Tentei voltar, conversei com a família para voltar a Caracas pouco tempo depois e com amigos. Começaram: "Pai, não vai, não. O negócio já está mais difícil. Já está complicado, perigoso". E, de lá para cá, só piora.

    E a verdade, Senador Izalci Lucas, precisa ser entregue. Ela é como uma pedra preciosa: ou você enrola num papel de veludo e entrega com amor a verdade, como uma pedra preciosa, ou você pega e joga na cara. Ao jogar na cara, você fere, mas entregar com amor é nosso dever.

    Eu queria colocar que está me incomodando muito essa questão da Venezuela. Quando achamos que já havíamos visto de tudo, assistimos atônitos a que a fronteira do Brasil com o nosso vizinho país virou um território de tensão e medo, sem contar os caminhões. E, aí, Senador Capitão Styvenson, poderiam ser até Kombis, não importa o tamanho dos caminhões, não importa a quantidade, é comida, é comida para um povo faminto, para um povo que não tem remédio, para um povo que está sendo massacrado.

    A gente aprende no interior do Ceará, Senador Izalci Lucas – isso a gente ouve das pessoas com mais experiência, as avós, as bisavós – que quem rasgar dinheiro – V. Exa. já ouviu isso – é o quê? É louco. Rasgar dinheiro é sinal de que você está perturbado. Agora, quem queima comida para um povo faminto é o quê? Como classificar isso? Difícil de classificar.

    E isso nos inquieta ainda mais quando nos lembramos de que os Governos brasileiros, os últimos governos brasileiros alinhados ideologicamente, emprestaram, por meio do BNDES, algo em torno de R$11 bilhões, Senador Plínio, do Estado querido do Amazonas, ao Governo venezuelano. Esse empréstimo foi feito. Esses dados constam do relatório de 1º de junho de 2016, do Ministro-Substituto do TCU, Augusto Sherman Cavalcanti, com "i". Naquele país, o nosso dinheiro financiou os metrôs de Caracas e Los Teques, uma ponte sobre o Orinoco, a Usina Siderúrgica Nacional, estaleiros e saneamento básico. Deixamos de investir em nosso transporte urbano, em pontes sobre nossos rios, em nossas siderúrgicas e em nossos estaleiros.

    Como se não bastasse, ainda trouxemos dois problemas. O primeiro: apoiamos um sistema que estava fadado, como se anteviu e realmente aconteceu, a uma crise política, recessão, hiperinflação e que começou a atrasar o pagamento da dívida, segundo o jornal Estadão, em setembro de 2017, Senador Capitão Styvenson.

    Ainda segundo o Estadão, até novembro do ano passado, a Venezuela tinha deixado de honrar um total de 274 milhões de pagamentos da dívida com o BNDES, sendo 159 milhões atrasados há mais de 180 dias. Pelo câmbio médio do terceiro trimestre de 2018, o total atrasado há mais de 180 dias equivalia a R$628 milhões.

    Aí me vem o ditador, atual Presidente Nicolás Maduro, dizer que não quer, que não são mendigos, que pagam a comida se tiverem que receber. Como? Como, se está devendo ao Governo brasileiro o que foi emprestado? Seiscentos e vinte e oito milhões. Como a Venezuela foi classificada como inadimplente, o BNDES acionou o Fundo Garantidor de Exportações. De acordo com matéria do portal UOL, como esses empréstimos foram contratados pela Venezuela para contratar empresas brasileiras, foram segurados pelo Fundo Garantidor de Exportações, ou seja, além de emprestar o dinheiro, o Brasil também é o quê? Fiador da transação.

    O caos econômico, político e social na Venezuela levou o comércio entre o país caribenho e o Brasil ao mais baixo patamar de todos os tempos. E pensar que, em 2012, Brasil e Venezuela viveram o melhor ano de seu comércio bilateral e, naquele ano, as trocas entre os dois países somaram mais de US$6 bilhões – exportações brasileiras de pouco mais de US$5 bilhões e embarques venezuelanos próximos a US$1 bilhão. A partir dali, as trocas entre os dois países só fizeram cair. Os dados são do portal Comex do Brasil, especializado em comércio exterior.

    Está passando da hora de, finalmente, abrirmos a caixa-preta do BNDES, Senador Plínio, agora Presidente da nossa sessão. Isso já foi dito aqui pelo Senador Reguffe e pelo Senador Alvaro Dias, que teve a iniciativa de fazer um voto de censura ao que está acontecendo na Venezuela, que assinei prontamente. Não dá mais para ficarmos montando aos poucos as peças desse imenso e fundamental quebra-cabeça.

    Vou protocolar – atenção! – um requerimento na Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC), da qual eu sou titular, chamando o BNDES e o TCU para confirmar o real volume de dinheiro que foi enviado e qual era o objetivo. Terão que comparecer. Nosso papel é esse. Há que se mostrar às novas gerações que vivemos um novo tempo e que os maus atos e gastos com o dinheiro público necessitam de punição urgente. Não pode ficar assim, Senador Plínio. Não pode ficar assim.

    Há uma responsabilidade dos governos que ajudaram a Venezuela, sim, e a tantos outros países com propósitos questionáveis. Acabaram financiando essa tragédia anunciada, que vem desde a época do então Presidente Hugo Chávez. Esses mesmos governos poderiam ter ajudado a evitar essa situação.

    O Brasil tem ajudado como pode nossos irmãos venezuelanos, esses, sim, as maiores vítimas da má política, vítimas de discursos ideológicos e que pagam com dor, com fome e com falta de tudo, principalmente de uma luz no fim do túnel.

    Quero saudar a visita de jovens que estão vindo aqui à Casa neste momento. É muito importante a participação de vocês.

    São pais e mães desesperados que se aventuram para tentar dar algo aos filhos quando nada mais resta além de fuzis, intransigências e números maquiados.

    A crise venezuelana não começou agora, não, Senador Plínio. De acordo com a BBC Brasil, a fome fez os venezuelanos perderem, em média, 11kg no ano passado. A violência esvazia as ruas das grandes cidades quando anoitece.

    Os mantimentos têm que chegar ao povo venezuelano de um jeito ou de outro. Esse conflito tem que acabar por questões humanitárias. Temos que respeitar a soberania de cada país, contudo quantas vidas mais se perderão em meio a essa angustiante situação?

    Ontem, a cerimônia de entrega do Oscar de 2019 contou com a participação especialíssima do maestro venezuelano Gustavo Dudamel. Ele é o diretor da Filarmônica de Los Angeles e revelou que há três anos – vou repetir, há três anos! – é considerado persona non grata depois de ter assinado uma carta aberta de oposição "a tudo o que estava a acontecer". Tudo que ele disse que ia acontecer aconteceu – ele, um artista venezuelano.

    Por uma estranha ironia, ele regeu uma música triste para honrar os membros da academia que faleceram no último ano. Fiquei pensando em todos os venezuelanos que morreram enquanto ele regia.

    Mas eu quero dar um recado especial a uma venezuelana por quem eu tenho um carinho especial. Ela é professora de uma escola na Flórida e já faz uns três anos que o sofrimento dessa mulher toca a minha alma. Todo dia, ela vai dar aulas a criancinhas e fala sobre a família dela que está em Caracas, pedindo ajuda, pedindo orações, porque falta, pessoal, de tudo, de tudo na Venezuela. Não é brincadeira o que está acontecendo lá, não.

    Então, eu queria encerrar esta minha fala, Senador Plínio, dizendo ao povo venezuelano que saiba que – e esta é uma passagem do Evangelho – "os humilhados serão exaltados".

    Eu quero me arriscar aqui um pouco no espanhol para mandar uma mensagem para aquele povo irmão:

A nuestros hermanos y vecinos, decimos que la violencia genera violencia.

"Todos los que empuñam espada, a espada perecerán". (Mt 26, 52).

Somos una familia humana cualesquiera que sean nuestras diferencias nacionales, raciales, étnicas, económicas e ideológicas. Somos los custodios de nuestros hermanos y hermanas dondequiera que se encuentren.

Amar a nuestro prójimo tiene dimensiones globales en un mundo cada vez más pequeño.

En el mero centro de la virtud de la solidaridad está la búsqueda de la justicia y la paz. EI Papa Paulo VI nos dijo: "si quieres paz, trabaja por la justicia". El Evangelio nos llama a ser pacificadores. Nuestro amor por nuestros hermanos y hermanas exige que fomentemos la paz en un mundo rodeado de violencia y conflicto.

    Toda nuestra solidaridad con el pueblo de Venezuela y deseamos que todos ustedes sean liberados en paz. Dios bendiga a Venezuela!

    Muchas gracias, muito obrigado.

    Deus abençoe a todos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/02/2019 - Página 33