Discurso durante a 16ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Ponderações sobre itens da proposta de reforma da previdência.

Autor
Lucas Barreto (PSD - Partido Social Democrático/AP)
Nome completo: Luiz Cantuária Barreto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL:
  • Ponderações sobre itens da proposta de reforma da previdência.
Publicação
Publicação no DSF de 28/02/2019 - Página 29
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL
Indexação
  • ANALISE, PROPOSIÇÃO, REFORMA, PREVIDENCIA SOCIAL, APRESENTAÇÃO, GOVERNO FEDERAL.

    O SR. LUCAS BARRETO (PSD - AP. Para discursar.) – Sr. Presidente, Srs. Senadores, Sras. Senadoras, na semana que passou, o Governo Federal, através do nosso Presidente Jair Bolsonaro, entregou ao Congresso Nacional a proposta de reforma da previdência, que tem sido motivo de muitas discussões e expectativas sobre a postura que adotaremos quando da análise por esta Casa.

    Muito embora todos os esforços que se façam, é preciso que nos debrucemos sobre o texto encaminhado, Senador Kajuru, para que, desde logo, possamos estabelecer premissas que devem orientar algumas posições nesta Casa – aliás, já anunciado pelo Presidente Davi Alcolumbre, que, não tenho dúvidas, se empenhará pessoalmente na construção do diálogo, para que a proposta vinda da Câmara não tenha análise demorada no Senado. E estou certo de que ele tem habilidade política para isso.

    De minha parte, Sras. e Srs. Senadores, eu posso afirmar que considero a proposta ousada. Muito embora respeite a posição da equipe econômica, não me permito concordar com todos os seus termos, já que o sistema de seguridade social no qual a previdência está inserida foi idealizado na Constituição como direito fundamental e deve visar sempre melhoria nas condições de vida dos mais fracos e daqueles que, durante a vida, ajudaram a construí-la. Pretendo, portanto, considerar todas as opiniões e contribuições dos Parlamentares desta Casa para, de forma equilibrada, avaliar o que pode ser reformado ou inovado no mais alto interesse de nossa Nação. Gosto do provérbio africano que diz: "Para ir rápido, vá sozinho. Para ir longe, vá acompanhado."

    Assim, Sr. Presidente, todo o debate que se trava sobre a previdência não pode estar limitado a questões puramente econômicas, afastando o aspecto da função protetora do Estado que assegure dignidade aos trabalhadores e seus dependentes. Não se está aqui a ignorar aspectos de ordem financeira, mas há que se ter como norte a eficácia da Constituição que impõe a necessidade de adotarmos uma visão mais abrangente sobre o sistema.

    Não é demais, Sr. Presidente, lembrar que, com a Constituição de 1988, passamos do sistema de capitalização para o de repartição, que funciona como um sistema solidário: trabalhadores ativos financiam o pagamento dos inativos. Disseram os especialistas que, ao longo do tempo, essa relação se deteriorou.

    Desde lá, experimentamos outras reformas, todas contando a mesma história que hoje é contada. Com a Emenda Constitucional 20, alterou-se a forma de acesso à aposentadoria para os servidores públicos e também os da iniciativa privada. Passou-se a exigir tempo de contribuição e não mais tempo de servidão, além de criar mecanismos de transição, dentre outras alterações. Ainda, Senador Kajuru, no Governo FHC, adotou-se o fator previdenciário, que dificultava a aposentadoria precoce do trabalhador. Mais adiante, já no Governo Lula, veio a Emenda 41 e, com ela, vieram as regras diferenciadas para a aposentadoria dos servidores públicos: idade mínima de 60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher; o fim do direito à aposentadoria integral, com cálculo de proventos baseados nas remunerações ao longo da vida profissional do servidor; e as pensões que deixaram de ser integrais.

    A indagação que faço é: estavam os técnicos errados ou algo deu errado nisso tudo? Não estamos aqui para errar, porque, quando erramos, condenamos o servidor público e o trabalhador da iniciativa privada a pagar pelos nossos erros.

    Não posso ignorar os números, senhoras e senhores, e é inevitável admitir que a previdência precisa de reforma, mas afirmo, Senador Kajuru, sem qualquer contaminação político-ideológica na análise, que o texto apresentado contém excessos que serão de difícil consenso. Não acredito que a proposta apresentada não tenha sobras a serem aparadas, porque ela é infinitamente maior que qualquer possibilidade de aprovação neste Congresso Nacional. Não falo só por mim, pois, por tudo que se ouve, é difícil pensar no texto apresentado sem uma dezena de emendas.

    Os problemas da previdência não estão restritos à liquidez para fazer frente às necessidades das obrigações hoje devidas. As deficiências também são de ordem estrutural e precisam ser enfrentadas.

    Confesso que repudio a ideia, lançada por muitos que defendem a reforma, que atribui aos atuais e futuros contribuintes uma dívida que eles não construíram.

    É preciso que sejamos honestos para que não se demonizem os servidores públicos que passam à inatividade com benefícios maiores, porque eles efetivamente contribuem com mais, muito mais que aqueles que se submetem ao teto do regime geral. Se o servidor público se aposenta com proventos maiores, é porque sua contribuição é maior na mesma proporção que a do setor privado. Não há dúvidas de que é possível que haja distorções pontuais que precisam ser ajustadas, mas é preciso ser honesto, Senador Marcos, para não transformar os servidores públicos nos responsáveis pelos problemas que a previdência enfrenta.

    Vejo ainda a necessidade de um sistema de transição que assegure uma condição melhor para aqueles que já estão próximos da aposentadoria pelas regras atuais. Discutir uma transição efetiva é aspecto sobre o qual devemos nos debruçar, além de repartir os custos da reforma com todos, inclusive militares, que também respondem pelo anunciado déficit da previdência.

    A previdência social necessita de reforma, isso é fato, mas a construção de um modelo que se afaste do sentimento de sacrificar o trabalhador deve nortear o agir do Congresso Nacional, especialmente desta Casa. Não se pode pensar numa previdência que trate todos os trabalhadores de forma igual, porque o trabalho não é igual, Senador Kajuru. Não se chega aos 65 anos carregando cimento e fazendo concreto, tampouco trabalhando com a enxada, plantando, produzindo, sob sol e chuva, da mesma forma que se chega em outras profissões. Imaginem, senhoras e senhores, um grupo de pessoas, todas com 64 anos, empregadas da construção civil, trabalhando para levantar um edifício e aguardando mais um ano para se aposentar. A ideia já parece surreal se pensarmos que uma empresa de construção civil poderia absorver idosos para trabalhos tão pesados e desgastantes. É de se indagar se esses trabalhadores terão tempo de aproveitar...

(Soa a campainha.)

    O SR. LUCAS BARRETO (PSD - AP) – ... as suas aposentadorias com qualidade de vida e terem o devido e merecido descanso.

    Um outro aspecto que merece destaque, Senador Kajuru, é que não se pode moldar um sistema pela expectativa de vida das regiões mais desenvolvidas. Os dados do IBGE de 2017 relativos à expectativa de vida indicam que, entre Santa Catarina e Maranhão, a diferença é de quase nove anos a mais para o Estado do Sul – e isso se repete para os demais Estados das Regiões Norte e Nordeste. Ora, falamos de expectativa de vida, de limite de vida, de tempo médio de vida e, ao trazermos o sistema proposto ao encontro dessa realidade, pelo menos para o Norte e o Nordeste, vemos que ele não é justo, pois está concebido para não restar obrigação nenhuma para a previdência, ou seja, o trabalhador vai pagar até o fim dos seus dias.

    E não é só. O que dizer da redução nos valores do Benefício de Prestação Continuada (BPC)? A proposta ignora o sistema de proteção construído pela Carta de 1988, desconstruindo a dimensão inovadora dada ao princípio da dignidade da pessoa humana, considerando a amplitude que os direitos sociais representam. Começar com R$400 a partir dos 60 anos de idade é agredir o sistema de proteção que nos obrigamos a defender. Se existem distorções na sua concessão, elas devem ser corrigidas. Importante considerar que o BPC não é aposentadoria e, sim, benefício. Portanto, ele é assistência e não previdência.

    Trago aos senhores essas preocupações não porque sou contra a reforma...

(Soa a campainha.)

    O SR. LUCAS BARRETO (PSD - AP) – ... da previdência, Sr. Presidente – estou terminando –, mas para mostrar que precisamos reagir às distorções, às injustiças e à ideia de que tudo deve ser resolvido sob as lentes dos Estados mais abastados.

    Cansamos de sofrer! Precisamos reagir e construir uma proposta que possa, de fato, pensar um pouco no trabalhador e não somente na economia que teremos. Precisamos pensar como diminuir as desigualdades, mas começando por reduzir, como disse o Senador Kajuru aqui, o descontrole da máquina pública e por controlar a corrupção, que consome anualmente recursos da ordem de R$200 bilhões, segundo dados da ONU.

    E digo isso, Sr. Presidente, porque diariamente sou indagado sobre como vou me portar diante de todas essas questões, e isso é inquietante, Senador Kajuru. Temos uma responsabilidade muito grande com a nossa Nação, e dela não fugirei, tampouco me acovardarei em assumir publicamente meus atos para que tenhamos um sistema saudável, mas não permito que sejamos levados pelo extremo.

    A proposta está pensada para uma economia de mais de R$1 trilhão em dez anos, com transição para o sistema de capitalização, mas nós temos que pensar em quem pagará tudo isso!

    A nova previdência está sendo pensada para se adaptar aos novos rumos da economia e da expectativa de vida da população, mas ela deve se adaptar aos poucos, sem atropelar princípios. Como diz o Prof. paranaense Zulmar Fachin, a característica humana da Constituição Federal dá a ela um compromisso...

(Soa a campainha.)

    O SR. LUCAS BARRETO (PSD - AP) – ... induvidoso com a pessoa humana, nela se podendo identificar o ideário kantiano: as coisas têm preço, Senador Kajuru; o homem, dignidade!

    Para lembrar, tenho dito que, nesse projeto de emenda constitucional da reforma da previdência, precisa haver uma diferença entre o remédio e o veneno, e quem vai dar essa diferença somos nós – é a dose.

    Muito obrigado, Sr. Presidente...

    O Sr. Jorge Kajuru (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO) – Um aparte, Senador?

    O SR. LUCAS BARRETO (PSD - AP) – Se o Presidente me permitir.

    O Sr. Jorge Kajuru (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO) – Senador Lucas Barreto, quem está presente na Casa deve saber da capacidade do nosso chefe de cozinha, o Senador Lucas Barreto, não é?

    O SR. LUCAS BARRETO (PSD - AP) – É. (Risos.)

    O Sr. Jorge Kajuru (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO) – V. Exa. entra com um tempero neste tema da reforma da previdência.

    Eu aqui conversava, atento ao seu pronunciamento, com este reto e exemplar regimentalista que é o Senador Marcos Rogério. Eu dizia a ele assim: "Senador, o senhor concorda que, se fosse hoje a votação, tanto aqui como lá na Câmara, da reforma da previdência, o Governo do Bolsonaro sofreria uma humilhante derrota?" Eu penso que sim. E tomara Deus... E eu não vou sabotar o Brasil, pois sabotar o Governo Bolsonaro é sabotar o meu País, mas eu vou torcer para que o Presidente reflita e não tenha compromisso com o erro: errou, volta atrás. Para quem viu o vídeo dele ontem, ele disse que realmente a reforma da previdência deve ser aperfeiçoada, deve ser corrigida. Então, tomara Deus que ele entenda isso!

    Para finalizar, Presidente Bolsonaro, os erros que o Senador Lucas Barreto, de forma precisa, coloca agora, no que tange aos trabalhadores urbanos e rurais... Para mim, ele só tem... Respeitosamente, Senador Marcos, Senador Veneziano Vital do Rêgo, Senador Lasier Martins, enfim, uma seleção aqui de notáveis Senadores, para mim, os trabalhadores urbanos e os rurais só têm duas chances de aposentadoria. E desculpem-me aqui o meu lado Chico Anysio. São duas chances: a primeira, óbito; a segunda, ser um Raul Seixas e ter nascido "há dez mil anos atrás".

    Parabéns pelo seu pronunciamento.

    O Sr. Marcos Rogério (Bloco Parlamentar Vanguarda/DEM - RO) – Nobre Senador, permita-me um aparte.

    O SR. LUCAS BARRETO (PSD - AP) – Senador Marcos.

    O Sr. Marcos Rogério (Bloco Parlamentar Vanguarda/DEM - RO) – Eu queria inicialmente saudar V. Exa. pelo acerto do pronunciamento. No momento em que o País está na expectativa das decisões deste Parlamento com relação à proposta de emenda à Constituição que modifica as regras da previdência, V. Exa. traz o tema ao debate no Senado Federal, muito embora a proposta não esteja no Senado Federal, pois ela tem início pela Câmara dos Deputados e, posteriormente, vem a esta Casa. O Senador Kajuru iniciou o aparte dele com uma frase que eu iniciaria: a proposta precisa de tempero. E V. Exa., como um conhecedor dessa ciência, trouxe aqui alguns ingredientes para discussão que caminham, que dialogam justamente com esse pensamento.

    É claro e evidente que o Brasil precisa da reforma da previdência. O cenário do Brasil real de hoje é diferente do Brasil de 40. A taxa de natalidade do Brasil de 40 era muito diferente da taxa de natalidade de hoje: lá, em média 6; hoje, está 1,7. A expectativa média de vida na década de 40 era uma; hoje, outra. Nós estamos com a expectativa de vida hoje na casa dos 75,2; na década de 40, eram 30 anos menos do que hoje. Então, é óbvio que o Brasil mudou. As características da sociedade brasileira vêm mudando de lá para cá. E o sistema projetado naquela configuração de sociedade não se sustenta mais.

    Agora, é preciso refletir também, Senador Lucas Barreto – e V. Exa. aborda isto com propriedade –, que, numa reforma como essa, não podemos e não vamos jogar a conta para quem ganha menos. Essa conta não é deles. Não podemos fazer injustiça com essa reforma. É preciso acabar, sim, com os privilégios e acabar, reduzir com o rombo da previdência. E há algo em que poucos querem tocar, mas que é preciso: é preciso enfrentar os devedores. O Governo que não tem eficiência para cobrar dos que devem não pode ser impiedoso com os que ganham menos. É preciso fazer o dever de casa. Quantas anistias este Parlamento já não aprovou aqui? Quantos Refis já não se aprovaram aqui?

    Veja que eu não descarto aqui a necessidade da reforma, longe de mim, pois o Brasil precisa realmente da reforma da previdência – essa não é uma questão do Presidente Bolsonaro, é do País, e dizer o contrário é não ter responsabilidade com o País –, mas é preciso fazê-la com responsabilidade.

    Concluo o aparte, saudando V. Exa. pelo acerto do pronunciamento, com um pensamento: quem elabora e envia a proposta ao Parlamento é o Governo, mas cabe ao Parlamento, pelo papel constitucional que tem, discutir, mudar e votar pelo Brasil e pelos brasileiros.

    Minhas homenagens a V. Exa.

    O SR. LUCAS BARRETO (PSD - AP) – Obrigado, Senador Marcos e Senador Kajuru. Peço que incorporem o aparte dos nossos Senadores ao meu pronunciamento.

    Eu queria pedir a V. Exa., Presidente, que determine que haja também uma Comissão mista, uma Comissão de Senado e Câmara, para que o Senado possa ter acesso logo ao que está sendo discutido, ao que pode ser aprovado, porque, se isso chegar aqui em junho, julho ou agosto e ainda for se discutir e mudar alguma coisa, voltando para lá, não se aprovará tão cedo essa reforma.

    Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/02/2019 - Página 29