Discurso durante a 17ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre a evolução dos direitos das mulheres em homenagem ao Dia Internacional da Mulher.

Autor
Izalci Lucas (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/DF)
Nome completo: Izalci Lucas Ferreira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Reflexão sobre a evolução dos direitos das mulheres em homenagem ao Dia Internacional da Mulher.
Publicação
Publicação no DSF de 08/03/2019 - Página 32
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, MULHER, COMENTARIO, EVOLUÇÃO, DIREITOS.

  SENADO FEDERAL SF -

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07/03/2019


    O SR. IZALCI LUCAS (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PSDB - DF. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, hoje, aqui neste Senado Federal, vou fazer um pronunciamento com informações que já mencionei anteriormente, mas que vou repeti-las enquanto forem repetidas as violências, o descaso e a falta de respeito e amor às nossas mulheres. Aquelas que nos gestaram, criaram e nos educaram a sermos homens e mulheres de bem e do bem. Essas mulheres, muitas delas, fizeram a história desse país. Por isso, é importante conhecer as dificuldades e os obstáculos que todas tiveram que superar.

    Senhoras e senhores, peço-lhes atenção para esse meu pronunciamento.

    Houve um tempo em que as mulheres não podiam opinar, estudar e trabalhar fora de casa, nem sequer pensar. Viajar sem autorização do homem (pai ou marido), era caso de polícia. Não podiam votar nem serem votadas. Houve um tempo em que nada disso era possível. Mesmo assim elas subverteram a ordem e fizeram acontecer. Lideraram movimentos com coragem e, acima de tudo, abnegação.

    Passaram por cima de todas as convenções e ousaram Ah! Como ousaram. Em todos os séculos as mulheres do Brasil agitaram, reivindicaram, fizeram acontecer.

    Para calá-las, castigaram-nas, para calá-las, assassinaram-nas. Como se tudo isso não bastasse, era preciso apagá-las da memória. Era preciso apagar-lhes os rastros. Elas não poderiam ser lembradas como autoras. Então se passou uma borracha em tudo aquilo que poderia lembrar-lhes. As poucas que sobraram viraram apenas companheiras de heróis.

    Mas o que é verdade, mas cedo ou mais tarde aparece. Pode até ser depois de séculos, mas aparece. Em algum momento, ela e o exemplo delas de luta e de coragem vão aparecer.

    Hoje, no dia internacional da mulher, faço uma homenagem a essas heroínas que lutaram e, mesmo diante de adversidades, conseguiram conquistar tanto e fazer muito por esse nosso Brasil.

    Por isso, a nossa homenagem vai para algumas dessas mulheres e, em nome delas, homenageio a todas as mulheres do Brasil. As do passado, principalmente, mas também do presente, e as que virão no futuro, pelo belo exemplo deixado pelas nossas heroínas.

    São muitas, vou citar apenas algumas para aguçar a curiosidade de todos em saber quem foram essas mulheres que mudaram o país.

    Aquelas que trouxeram liberdade, educação e, sobretudo, cidadania. Vou começar por Ana Pimentel que governou a capitania hereditária de São Vicente. Seu marido, o donatário Martim Afonso de Souza, aquele que todos nós conhecemos pelos livros escolares, estava mais preocupado em subtrair as riquezas do nosso país do que em promover qualquer desenvolvimento na colônia de Portugal.

    Ana, que pensava diferente, conseguiu que ele assinasse uma procuração dando-lhe poderes para iniciar o plantio de arroz, laranja, trigo e a criação de gado e, assim, Ana governou e como governou. Da mesma forma no Rio, Espírito Santo e Pernambuco, foram Benta, Luiza e Brites que tomaram a frente para governar as capitanias.

    Ninguém sabe disso, não está nos nossos livros escolares.

    Escravos chegavam da África para o Brasil, mas a partir do Século XVII as mulheres africanas começam a participar mais intensamente das revoltas e das fugas e partem para a luta pela liberdade e independência. O exemplo delas vale para todas as mulheres. Sabiam que poderiam fazer, construir e, sobretudo evoluir. Como escravas, sejam de seus maridos ou do sistema era impossível evoluir.

    Um desses exemplos é Aquatune, uma princesa do Congo que foi capturada e enviada ao Brasil como escrava para reprodução. Aqui liderou a fuga de um grupo de escravos, foi para o Quilombo dos Palmares e governou uma das aldeias. Ali fez o que pode, mas os homens da aldeia eram os chefes. Dizem ser a Avó de Zumbi. Mas como a memória foi apagada, não se pode confirmar.

    Três mulheres tiveram papel fundamental na Inconfidência Mineira: Hipólita Jacinta Teixeira de Melo, Maria Dorotéia Joaquina de Seixas e Bárbara Heliodora. Em carta aos inconfidentes, foi Hipólita Jacinta quem denunciou Joaquim Silvério dos Reis como traidor do movimento.

    Acho que não acreditaram. E deu no que deu. Com o fim da Inconfidência ela foi perseguida e perdeu todos os seus bens.

    As outras, apesar da luta foram também esquecidas, uma delas ficou famosa pelo poema do marido inconfidente que na prisão escreveu e lhe dedicou uma das mais belas páginas do cancioneiro mineiro (Marília de Dirceu).

    A outra, aqui e acolá, é lembrada pela inclusão da importância da educação no programa de governo dos inconfidentes. Embora por pouco tempo, a Independência do Brasil foi conquistada no Sul do Ceará.

    Ali a Revolução Pernambucana de 1817, proclamou a independência do Brasil cinco anos antes do célebre grito do Ipiranga, formando um governo provisório, com uma ala jacobina que propôs a libertação imediata dos escravos.

    O novo governo durou pouco mais de dois meses tendo à frente como presidente do Brasil Bárbara de Alencar, uma republicana autêntica e corajosa. Com o fim do Governo, Bárbara foi presa e cruelmente tratada nas prisões do Ceará, Pernambuco e Bahia durante três anos. Bárbara de Alencar foi a primeira presa política do Brasil. Ela é avó do romancista José de Alencar que nem chegou a conhecê-la.

    

Pela independência morreu Joana Angélica na Bahia. Maria Quitéria se vestiu de soldado e foi para a trincheira lutar e Anita Garibaldi deu o tom na Revolução Farroupilha.

    Maria Tomásia Figueira liderou um grupo de mulheres cearenses pela libertação dos escravos e conseguiu em 1884 que o Ceará se tornasse o primeiro estado a abolir a escravatura, quatro anos antes da Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel, uma mulher de pensamento arrojado para sua época, partidária de ideias modernas como o sufrágio feminino e a reforma agrária.

    Uma personagem marcante do Brasil do Século IX foi Nísia Floresta Brasileira Augusta. Natural do Rio Grande do Norte, Nísia foi precursora do feminismo no Brasil e, com seus escritos, conseguiu chamar a atenção sobre a condição feminina da época, defendendo a emancipação das mulheres.

    A emancipação, os direitos ao voto e à educação movimentam o Brasil em fins de século. Na Bahia é lançado o primeiro jornal escrito por mulheres sob a batuta da jornalista Violante Atalipa Bivar e Velasco. A carioca Maria Augusta Generoso Estrela muda-se para os Estados Unidos para estudar medicina. Sua atitude provoca mudanças no ingresso da faculdade de medicina. Logo depois, o Brasil forma suas primeiras médicas. As gaúchas Rita Lobato e Antonieta Dias e a cearense Amélia Pedroso Benebien.

    As advogadas se inscrevem em concursos, mas são vetadas. Myrtes Campos, advogada carioca tem o seu pedido de registro negado pelo Instituto dos Advogados do Brasil (hoje OAB) com a justificativa de que para advogar, deveria ter o consentimento do marido.

    Maria José Rebelo, recorre ao jurista Rui Barbosa e consegue o direito de prestar o concurso para o Rio Branco. Classifica-se em primeiro lugar e, apesar das críticas sobre a "perigosa marcha do feminismo no Itamaraty", tornou-se a primeira diplomata brasileira, nomeada em 1918.

    Ano de eleição ainda na República Velha, duas mulheres fundam o Partido Republicano Feminino - PRF. A jornalista Leolinda Daltro e a escritora Gilka Machado. Embora se chamasse partido, a agremiação era composta por pessoas sem direitos políticos. Era o início de um movimento que mais tarde agregaria lideranças como Bertha Lutz e Maria Lacerda de Moura, responsáveis por avanços e direitos que hoje as mulheres brasileiras usufruem.

    Bertha Lutz foi, sem sombra de dúvidas, a maior liderança feminina brasileira do século XX. Os direitos políticos das mulheres só foram adquiridos graças a sua perseverança. Por isso, esta Casa tem hoje um prêmio em seu nome e pode, com certeza, divulgar o trabalho, a luta e a tenacidade das mulheres brasileiras.

    As sufragistas lideradas por Bertha ganharam corpo e em 1927 conseguiram no Rio Grande do Norte incluir o direito das mulheres votarem e serem votadas. Aí, apareceu a primeira eleitora registrada que abre caminho para que Alzira Soriano ganhe as eleições em Lajes/RN e se torne a primeira prefeita brasileira.

    Finalmente em 1932 as mulheres brasileiras conquistam o direito de votar e serem votadas e elegem a primeira deputada federal, a paulista Carlota Pereira de Queiroz e nove estados brasileiros elegem suas deputadas estaduais constituintes. Cinco anos depois, com o estado novo, elas têm seus direitos políticos cassados.

    Animadas pela agitação do pós-guerra e pela redemocratização do país, as mulheres brasileiras tentam ocupar espaços nas Câmaras Municipais, nas Assembléias Legislativas e no Congresso.

    A carioca Lygia Lessa Bastos, aos 24 anos, é eleita vereadora e ficaria na vida pública por quase quarenta anos. Lygia foi a relatora da lei do Divórcio, autora de projeto que promoveu a abertura da Academia Brasileira de Letras às mulheres, além da regulamentação da profissão de artista, entre outros.

    Fiz uma homenagem à Lygia, em 2016, aqui no Congresso Nacional. Lygia estava com 97 anos e lúcida. Vivia com o único bem que possuía (apartamento pequeno no flamengo) e sua aposentadoria como professora. Lygia é e sempre será exemplo para todas as mulheres brasileiras. Lygia é exemplo para todos nós que aqui estamos representando o povo brasileiro.

    Até os anos 70, as mulheres brasileiras não podiam trabalhar, nem tampouco viajar sem a permissão dos maridos. Em 1962, A

advogada Romy Medeiros, fundadora do Conselho Nacional de Mulheres, consegue aprovar o Estatuto da Mulher Casada e a mulher brasileira deixa de ser civilmente incapaz.

    Os movimentos feministas entraram na pauta das brasileiras muito antes de eclodirem no mundo. Na Semana de Arte Moderna de 1922, Tarsila do Amaral, Anita Malfati, Zina Aita, Yolanda Penteado e, já no movimento antropofágico, a revolucionária Pagú, subvertem costumes e ousam desafiar os poderes dominantes da época.

    Nos anos 60 a ecologista e ex-aluna de Portinari, Lota de Macedo Soares criou um grupo de trabalho de notáveis com a participação do paisagista Burle Marx e do arquiteto Sérgio Bernardes e fez para a cidade do Rio de Janeiro um dos mais completos parques urbanos do país - O Aterro do Flamengo

    Nos anos 70, as mulheres não se intimidam. A atriz Leila Diniz dá uma entrevista falando de sexo e política, e mostra a naturalidade de sua gravidez ao trocar o maio pelo biquíni para ir à praia. A partir de então, as grávidas não seriam mais as mesmas.

    Quatro parlamentares são eleitas para o Congresso Nacional. Cristina Tavares de Pernambuco, Lúcia Viveiros do Pará, Junia Marise de Minas e Lygia Lessa Bastos do Rio de Janeiro. Raquel de Queiroz torna-se a primeira mulher a ser eleita para a Academia Brasileira de Letras.

    Os ares da democracia trazem novos ganhos com as mulheres se destacando e tomando a frente de lutas e conquistas sociais. O novo código civil é aprovado. Sai a exigência de virgindade da mulher para a anulação do casamento.

    Dona Ruth Cardoso encabeça a luta contra a fome que agrega mulheres do Brasil inteiro para criar os programas sociais que hoje aí estão.

    Em 2004, se elimina do código penal o termo "mulher honesta"- em vigor desde 1940, e em 2006 o Governo Federal envia e o Congresso aprova a Lei Maria da Penha que altera o Código Penal, possibilitando que agressores de mulheres no âmbito doméstico e familiar sejam presos em flagrante. Eles também não podem mais ser punidos com penas alternativas.

    Deixei muitas mulheres de fora desse meu pronunciamento, não pela importância delas porque se formos pegar ano por ano durante os 519 anos da existência do nosso Brasil, tivemos tantas mulheres atuando, lutando e trabalhando em favor de um lugar melhor e mais justo para se viver. Mas estou aqui para lembrá-las e, sobretudo, para reverenciá-las, pelo papel que desempenharam e desempenham em favor de um Brasil melhor, mais igual e mais justo.

    E peço aos meus pares aqui nesta casa de leis: vamos limpar essa poeira, mostrar para o Brasil, essas mulheres maravilhosas que tanto lutaram pelo nosso país e dar-lhes o lugar de destaque que elas merecem. Vamos começar por Bárbara, Maria Quitéria, Ana Nery e Anita Garibaldi. Mas vamos mostra-las todas e divulga-las em nosso museu de heróis e heroínas.

    Essas mulheres são as nossas mães, as mães de todos nós e foram elas que nos ensinaram a ser homens e mulheres de bem. As que estão seguindo essa luta, devem ser, por todos nós, não só admiradas, mas respeitadas, apoiadas e, acima de tudo, protegidas.

    A força e o trabalho delas têm que ter amparo na família e na justiça. Estamos falando de mulheres que são as nossas mães, avós e, sobretudo, as nossas companheiras. É delas que viemos. Por elas que vivemos e sempre será assim.

    Era o que tinha a dizer. Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/03/2019 - Página 32