Discurso durante a 23ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Defesa de melhores critérios para a aplicação da Convenção de Haia, de 1980, sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças. Críticas à AGU por ação de busca e apreensão e restituição de menor que obteve sentença desfavorável à Srª Valéria Ghisi e conseguiu retirar sua filha do território brasileiro e enviá-la à França, dando a guarda ao pai. Questionamentos sobre a aplicabilidade da Convenção de Haia e apelos à AGU e ao Ministério da Justiça para adoção dos procedimentos necessários para a recomposição da justiça no referido caso.

Autor
Alvaro Dias (PODE - Podemos/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL:
  • Defesa de melhores critérios para a aplicação da Convenção de Haia, de 1980, sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças. Críticas à AGU por ação de busca e apreensão e restituição de menor que obteve sentença desfavorável à Srª Valéria Ghisi e conseguiu retirar sua filha do território brasileiro e enviá-la à França, dando a guarda ao pai. Questionamentos sobre a aplicabilidade da Convenção de Haia e apelos à AGU e ao Ministério da Justiça para adoção dos procedimentos necessários para a recomposição da justiça no referido caso.
Publicação
Publicação no DSF de 15/03/2019 - Página 84
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL
Indexação
  • DEFESA, MELHORIA, CRITERIOS, APLICAÇÃO, CONVENÇÃO, HAIA, COMENTARIO, BUSCA E APREENSÃO, MENOR.

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - PR. Para discursar.) – Senador Kajuru, muito obrigado.

    Certamente, vamos travar aqui um bom debate sobre o futebol como patrimônio cultural do povo brasileiro e como uma atividade essencialmente econômica, geradora de emprego, de renda, de receita pública, promotora, portanto, do desenvolvimento econômico do País.

    Mas hoje eu peço permissão a V. Exa. para fazer um pronunciamento escrito. Não gosto muito de ler discurso, mas, em razão da complexidade do tema, especialmente a complexidade jurídica do tema, eu prefiro fazer a leitura do discurso, sem prejuízo do drama. As preciosidades jurídicas, as especialidades jurídicas não podem esconder o drama que seres humanos vivem muitas vezes em razão da injustiça contra eles praticada.

    E, antes de iniciar o pronunciamento, eu quero manifestar a minha inteira solidariedade a um grande amigo no Paraná e, mais do solidariedade, a minha admiração pela luta que ele trava em defesa da sua pequena e querida neta. Eu me refiro ao Ricardo MacDonald Ghisi, que trava uma batalha para ter o direito de ter a sua neta vivendo no Brasil.

    Mas eu vou fazer a leitura desse pronunciamento e certamente todos entenderão melhor o drama que vive esta família do Paraná.

    Eu vou falar sobre algo importante: o Brasil precisa melhorar os critérios para a aplicação da Convenção de Haia, de 1980, sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças.

    O desentendimento entre pai e mãe de nacionalidades diferentes que se separam e disputam a permanência dos filhos ao lado de cada um em países distintos constitui um fenômeno complexo e em progressiva ampliação. Nesses casos, o entendimento é, em geral, mais difícil, visto que o deslocamento dispendioso prejudica a construção de uma agenda de visitas e a guarda compartilhada nem sempre é viável. Esses casos se multiplicam diante do grande intercâmbio de pessoas no mercado de trabalho e no meio acadêmico, bem como da grande geração de movimentos migratórios internacionais pelos mais variáveis motivos, o que proporciona o aumento da formação de casais de diferentes nacionalidades.

    Esse fenômeno de enorme complexidade jurídica, onde em regra estão envolvidas duas jurisdições, vem sendo objeto de acordos internacionais. Um deles é a Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, concluída na cidade de Haia, em 25 de outubro de 1980, da qual o Brasil é signatário. Essa convenção deve ser aplicada quando a transferência ou a retenção de uma criança for considerada ilícita. Como Estado contratante, o Brasil indicou a Autoridade Central Administrativa Federal (Acaf), que funciona no Ministério da Justiça e atua em conjunto com a Advocacia-Geral da União (AGU), visando implementar os procedimentos da convenção.

    Um ponto fundamental a que a Acaf e a AGU precisam estar atentas diz respeito à adequada caracterização da ilegalidade da transferência ou da retenção da criança quando da análise de um caso concreto. Essa caracterização é questão primordial para que se tenha condições jurídicas e, portanto, legitimidade para aplicação do texto da convenção. Não estando a ilegalidade demonstrada de forma cristalina, deve-se atuar no sentido de facilitar uma solução amigável.

    Feitas essas considerações, reitero o registro de um drama que continua sendo vivenciado por uma família paranaense. A psicóloga e professora universitária Valéria Ghisi Silveira se viu obrigada a acompanhar sua filha, a menina Naomi, que foi retirada do território brasileiro e enviada à França, terra natal do pai, em novembro de 2016. A criança, nascida na França, de pai francês e mãe brasileira, foi trazida ao Brasil pela mãe em 2014, com o consentimento do pai, com a intenção de permanecer por cerca de dois meses no Brasil. A mãe da criança, vítima de violência doméstica devidamente registrada em ocorrência policial e processo judicial na França, decidiu não retornar àquele país.

    Lançando mão da mencionada convenção e alegando retenção ilegal da criança no Brasil, o pai, por meio de uma ação de busca e apreensão e restituição de menor movida pela AGU, que atuou em cooperação jurídica internacional, logrou êxito de obter uma sentença desfavorável à mãe e conseguiu retirar a criança do território brasileiro e enviá-la à França, onde está até hoje. A criança tinha pouco mais de um ano de idade.

    A sentença da Justiça Federal do Paraná continha algumas condicionantes e, sem o cumprimento de todas essas salvaguardas, o retorno da criança não poderia ser determinado. Ocorre que, após o retorno da criança à França, verificou-se a ocultação da informação de que pai promovia ação criminal contra a mãe por sequestro internacional na França, o que impediria a observância das salvaguardas impostas pela Justiça brasileira. Chegando ao território francês, a mãe foi temporariamente detida e se quebrou o compromisso com a salvaguarda que garantia à mãe a guarda provisória da criança.

    Diante do descumprimento da sentença, a juíza prolatora da mesma, ao retomar o processo após sua licença, condenou solidariamente a AGU e o genitor por litigância de má-fé. A juíza da 1ª Vara da Justiça Federal do Paraná reconheceu que a AGU não apresentou os fatos em juízo conforme a verdade, alterou a verdade dos fatos e se coligou ao pai francês para lesar a mãe brasileira no processo. Veja a estupidez do inusitado: a autoridade brasileira aliando-se à autoridade francesa, comportando-se injustamente em prejuízo de uma família brasileira.

    Cabe ressaltar que não apenas na primeira instância a atuação da AGU foi contestada. O procedimento adotado pela AGU não está recebendo respaldo também na segunda instância.

    Chama a atenção a divergência de entendimento a respeito da aplicação da convenção ao caso concreto, que caracteriza o entendimento da Desembargadora Marga Barth Tessler, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que em 2018 relatou a apelação civil relacionada ao processo de busca e apreensão e restituição de menor. Na decisão, a Desembargadora destaca a dúvida sobre o efetivo direito de guarda da criança pelo pai quando da partida da criança para o Brasil. Esse cabal e efetivo direito de guarda do pai não combina com o registro de ocorrência policial na França...

(Soa a campainha.)

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - PR) – ... onde a mãe, vítima de violência doméstica, em determinado momento era quem residia com a criança na França.

    Ressalta a Desembargadora que, não havendo clareza a respeito da efetiva guarda por parte do pai, a permanência da criança com sua mãe no Brasil não configuraria uma retenção ilegal e, consequentemente, não fundamentaria uma situação de sequestro internacional de criança, que legitimaria a aplicação da convenção. A cabal configuração da ilegalidade é condição sem a qual não se deve aplicar a norma internacional.

    Ainda assim, continua a Desembargadora, mesmo que clareza existisse na situação de guarda da criança em favor do pai, a violência doméstica sofrida pela mãe, devidamente registrada em ocorrência policial e processo na França...

(Soa a campainha.)

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - PR) – ... representaria um óbice às pretensões do pai de ter a filha repatriada para o território francês.

    A divergência – vou terminar, Presidente; mais alguns segundos, alguns minutos – entre o entendimento do Poder Judiciário, da AGU e também da Autoridade Central no que diz respeito ao preenchimento dos requisitos necessários à aplicação da convenção no caso concreto indica que o assunto não está bem compreendido pelas instituições do Poder Executivo brasileiro. Restou evidente no processo a ausência de uma posição madura e consolidada das instituições brasileiras, e isso criou transtornos irreparáveis à família envolvida. O entendimento a respeito de situação tão grave não pode ficar ao sabor do entendimento desse ou daquele profissional da Administração Pública, por mais brilhante que seja. Precisa haver um entendimento consolidado...

(Soa a campainha.)

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - PR) – ... que seja o entendimento do Governo brasileiro, e não do profissional do dia. Precisa haver um protocolo bem definido e claro.

    O excesso de empenho da advogada da AGU em aplicar a Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, mesmo restando dúvidas quanto à legitimidade de aplicá-la ao caso concreto, bem como a omissão de informações no processo, já foi objeto de representação da mãe da criança perante a Ordem dos Advogados do Brasil.

    A posição distante e pouco diligente da Autoridade Central Administrativa Federal (Acaf) na certificação do preenchimento dos requisitos necessários à aplicação da convenção já foi registrada junto ao Ministério da Justiça.

    Diante da situação posta, que é trágica para a família que ilustra essa história, e poderá ser trágica para outras famílias brasileiras...

(Soa a campainha.)

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - PR) – Eu vou concluir, Sr. Presidente, mas o tema é muito importante, porque diz respeito a injustiças que são praticadas de forma irresponsável, eu diria, em razão da leniência, sobretudo injustiças praticadas contra famílias brasileiras por imposição externa aos interesses nacionais.

    Portanto, diante dessa situação posta, que é trágica para a família que ilustra essa história, e poderá ser trágica para outras famílias brasileiras que se encontram em situação semelhante, nós fazemos um apelo ao atual Advogado-Geral da União: que solicite uma avaliação criteriosa e transparente da atuação da profissional da AGU...

(Interrupção do som.)

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - PR. Fora do microfone.) – ... que atuou nesse caso concreto...

(Soa a campainha.)

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - PR) – Mais um minutinho, Presidente.

    O SR. PRESIDENTE (Jorge Kajuru. Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO) – É por causa da sessão. Desculpa.

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - PR) – ... que atuou nesse caso concreto, em que fortes evidências levam ao entendimento de que não seria uma situação de aplicação da convenção. Identificado prejuízo à família brasileira por falta de atuação diligente da profissional que atuou no processo em nome da AGU, que a Advocacia-Geral da União adote os procedimentos necessários à recomposição da justiça.

    Faço também um apelo ao atual Ministro da Justiça, Sergio Moro: que, junto com o Advogado-Geral da União, constitua uma comissão de especialistas para definir um protocolo objetivo destinado a embasar o entendimento das instituições brasileiras a respeito de ser ou não o caso de aplicação da convenção a um determinado caso concreto, especialmente no que diz respeito...

(Soa a campainha.)

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - PR) – ... à adequada caracterização da ilegalidade da retenção de crianças em Território nacional.

    Fica, portanto, o registro desse drama que acomete uma família paranaense e o apelo às autoridades brasileiras.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.

    O SR. PRESIDENTE (Jorge Kajuru. Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO) – Nós que agradecemos os pronunciamentos feitos, sempre com propriedade, pelo Senador do Paraná, Líder do Podemos, Alvaro Dias.

    Eu só pediria, rapidamente, por fineza, a compreensão dos nossos companheiros, de V. Exas. – há mais dois oradores inscritos –, porque o Senador Antonio Anastasia já está aqui para comandar a sessão justa em que se celebra o Dia do Imigrante Italiano.

    Então, por fineza, gente, desculpa. Os embaixadores já estão presentes. Vamos tentar objetivar os trabalhos.

    De imediato, eu chamo para fazer uso da tribuna o orador inscrito, representando sempre com orgulho o Mato Grosso, o Senador Wellington Fagundes. Posteriormente, o Senado de Pernambuco, com orgulho, Humberto Costa, que, aliás, é médico.

    Com prazer, Senador Wellington Fagundes.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/03/2019 - Página 84