Discurso durante a 23ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a grave crise da segurança pública no País, com destaque aos assassinatos da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, que completa um ano, e ao massacre em Suzano (SP). Críticas à política armamentista do atual Governo.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Reflexão sobre a grave crise da segurança pública no País, com destaque aos assassinatos da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, que completa um ano, e ao massacre em Suzano (SP). Críticas à política armamentista do atual Governo.
Publicação
Publicação no DSF de 16/03/2019 - Página 130
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, CRISE, SEGURANÇA PUBLICA, BRASIL, ENFASE, CRIME, VITIMA, VEREADOR, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), MORTE, CRIANÇA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, MUNICIPIO, SUZANO (SP), CRITICA, POLITICA, ARMAMENTO, GOVERNO FEDERAL.

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14/03/2019


    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, telespectadores da TV Senado, ouvintes que nos acompanham pela rádio Senado, internautas que nos seguem pelas redes sociais, nesta quinta-feira, 14 de março, em que se completa um ano da execução da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, o Brasil se vê em luto por outra tragédia nacional, que foi a ocorrida ontem, em Suzano, na Grande São Paulo.

    Oito assassinatos praticados por dois jovens, que depois se mataram - sete deles dentro de uma instituição de ensino, a escola Professor Raul Brasil - deixaram outros 11 feridos e o país perplexo diante da crueldade e do enredo que envolve seus autores.

    Dois rapazes de 17 e 25 anos que prepararam meticulosamente um crime bárbaro contra funcionários e colegas pelo simples exercício do ódio, o mesmo motor que deu ânimo aos executores de Marielle, como ressaltou a própria polícia.

    Arquitetura do Crime

    Como disse a mãe de um deles, "é chocante ver meu filho chamado de assassino. Mas chamar de quê?". É a triste constatação de alguém que desconhecia as atividades do próprio filho, não tinha ciência de seus interesses, às redes sociais por onde navegava, ao que via e buscava na Internet, aos jogos eletrônicos que usava e, sobretudo, a como combinava tudo isso com a realidade em que vivia.

    Está muito evidenciado que os assassinos, ambos sem quaisquer antecedentes criminais, amigos de infância, são um produto dessa sociedade doente dos dias atuais, em que o diálogo, o embate de ideias e os fatos estão cedendo espaço à intolerância, à violência e à mentira.

    E não posso deixar de registrar aqui que todo esse ambiente pernicioso no Brasil vem sendo intensificado nos últimos meses, com a entusiasmada militância de Jair Bolsonaro.

    Não é segredo para ninguém que toda a vida pública de Bolsonaro foi pautada pelo discurso da truculência, do ataque ao outro, da desqualificação alheia, da defesa da tortura. Nada disso ele nega, ao contrário, tem orgulho de reafirmar. E tudo isso foi potencializado durante a campanha presidencial, em que o ódio aos adversários, especialmente ao PT, foi disseminado pelo então candidato.

    Bolsonaro apresentou-se como um justiceiro. Vendeu aos brasileiros a imagem de que iria resolver os problemas da violência no país na base da bala, encarceramento indiscriminado, na lei do olho por olho, dente por dente, na supressão do direito de minorias, na eliminação de desafetos. E assegurou aos brasileiros que todos iriam poder resolver suas desavenças do mesmo jeito.

    Foi ele que disse, como candidato, que iria exilar ou mandar prender opositores. Foi ele que insuflou seus eleitores a "fuzilar a petralhada". Foi ele que usou objetos nos comícios para simular fuzis e consagrou o gesto de se fazer uma arma com a mão.

    Gesto, aliás, que ele ensaiou até mesmo com crianças em seu colo, simulando com elas o ato de atirar com armas de fogo.

    No posto de Presidente da República, um dos primeiros atos de Bolsonaro foi autorizar - por meio de um decreto ilegal que estamos questionando no Supremo Tribunal Federal - que cada brasileiro possa ter a posse de quatro armas. E, agora, quer liberar o porte nos centros urbanos, vendendo essa medida como se ela, de pronto, fosse resolver todos os graves problemas pelos quais passa o Brasil.

    Foi essa a tônica que marcou a chacina de ontem, em Suzano. Não há como nós não enxergamos nesses dois jovens, um deles, pelo menos, defensor e apoiador de Bolsonaro nas redes sociais, as digitais do discurso de ódio propagado permanentemente pelo presidente da República não só no período de campanha, mas também no exercício do cargo para o qual foi eleito. Bolsonaro e os que agem como ele influenciam autores de tragédias como essa.

    Foram necessárias seis horas após o massacre para que ele fosse às redes sociais se manifestar em favor das vítimas e dos seus familiares. Talvez, porque não tivesse o que dizer. Talvez, porque estivesse pensando em alguma frase em que pudesse inserir no meio daqueles corpos de inocentes, como ousaram fazer alguns de seus apoiadores neste Congresso Nacional, a defesa das armas. Por fim, parece ter resolvido não cruzar a linha da sanidade e rendeu-se a chamar o ato de "monstruosidade".

    Segurança Pública

    A segurança pública é um monopólio constitucional do Estado. Ela não pode ser terceirizada. Ninguém pode oferecer ao cidadão a ideia de que ele possa ter uma arma e sair por aí fazendo justiça com as próprias mãos, que ele saia resolvendo suas diferenças na troca de tiros. Isso é algo inaceitável. É eliminar o Estado como responsável pela resolução de conflitos. É acabar com as forças de segurança. É empurrar a sociedade para o estágio da barbárie.

    As milícias são um exemplo bem-acabado desse poder paralelo. Hoje, estão absolutamente fora de controle em lugares como o Rio de Janeiro, ingovernáveis, com seus tentáculos em todas as estruturas do Estado e seus membros recebendo honrarias e homenagens do Poder Público, como tomamos conhecimento recentemente.

    O Brasil foi o país que mais registrou mortes por armas de fogo no ano passado em todo o mundo. Foram mais de 43 mil assassinatos. E o presidente da República, para atender aos interesses econômicos da indústria armamentista e dos países exportadores de armas, como os Estados Unidos, quer inundar o país com mais armas. É um absurdo.

    Se o Estatuto do Desarmamento tem falhas, como a lacuna em relação às armas brancas, vamos aperfeiçoá-lo. Vamos endurecer a legislação para melhorar a lei. Esta é a função desta Casa.

    Agora, o que é absolutamente inaceitável é, vivendo num cenário de guerra desse como o que vivemos, abrirmos as portas para que o país receba uma enxurrada de armamentos que acabem ficando à mão das nossas crianças e jovens, como os que ontem praticaram aqueles homicídios em São Paulo.

    Nós precisamos de uma política de segurança pública séria e moderna, que seja capaz de responder aos novos desafios impostos pela atualidade. Precisamos equipar melhor nossas polícias e, fundamentalmente, precisamos investir em inteligência policial porque, sem ela, estaremos sempre atrás da criminalidade.

    O Estado sobe o morro para revistar favelas. Violenta pobres e negros. Vai a escolas revistar bolsas de crianças à procura de arma. Mas é incapaz, por exemplo, de descobrir um matador de aluguel e tem em sua posse 117 fuzis M-16. Como pode o Estado, dessa forma, fazer face ao crime e à violência?

    Então, num dia como o de hoje, em que se completa, um ano da morte de Marielle Franco e de Anderson Gomes e em que o Brasil enterra as vítimas do massacre de Suzano, nós temos de tomar consciência que não é escoando mais armas para a sociedade que nós vamos conter os homicídios, reduzir a violência.

    Ao contrário, atos dessa natureza só vão piorar a nossa situação, razão pela qual esse decreto de Bolsonaro que ampliou a posse de armas deve ser imediatamente revogado e nós devemos nos debruçar, seriamente, menos em factoides - como esse decreto ou pacotes anticrime - e mais em ações substantivas e consistente que nos ofereçam soluções mais duradouras e efetivas no combate a essa chaga social que ceifa tantas vidas e faz sangrar tantas famílias todos os dias no Brasil.

    Muito obrigado a todas e a todos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/03/2019 - Página 130