Pela Liderança durante a 29ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à proposta de acordo entre Estados Unidos e Brasil para que este renuncie ao tratamento diferenciado junto à OMC em troca de apoio para ingressar na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Autor
José Serra (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
Nome completo: José Serra
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL:
  • Críticas à proposta de acordo entre Estados Unidos e Brasil para que este renuncie ao tratamento diferenciado junto à OMC em troca de apoio para ingressar na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Publicação
Publicação no DSF de 21/03/2019 - Página 63
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL
Indexação
  • CRITICA, PROPOSTA, ACORDO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), RENUNCIA, BENEFICIO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), INGRESSO, ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONOMICO (OCDE).

    O SR. JOSÉ SERRA (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PSDB - SP. Pela Liderança.) – Obrigado, Sr. Presidente.

    Eu queria aqui apresentar uma breve análise do chamado acordo que teria sido feito nos Estados Unidos pelo Presidente Bolsonaro, em relação ao qual o Brasil entraria na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em troca da renúncia ao tratamento diferenciado junto à Organização Mundial do Comércio. Uma badalação muito grande na imprensa de hoje.

    Eu creio, Sr. Presidente, estou convencido de que essa medida é prejudicial ao comércio exterior brasileiro. O Brasil perde instrumentos de barganha ao renunciar ao tratamento diferenciado da OMC e não ganha nada concreto com a entrada na OCDE.

    Não sou contra que o Brasil entre na OCDE, sou contra o preço que o Governo Bolsonaro se dispõe a pagar para isso.

    Quando, no Governo Temer, fui Ministro de Relações Exteriores, comecei, demos início a tratativas com vistas ao ingresso do Brasil na OCDE, que é o clube dos países – a maioria – desenvolvidos, mas não contemplando renúncias ou concessões dessa natureza.

    O ganho de obter o apoio dos Estados Unidos nas tratativas para o ingresso na OCDE não compensa os prejuízos causados pela renúncia de tratamento diferenciado na Organização Mundial do Comércio. Primeiro, porque não significa que o Brasil entrará imediatamente, há todas as exigências ainda não cumpridas que o Brasil terá que cumprir. Segundo, os investimentos diretos não necessariamente dependem de se estar ou não na OCDE. O Brasil é um mundo para investimentos diretos estrangeiros e nunca pertenceu à OCDE.

    Não estou dizendo que entrar na OCDE atrapalha, mas não vou dizer que me parece um exagero, uma demasia, considerar que essa entrada na OCDE levaria a uma inundação de investimentos estrangeiros.

    Isso inclusive se constata no caso do México e no caso do Chile. O México entrou na OCDE em 1994 e o Chile em 2010. Infelizmente, não temos condição de mostrar pela televisão o gráfico que preparamos. Esse gráfico mostra que não houve pulo nos investimentos diretos estrangeiros no México e no Chile depois do seu ingresso na OCDE, enquanto no Brasil houve. Não vou dizer também que a relação é inversa. Vou dizer apenas que não é um fator relevante.

    Os países desenvolvidos, no caso da OMC, abrem mão da reciprocidade nas negociações tarifárias em favor dos países em desenvolvimento. Na Organização Mundial do Comércio os países desenvolvidos abrem mão, fazem concessões. Nós vamos renunciar a elas.

    Os acordos da OMC preveem cláusulas em favor de países que se autodeclaram em desenvolvimento ou menos desenvolvidos. Trata-se de direitos especiais denominados "tratamento diferenciado e especial".

    Destacam-se dois acordos que nós temos na OMC e que vamos perder: o General Agreement on Tariffs and Trade - para comércio de bens - e o General Agreement on Trade in Services - para comércio de serviços. Ambos permitem aos países desenvolvidos fazerem concessões comerciais a nações em desenvolvimento sem contrapartida, sem retribuição. Por que vamos renunciar a isso? Eu me pergunto.

    Outras medidas, como, por exemplo, o tempo extra aos países em desenvolvimento para se adequarem aos acordos da organização, no caso da OMC. Hoje existe essa possibilidade, integrando a organização.

    – o aumento de oportunidades de comércio dos países em desenvolvimento por meio de maior acesso ao mercado, por exemplo em têxteis, serviços, barreiras técnicas de comércio;

    – cláusulas exigindo dos membros da OMC salvaguardarem os interesses dos países em desenvolvimento quando certas medidas domésticas ou internacionais são adotadas;

    – meios para auxiliar países em desenvolvimento a lidar com padrões sanitários animais, por exemplo, em plantas, em padrões técnicos, para fortalecer os setores de telecomunicações domésticos, etc.

    E o que se ganha com a mudança? Muito pouco.

    O Governo argumenta que a entrada na OCDE aumentará os investimentos no País, em decorrência do selo de qualidade institucional da organização. Conversa fiada. Não que entrar na OCDE prejudique os investimentos, mas o Brasil sempre teve investimentos externos volumosos sem pertencer à OCDE. E isso não vai mudar.

    Estudo publicado, inclusive pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), por ocasião do anúncio do interesse argentino em ingressar na OCDE... A Argentina ingressou e não ganhou nada com isso. Não tem problema ingressar e não ganhar nada. Agora, o que não pode é renunciar, como nós estamos fazendo, às vantagens da Organização Mundial do Comércio.

    A publicação do BID diz, entre aspas:

"No entanto, um dos pontos mais significativos para países como a Argentina é o reconhecimento que vem como membro [da OCDE], em particular a possibilidade de atrair investimento estrangeiro direto (ID). Para algumas organizações, ser membro OCDE é uma das condições necessárias para investir em determinado país. De certo modo, a OCDE [seria uma espécie de selo de qualidade].

Não obstante [isso é o BID falando], é claro que ser membro da OCDE é um importante fator para aumentar o investimento direto, mas não é o único. Quando o México e o Chile tornaram-se membros da OCDE, o investimento direto aumentou; mas esse também foi o caso em países como o Brasil, que não é parte da organização."

    Assim, Sr. Presidente e meus colegas, pode-se no mínimo questionar esse acordo, no sentido de o custo econômico e social potencial de se perder o tratamento diferenciado na OMC ser maior do que o benefício provável advindo do apoio à entrada na OCDE. Essa é a realidade.

    Na verdade, essa viagem da delegação brasileira presidencial aos Estados Unidos teve muito mais o alvo, como meta, a publicidade, querer passar a ideia da atividade, querer passar a ideia da grandeza, do que propriamente efeito prático. O efeito prático é praticamente nenhum. E eu não poderia deixar de vir aqui expor essa minha posição aos colegas Senadores e ao nosso País.

    Muito obrigado.

(Durante o discurso do Sr. José Serra, o Sr. Antonio Anastasia, 1º Vice-Presidente, deixa a cadeira da Presidência, que é ocupada pelo Sr. Izalci Lucas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/03/2019 - Página 63