Discurso durante a 29ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Pesar pelo falecimento da porta-voz das religiões de matriz africana, Srª Makota Valdina.

Autor
Jaques Wagner (PT - Partido dos Trabalhadores/BA)
Nome completo: Jaques Wagner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Pesar pelo falecimento da porta-voz das religiões de matriz africana, Srª Makota Valdina.
Publicação
Publicação no DSF de 21/03/2019 - Página 66
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, MORTE, PORTA VOZ, RELIGIÃO, ORIGEM, AFRICA.

    O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Para discursar.) – Sr. Presidente, Senador Izalci, desta sessão, Sras. e Srs. Senadores, eu venho aqui para trazer uma notícia triste, particularmente para os baianos, mas para comunicar a esta Casa e ao povo brasileiro como um todo.

    A Bahia, de tanta cultura e tradições afrodescendentes, amanheceu ontem, terça-feira, 19 de março, mais triste e mais pobre. Faleceu uma mulher extraordinária, e as mulheres extraordinárias são imprescindíveis. Faleceu uma educadora, e as educadoras são a força da cidadania. Faleceu a líder, porta-voz das religiões de matriz africana, Makota Valdina, aos 76 anos de idade. E Makota Valdina é símbolo das nossas lutas contra a intolerância racial e religiosa.

    Acompanhei com preocupação o internamento de Makota com esperança de restabelecimento da sua saúde. Ainda no hospital, sofreu uma parada cardiorrespiratória, não resistindo, e infelizmente veio a óbito precocemente. Valdina de Oliveira Pinto, a Makota Valdina, nascida em Salvador, professora, escritora, era assistente do terreiro Nzo Onimboyá, no Engenho Velho da Federação, onde nasceu, em 1943, e viveu até seu último dia.

    Tenho orgulho de dizer, Sr. Presidente, que, como Governador do Estado, através da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, o Estado fez publicar o livro dessa senhora, com toda a sua história de vida. Trata-se de um exemplo vivo de mulher negra e lutadora, incansável nas convicções mais nobres da verdadeira alma baiana, dona de uma autoestima e da vistosa negritude, que irradiava a todo o ambiente em que se fazia presente, a revelar a história da nossa formação cultural, étnica e econômica, com a coragem e o compromisso de uma Maria Felipa e de nossas bravas mulheres protagonistas da verdadeira independência do nosso País, em 2 de julho de 1823, data maior da baianidade.

    Iniciada no Candomblé em 1975, começa a adquirir uma nova visão de mundo, professando suas convicções antirracistas e de defesa do povo negro. Ensinava altivez, dignidade, procurando transmitir coragem às suas irmãs negras, aos irmãos negros, não só aos do povo de santo.

    Entre 1977 e 1978, integra a primeira turma

    do curso de iniciação à língua Kikongo, promovido pelo Centro de Estudos Afro-Orientais, aprofundando sua imersão na cultura de origem banto no Brasil, sobretudo nos aspectos religiosos. A partir daí, valoriza de modo mais acentuado a nação Candomblé Angola e Congo-Angola, de matriz linguística banto.

     Makota Valdina foi uma figura incansável. Diretora da Federação Baiana do Culto Afro Brasileiro, chegou à presidência do Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra da Bahia. Com a sua voz potente, serena e doce, participou ativamente das lutas em defesa do Parque São Bartolomeu, antigo santuário natural do povo de santo de Salvador.

    Tive a felicidade de conhecê-la de perto, ainda como Governador da Bahia. Participei do lançamento do seu livro Meu Caminhar, Meu Viver, em 2013, no Forte da Capoeira, centro histórico de Salvador, uma das atividades do Novembro Negro daquele ano. Convidado para prefaciar o seu livro, assinalava naquela oportunidade: "Makota, como uma líder nata que é, detém um perfil que muitos gestores públicos 'prefeririam' não ter por perto, tendo em vista se tratar de uma mulher ativista por natureza, questionadora política, militante e que luta por uma causa coletiva, sem limitar ou cercear sua fala por quaisquer que possam a vir a ser os motivos".

    Desde a minha primeira campanha para o Governo do Estado, em 2006, e no exercício do primeiro e segundo mandatos no Governo da Bahia, procurei estar bem próximo de Makota, porque entendia sua presença muito essencial na construção e desenvolvimento qualitativo das nossas políticas públicas. Assim é que sempre a convidava a participar, aconselhar, criticar, debater, sugerir diretrizes ou mudanças de rumo nos projetos e programas. Nunca se omitiu ou decepcionou.

     Com a combatividade que lhe era característica, atuava com transparência e objetividade, o que a transformava num dos pilares dos segmentos representativos do controle social do nosso Estado da Bahia.

    Ao longo dos anos, Makota travou uma luta belíssima em busca de justiça social e respeito à liberdade religiosa, numa postura íntegra, séria e admirada por todos que com ela tiveram o privilégio de conviver.

    Para os que desejarem conhecer um pouco a história de Makota Valdina, sugiro assistirem ao documentário "Makota Valdina – Um Jeito Negro de Ser e Viver", dirigido por Joyce Rodrigues, consagrado com o Prêmio Palmares de Comunicação, da Fundação Cultural Palmares.

    Para terminar este meu registro de pesar, ainda sob a emoção da solenidade do sepultamento – fiz questão de retornar à Bahia no dia de ontem para participar, ao lado da minha esposa Fátima Mendonça – dessa figura singular da Bahia, deixo consignadas duas frases de autoria da querida amiga Makota, como lembrança viva da sua presença, sempre marcante, entre nós.

    A primeira delas: "Eu não quero que me tolerem. Eu quero que me respeitem o direito de ter minha crença".

    E a segunda, que considero fantástica: "Não sou descendente de escravos. Eu descendo de seres humanos que foram escravizados".

    Viva Makota Valdina!

    Muito obrigado, Sr. Presidente.

    Eu assinalo que a perda de Makota, em dias em que a intolerância nos marca com o episódio de Suzano, com o episódio ocorrido na Nova Zelândia, a falta de Makota se fará mais marcada ainda, porque era uma figura, no tamanho físico, muito miúda, mas de gigantismo do seu caráter e da sua espiritualidade.

    Era muito suave ao fazer as críticas, inclusive a mim, como Governador da Bahia, mas sempre muito fiel a princípios e convicções, o que, aliás, é o que sempre sugiro nesta Casa, Sr. Presidente. Eu creio que cada um de nós deve cultuar muito as convicções verdadeiras de cada um, mas sempre abordar aqueles que pensam diferente de forma firme, mas suave, porque, aí sim, prosperará o diálogo que pode construir o consenso, o que eu creio que é a meta maior da democracia e desta Casa.

    Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/03/2019 - Página 66