Discurso durante a 28ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com as mudanças propostas na reforma da previdência referentes a aposentadorias rurais especiais, por invalidez e aos benefícios de prestação continuada.

Comentários sobre a importância de revisão da Lei nº 13.586/2017, que concede benefícios fiscais a empresas petrolíferas estrangeiras.

Autor
Fernando Collor (PROS - Partido Republicano da Ordem Social/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL:
  • Preocupação com as mudanças propostas na reforma da previdência referentes a aposentadorias rurais especiais, por invalidez e aos benefícios de prestação continuada.
ECONOMIA:
  • Comentários sobre a importância de revisão da Lei nº 13.586/2017, que concede benefícios fiscais a empresas petrolíferas estrangeiras.
Publicação
Publicação no DSF de 20/03/2019 - Página 14
Assuntos
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL
Outros > ECONOMIA
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, ALTERAÇÃO, PROPOSIÇÃO, REFORMA, PREVIDENCIA SOCIAL, REFERENCIA, APOSENTADORIA ESPECIAL, APOSENTADORIA POR INVALIDEZ, ZONA RURAL, BENEFICIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, REVISÃO, LEGISLAÇÃO FEDERAL, CONCESSÃO, BENEFICIO FISCAL, EMPRESA, PETROLEO, PAIS ESTRANGEIRO.

    O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - AL. Para discursar.) – Muito grato a V. Exa., Senador Lasier Martins, que preside esta sessão.

    Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, foi com preocupação que identificamos na proposta de reforma da previdência apresentada pelo Governo Federal a inclusão da aposentadoria rural especial e de benefícios de prestação continuada, além da modificação substancial das regras da aposentadoria por invalidez. Esses são pontos que ressaltam a necessidade de o Congresso Nacional debruçar-se atentamente sobre o texto e fazer uma defesa contundente dos segmentos mais necessitados da população.

    O Brasil precisa superar as profundas divisões que se intensificaram nos últimos tempos e que ficaram evidentes no período eleitoral recentemente encerrado. Precisamos superar a falsa dicotomia entre prosperidade econômica e inclusão social afirmativa. Necessitamos curar as feridas e buscar a unidade em torno de valores por vezes esquecidos. Justiça social talvez seja um dos mais importantes. Mas não a alcançaremos sem reconhecer as enormes diferenças existentes em nossa sociedade.

    O Funrural (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural) foi idealizado como braço executivo do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (Prorural), instituído em 1971 no Governo Médici. O programa previa o pagamento de benefícios ao trabalhador rural, como aposentadoria por idade e invalidez.

    O benefício corresponderia a meio salário mínimo, pago mensalmente a um único integrante da unidade familiar, seu chefe ou arrimo. A aposentadoria por idade seria devida ao trabalhador rural que completasse 65 anos, ao passo que a aposentadoria por invalidez beneficiaria o trabalhador vítima de enfermidade ou lesão orgânica total e definitivamente incapaz para o trabalho.

    Com a Constituição Federal de 1988, nenhuma remuneração paga ao trabalhador poderia ter valor inferior a um salário mínimo.

    Ao assumir a Presidência da República, em 1990, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, determinei o integral pagamento do benefício no valor estabelecido pela nossa Carta Magna, retroativo à data de sua promulgação.

    Essa medida demonstrou imenso alcance socioeconômico e constituiu importante fator de estabilidadesocial no campo, especialmente no Norte e no Nordeste. O efetivo pagamento de um salário mínimo aos aposentados trabalhadores e trabalhadoras rurais contribuiu para a fixação dessas pessoas no campo e minimizou sua migração para os centros urbanos. Estimulou a criação de pequenas cooperativas e associações de produtores, que puderam negociar seus produtos a preços justos, com efeitos positivos sobre toda a comunidade.

    Produziu-se, com isso, uma revolução silenciosa no campo, decorrente do aporte de recursos nas economias locais. Estudo do Ipea concluía, já em 2004, que – e aqui abro aspas – "a queda na pobreza de trabalhadores agrícolas na década de 90 não esteve relacionada às promissoras transformações por que passou nossa agricultura, mas ocorreu graças à expansão dos benefícios da aposentadoria rural" – fecho aspas.

    Coube a mim, como Presidente da República, tornar efetivo o mandamento constitucional e, desse modo, produzir esses resultados.

    Posteriormente essa experiência inspirou a criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, o atual Pronaf, que financia, a taxas reduzidas, projetos individuais ou coletivos que geram renda aos agricultores familiares e assentados da reforma agrária.

    Pois bem, a redação original do §8º do art. 195 da Constituição Federal estabelece que o produtor rural que exerce suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirá para a seguridade social, gênero que inclui saúde, previdência e assistência social. A proposta do Governo modifica esse dispositivo para restringir a contribuição desses trabalhadores à previdência social.

    Percebe-se, portanto, que se pretende tratar os benefícios pagos a esse trabalhador rural aposentado como uma questão previdenciária. Entretanto, a decisão de pagar um salário mínimo para os aposentados especiais do campo que preenchem os requisitos legais foi originalmente e deve continuar a ser uma medida de assistência social.

    Previdência é para aqueles que, previdentemente, reservaram parcela do seu salário para que pudessem desfrutar de uma renda digna quando de sua aposentadoria. Por outro lado, pagar benefícios de assistência social é uma decisão de Estado para atender as camadas mais sofridas e mais vulneráveis da sociedade. Trata-se, portanto, de uma opção voluntária do Governo, ouvido o Congresso Nacional, que deve ser custeada com recursos do Tesouro Nacional.

    E assim é. A aposentadoria rural especial não é custeada com recursos do Instituto Nacional de Seguro Social. Essas verbas não são, portanto, recursos previdenciários. Provêm, na verdade, do Fundo Nacional de Assistência Social, criado pela Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, a Lei Orgânica de Assistência Social.

    Outro ponto que merece consideração atenta, ainda em relação à aposentadoria rural, é a previsão do aumento da idade mínima para as mulheres e do tempo de atividade rural ou de contribuição.

    A proposta do Governo eleva de 55 para 60 anos a idade mínima para a aposentadoria das trabalhadoras rurais, sejam elas seguradas especiais ou não. Ora, para ser justa como pretende, a reforma da previdência deve levar em conta as circunstâncias laborais e regionais.

    Sob o aspecto formal, sem dúvida, todos são iguais perante a lei e, portanto, devem ser tratados igualmente. Porém, justiça e isonomia dependem, na prática, do reconhecimento de disparidades sociais e do tratamento diferenciado dos desiguais, na medida das suas desigualdades.

    É preciso diferenciar a realidade do agronegócio internacionalizado e tecnologicamente avançado daquela dos brasileiros e brasileiras que empunham enxadas de sol a sol para garantir a sua subsistência. No Norte e no Nordeste, lavradores com pouco mais de 40 anos de idade têm aparência e capacidade física de pessoas de 60 anos em outras porções do Território nacional. As condições são ainda mais penosas para as mulheres, que geram e cuidam dos filhos, além de proverem água e alimento para a sua família.

    A modificação no tempo de trabalho para a aposentadoria rural especial é mais um ponto preocupante da proposta apresentada. Se atualmente são necessários 15 anos de atividade, com a reforma serão 20 anos de contribuição! Como não há qualquer regra de transição, o tempo de serviço aumentará bruscamente em mais de 30%!

    Além disso, o trabalhador rural que atua individualmente ou em regime de economia familiar para obter sua subsistência terá de recolher um percentual da renda obtida...

(Soa a campainha.)

    O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - AL) – ... para a comercialização de seu excedente produtivo para a previdência social. Enquanto não for editada lei que defina esse percentual, essa contribuição fica fixada em R$600 por ano.

    É um contrassenso. Se o trabalho visa a subsistência, normalmente não haverá excedente para a comercialização. Se houver, só valerá a pena comercializar esse excedente se o valor obtido for superior a R$600 anuais ou cerca de R$50 por mês, em média. Não consigo, realmente, imaginar desincentivo mais danoso à prosperidade das famílias do campo.

    Se há desvios na concessão da aposentadoria rural especial, que se apurem as falhas e se corrijam as deficiências. Não nos parece justo que o trabalhador rural, exposto a condições de trabalho penosas por longos anos, tenha de submeter-se a uma vida de mera subsistência apenas porque o Estado, simplesmente, não consegue criar mecanismos eficazes de comprovação do tempo de atividade rural.

    Um segundo conjunto de medidas que deve ser analisado em profundidade por nós, Parlamentares, diz respeito aos Benefícios de Prestação Continuada, particularmente para pessoas idosas com renda per capita familiar inferior a um quarto do salário mínimo por mês.

    A reforma apresentada aumenta de 65 para 70 anos a idade para a concessão integral do BPC por idade, sob o argumento de que a expectativa média de vida do brasileiro aumentou nas últimas décadas. Embora essa constatação seja verdadeira, não pode escapar sequer ao observador menos atento que há, mais uma vez, importantes disparidades que precisam ser consideradas.

    Se em Santa Catarina a esperança de vida ao nascer pode chegar aos 80 anos, há Estados no Norte e no Nordeste em que ela pouco passa dos 70 anos. É do conhecimento geral que, em idade mais avançada, as pessoas demandam mais recursos para atender às suas necessidades básicas de sobrevivência, que, em geral, incluem o custeio de medicamentos caros para tratamento das enfermidades de que são acometidas.

    Pergunto: é justo que apenas os nortistas e os nordestinos que viverem mais que a média regional sejam capazes de preencher as condições para obter o pagamento integral do benefício continuado prestado aos mais idosos?

    O terceiro ponto que merece nossa mais atenta análise diz respeito à aposentadoria por incapacidade permanente. Podemos bem aceitar a manutenção da regra de cálculo do benefício por invalidez decorrente de acidente de trabalho, doenças profissionais e doenças do trabalho. Porém, em outras situações, a nova regra promove significativa redução nos proventos dos aposentados por incapacidade permanente. Atualmente, os incapacitados recebem 100% da média dos salários de contribuição. Com a reforma proposta, esse percentual cai para 60%, acrescido de dois pontos percentuais a cada ano que exceder 20 anos de contribuição, ou seja, o segurado somente receberá 100% do benefício – que hoje ele recebe e, com a reforma, deixará de receber – após 40 anos de contribuição! Creio que esses números são suficientes para demonstrar a inadequação da nova regra justamente em relação àqueles que não mais terão condições orgânicas de garantir o próprio sustento e de gerar riquezas para o País e para o conjunto da população.

    Exmo. Sr. Presidente, Lasier Martins, Exmas. Sras. Senadoras, Exmos. Srs. Senadores, da maneira como chegou ao Congresso Nacional, a proposta do Poder Executivo indica que os mais dependentes da ajuda do Poder Público terão de arcar com a parte mais dura do ajuste. O socorro aos desamparados não é benesse. É uma obrigação voluntariamente assumida pela sociedade brasileira no pacto social firmado na Constituição Cidadã de 1988.

    A necessidade de atualização da previdência é evidente. Contudo, imaginar que ela será uma panaceia para todos os problemas de disponibilidade de caixa do Governo é, no mínimo, ingênuo. Ela deve fazer parte de uma estratégia muito mais ampla, que contemple medidas vigorosas de estímulo à economia, inclusão produtiva formal dos mais de 13 milhões de desempregados, reforma e simplificação tributária, combate a fraudes, revisão de incentivos fiscais e de renúncias de receitas.

(Soa a campainha.)

    O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - AL) – Já concluo, Sr. Presidente.

    Poderíamos, por exemplo, para que os senhores tenham uma ideia, reavaliar a Lei nº 13.586, de 28 de dezembro de 2017, que concede benefícios fiscais a empresas petrolíferas estrangeiras que atuam em campos de petróleo brasileiros. Estima-se que as isenções concedidas às petroleiras estrangeiras privem os cofres públicos de aproximadamente R$1 trilhão nos próximos 25 anos. Não bastasse o estímulo aos combustíveis fósseis andar na contramão da história, o montante da renúncia fiscal tem a mesma ordem de grandeza da economia esperada em dez anos com a chamada reforma da previdência – R$1 trilhão. O Brasil escolheu abrir mão de receitas para manter-se aferrado à energia do passado. O País pagará caro por esses erros, caso não os corrija.

    Devemos estar atentos, portanto, ao que foi equivocadamente incluído ou alterado na proposta, como a aposentadoria rural especial, o benefício de prestação continuada para os idosos e a aposentadoria por incapacidade permanente.

    Equilibrar as contas públicas é importante, mas não é motivo suficiente para negarmos, como Nação, a assistência devida aos que dela mais precisam. Nossa geração tem para com as gerações futuras a responsabilidade pela construção de um País justo e equilibrado, sem dúvida! Mas não podemos esquecer as nossas responsabilidades para com a atual geração de brasileiros desvalidos, que ainda dependem fortemente da assistência social prestada pelo Estado para sobreviverem em condições dignas.

    Nenhuma sociedade, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores – e aqui concluo –, atingirá o desenvolvimento abandonando seus integrantes mais carentes à própria sorte!

    Muito obrigado a V. Exa. pelo tempo concedido.

    O Sr. Jorge Kajuru (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO) – Presidente, permita-me um aparte?

    O SR. PRESIDENTE (Lasier Martins. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - RS) – Pois não.

    O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - AL) – Senador Kajuru.

    O Sr. Jorge Kajuru (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO) – V. Exa., Presidente Collor, traz a esta Casa seguramente um dos três mais ricos pronunciamentos sobre a reforma da previdência. Eu tenho acompanhado vários, de sociólogos, juristas, jornalistas, mas a precisão em cada ponto...

    Quando V. Exa. fala dos desamparados, quando V. Exa. fala dos idosos, dos trabalhadores rurais, faz-me lembrar 1988, quando o Presidente Sarney, em um pronunciamento de cadeia nacional, disse sobre o perigo da seguridade social, que tornaria o País ingovernável. V. Exa. deve se lembrar da resposta dada pelo Dr. Ulysses Guimarães a ele: "Ingovernável é a fome. Ingovernável é o País com essa reforma, oferecendo a miséria aos idosos".

    Parabéns! Se puder, eu gostaria de ter a cópia de seu pronunciamento.

    O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - AL) – Muito obrigado a V. Exa., Senador Kajuru, sempre atento e sempre sensível aos temas sociais que tratamos nesta Casa. Muito obrigado a V. Exa.!

    Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/03/2019 - Página 14