Discurso durante a 30ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Críticas à política externa adotada pelo Presidente da República Jair Bolsonaro e às deliberações tomadas durante a viagem da cúpula do Governo Federal aos Estados Unidos.

Autor
Rogério Carvalho (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: Rogério Carvalho Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL:
  • Críticas à política externa adotada pelo Presidente da República Jair Bolsonaro e às deliberações tomadas durante a viagem da cúpula do Governo Federal aos Estados Unidos.
Publicação
Publicação no DSF de 22/03/2019 - Página 57
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO, JAIR BOLSONARO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, REALIZAÇÃO, POLITICA INTERNACIONAL, VIAGEM, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ENFASE, CONCESSÃO, UTILIZAÇÃO, BASE, ALCANTARA (MA), PAIS ESTRANGEIRO.

    O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE. Para discursar.) – Sr. Presidente; Senador Styvenson; todos os telespectadores da TV Senado, essa TV que tem uma importância enorme para a política brasileira; senhoras e senhores, o grande estadista francês Charles de Gaulle, nacionalista, apaixonado por sua terra, como todo estadista tem de ser, afirmava: "A pior política, a política mais ruinosa, é a política de ser pequeno". Com efeito, aqueles líderes que não buscam a grandeza e a independência de seus países arruínam a si e as suas nações.

    Infelizmente, é o que o Presidente Bolsonaro vem fazendo. O ex-Deputado do chamado baixo clero resolveu praticar uma política externa que rebaixa o Brasil, uma política que vem apequenando o nosso grande e gigante País.

    A sua clara decisão política de alinhar automaticamente o Brasil aos interesses geopolíticos dos Estados Unidos vem resultando num processo acelerado de erosão da nossa soberania e em decisões equivocadas que estão causando graves prejuízos aos nossos setores produtivos.

    É claro que já tivemos períodos em que nos alinhamos subordinadamente aos interesses geopolíticos americanos, como no período Dutra, nos Governos de Castelo Branco e Médici e nos Governos de Fernando Henrique Cardoso. Porém, temos agora um sério agravante. Esse sério agravante chama-se Bolsonaro. O Presidente costuma bater continência para a bandeira dos Estados Unidos.

    Com efeito, uma coisa é aliar-se aos Estados Unidos, mantendo, porém, alguns espaços para a defesa de seus interesses próprios, como o Brasil fez, por exemplo, na era FHC. Na época, mesmo priorizando as relações com o grande irmão do norte, não abandonamos a integração regional e a relação com alguns países emergentes.

    Outra coisa, entretanto, é a promessa de terra arrasada de Bolsonaro, a total submissão do Brasil aos interesses dos Estados Unidos em nome de um feroz anticomunismo deslocado e extemporâneo, que faria McCarthy corar. McCarthy era anticomunista e, entre 1950 e 1957, fez uma guerra contra o comunismo nos Estados Unidos. Só que isso passou. O Muro de Berlim caiu. Esse debate já não tem mais relevância na humanidade. O que se prenuncia é a inteira perda de soberania em nome de uma ideologia totalmente ultrapassada.

    Observe-se que esse alinhamento acrítico não é sequer um alinhamento aos interesses dos Estados Unidos propriamente ditos, mas, sim, aos interesses de uma força política específica daquele país, o trumpismo, que é extremamente polêmico tanto no cenário externo quanto no cenário político interno norte-americano.

    Agrava esse quadro o chanceler que rejeita até o momento de lucidez que nos trouxe o Renascimento, como o Iluminismo, e a mudança profunda que trouxe na humanidade e parece ter saudades de um mundo pré-Revolução Francesa, um mundo sem Estado laico e sem democracia, mas com muita tradição, muita religiosidade e muitos heróis míticos; um mundo com um Deus imanente na história; um mundo, como diria Weber, ainda encantado; enfim, um mundo irracional e pré-científico. É isso o que apregoa o Chanceler Araújo.

    Segundo, Sr. Presidente, se havia alguma dúvida sobre o grau de vassalagem cega do Governo Bolsonaro em relação a Trump, a inacreditável viagem aos Estados Unidos se encarregou de aniquilá-la em grande estilo. Foi um espetáculo grotesco de submissão política e ideológica. Uma total falta de vergonha. Algo que já entrou para a história como o capítulo mais constrangedor da nossa diplomacia.

    Nessa viagem, o Presidente, grande apreciador dos elementos centrais da cultura americana, como a Coca-Cola, as calças jeans, a Disneylândia, demonstrou que não gosta muito do Brasil. Com certeza, não gosta dos nossos migrantes. Seu filho, Eduardo e ele mesmo fizeram declarações bombásticas contra nossos cidadãos que buscam uma vida melhor lá fora. O primeiro disse que sentia vergonha dos migrantes brasileiros e os comparou a criminosos. Já o segundo afirmou à Fox News – mídia trumpista, que apoia a construção do muro de Trump, duramente criticada em todo o mundo –, que a maioria dos migrantes não tem boa intenção. Não comentou, contudo, se havia aprovado a prisão de crianças brasileiras pela aduana de Trump, esse grande humanista de araque.

    Ora, Srs. Senadores e Senadoras, Sr. Presidente, cidadãos brasileiros que estão nos ouvindo, mesmo em situação irregular, cidadãos brasileiros que estão lá contribuem muito para a economia dos Estados Unidos, trabalham duro, em jornadas extensas, sem nenhuma garantia trabalhista e previdenciária, desempenhando tarefas que os trabalhadores norte-americanos provavelmente se recusariam a fazer.

    O Estado brasileiro tem uma política de proteção a esses brasileiros que vivem no exterior. Para o Itamaraty, que possui toda uma divisão de apoio aos brasileiros no exterior, o status jurídico dos nossos cidadãos nos demais países é indiferente. A proteção assegurada por essa política de Estado não discrimina quem está ou não em situação irregular. Todos são brasileiros e todos merecem a nossa proteção e, sobretudo, o nosso respeito.

    Esse parece ser o problema maior do Presidente Bolsonaro. Ele e seu chanceler parecem não entender que a política externa é uma política de Estado por excelência.

    Trata-se de uma política que tem que ser delineada com base nos interesses objetivos do País no longo prazo. Não pode estar atrelada a idiossincrasias de governos específicos. Com toda a certeza, é política que não pode ficar atrelada aos interesses de governos estrangeiros, como estamos vendo agora.

    Porém, a evidente submissão político-ideológica do Governo Bolsonaro a Trump, o novo messias do Ocidente, que nos resgatará do comunismo e do marxismo cultural, provoca inegável frisson na Diplomacia bolsonarista e desejo incontrolável de agradar unilateralmente o Governo americano, como o foi nesses dias pelo nosso Presidente.

    Tão intenso parece ser esse desejo de agradar que, diríamos, trata-se de sentimento altruísta semelhante ao que se estabelece entre um cão e o seu dono. Algo, enfim, inteiramente despropositado no quadro das relações entre países soberanos ou supostamente soberanos.

    Sr. Presidente, esse amor incondicional já redundou em atos de concessão unilateral inéditos em nossa história diplomática. Em primeiro lugar, concedemos isenção de vistos para norte-americanos, canadenses, australianos e japoneses, sem exigir nada em troca, algo que contraria frontalmente a histórica posição do Itamaraty de aplicar o simples princípio da reciprocidade nesses casos.

    De agora em diante, esses cidadãos poderão vir aqui, entrar, sem nenhuma exigência. Já, nós brasileiros, continuaremos a nos submeter à tradicional via-crúcis para obter vistos, afinal, como afirma o próprio Presidente do Brasil, frequentemente não temos boas intenções e provocamos vergonha lá fora; além de que, segundo o nosso Ministro da Educação, roubamos e pilhamos tudo durante nossas visitas ao exterior.

    Outro ato que demonstrou amor incondicional a Trump, mas não ao Brasil, foi o relativo à concessão de uma quota de 750 mil toneladas/ano para que os Estados Unidos exportem para nós seu trigo, com isenção tarifária. De novo, não exigimos nada em troca, mesmo tendo Trump nos imposto recentemente sobretarifas em aço e alumínio e barreiras não tarifárias contra nossa carne e outros bens agrícolas. O problema é que essa decisão amorosa e desinteressada pode prejudicar a Argentina, nosso principal parceiro do Mercosul, do qual importamos a maior parte do trigo que consumimos.

    Em 2017, importamos apenas 333 mil toneladas de trigo dos Estados Unidos. Assim, essa nova quota tenderá a mais que duplicar as nossas importações dos Estados Unidos. A nossa vizinha Argentina não gostou nada dessa concessão gratuita e, provavelmente, deverá retaliar o Brasil. E retaliará, diga-se de passagem, em produtos manufaturados, industrializados, de valor agregado, já que nossas exportações para o Mercosul são compostas, em 90%, de bens industrializados.

    Também a concessão da Base de Alcântara para ser usada por empresas norte-americanas é outra demonstração de afeto incondicional. Saliente-se que o acordo antigo, rejeitado por este Congresso, impunha ao Brasil, na prática, a extinção de seu programa de desenvolvimento de foguetes como contrapartida para que os EUA deixassem suas empresas usarem nossa base. Ademais, tratava-se de um acordo que colocava nossa base sob estrito controle de autoridades norte-americanas, um verdadeiro atentado à soberana nacional. Teremos, muito provavelmente, uma base norte-americana em nosso território, em nosso solo.

    Sr. Presidente, demonstração maior de submissão a Trump e de cegueira geopolítica foi a promessa de Bolsonaro de empenhar-se mais na desestabilização da Venezuela, nossa vizinha. O Presidente afirmou que todas as opções estão na mesa para alcançar esse desastrado e destrutivo objetivo, ou seja, admitiu implicitamente poder participar de uma guerra para benefício único de seu ídolo político e para assegurar aos EUA acesso privilegiado à maior reserva de petróleo do planeta, que fica na Venezuela. Quantos venezuelanos e brasileiros poderiam morrer nessa aventura irresponsável? Aparentemente, pouco importa. Afinal, somos latinos, gente sem boas intenções para Trump e Bolsonaro.

    Outra concessão unilateral nossa ao que o nosso folclórico chanceler considera uma espécie de novo messias do Ocidente foi a promessa da extensão da jurisdição da Otan ao Atlântico Sul. Os EUA vêm tentando estabelecer esse controle militar sobre o Atlântico Sul, estendendo à Otan como guardiã do Atlântico Sul desde a descoberta do pré-sal, quando a Quarta Frota foi ressuscitada, após mais de 50 anos. O Brasil sempre rejeitou tal extensão, por motivos óbvios. A Otan é um tratado militar do Atlântico Norte. Não tem nada de imiscuir-se no Atlântico Sul. Lula e seu Ministro da Defesa, Nelson Jobim, negaram quando houve o primeiro pedido dos EUA. Agora, contudo, a generosidade bolsonariana abre a possibilidade de submeter a chamada Amazônia Legal e tudo o que ela contém aos desígnios geoestratégicos de Trump.

    No mesmo diapasão unilateralista e magnânimo, o Ministro Paulo Guedes, o chicago boy mais rápido do oeste, prometeu vender o pré-sal em três meses, o pré-sal e tudo mais. Aparentemente, a viagem de Bolsonaro aos EUA serviu, sobretudo, para colocar todo o Brasil à venda. Desavergonhadamente à venda.

    Já, de outro lado da mesa negociadora, Trump, bem mais pragmático e racional, não demonstrou tanto afeto assim pelo Brasil. Ante o pedido de apoiar o Brasil em seu pleito de ingressar na OCDE, o "Clube dos Ricos", respondeu que só o fará se o nosso País renunciar ao tratamento diferenciado que temos na OMC, por sermos país em desenvolvimento. Sabe qual é o custo disso? Perda de autonomia para estabelecer tarifas alfandegárias que viabilizem a comercialização das nossas commodities e dos nossos produtos nacionais.

    Ao aceitar renunciar a esse tratamento especial e diferenciado na OMC como contrapartida a um apoio duvidoso dos EUA para entrar na OCDE, o Brasil rompeu com o seu compromisso histórico de defesa das posições dos países em desenvolvimento e, particularmente, com os seus parceiros do Brics, que se opõem à pretensão de Trump de rever esse tratamento dispensado pela OMC aos países em desenvolvimento.

    Esse é, portanto, o primeiro grande prejuízo para o Brasil em função de tal decisão, um grande prejuízo diplomático e geopolítico. O Brasil aliou-se aos Estados Unidos contra os países emergentes e os Brics, numa disputa crucial na OMC. Essa nova posição do Brasil não será esquecida em votações na OMC e em outros foros internacionais.

    Quanto aos prejuízos econômicos e comerciais, é muito difícil quantificá-los a priori, mas pode-se argumentar, sem medo de errar, que eles deverão ser extensos, propagando-se, no médio e longo prazos, a todos os setores econômicos: agricultura, indústria e serviços.

    Assim que o Brasil renuncie a esse tratamento recebido na OMC, haverá pressões insustentáveis para que o nosso País reduza sua proteção tarifária em toda a Tarifa Externa Comum. Isso criará um problema político adicional: terá de haver negociações com os nossos parceiros do Mercosul para que se proceda a essas reduções, pois o Brasil participa de uma união aduaneira com esses países. Mas, independentemente dessa negociação, a redução das tarifas efetivamente praticadas ou consolidadas, tarifas máximas permitidas, deverá acarretar prejuízos de monta, especialmente para os nossos setores industriais que não possuem ainda muita competitividade.

    Observe-se que o Brasil pratica tarifas médias ponderadas de cerca de 11% em suas importações e tem tarifas consolidadas na OMC de cerca de 35%. Já a maior parte dos países desenvolvidos pratica tarifas médias ponderadas de apenas 3%. O tamanho potencial do rombo é, pois, imensurável. Além disso, o Brasil deverá perder todas as preferências tarifárias de que hoje desfruta nos mercados dos países desenvolvidos, ou seja, perderemos mercado externo para nossas exportações e, ao mesmo tempo, abriremos nosso mercado interno para as exportações de outros países.

    Outro grande problema que tal decisão acarretará tange à perda das flexibilidades quanto à implementação de políticas de industrialização, de desenvolvimento regional e de ciência e tecnologia, particularmente aquelas referentes ao acordo de subsídios e medidas compensatórias. De agora em diante, ficaremos mais expostos a ações de outros países contra programas industriais na OMC e receberemos tratamento mais rigoroso nos painéis daquela organização.

    Por certo, o Brasil não receberá nenhum benefício dessa renúncia. É por isso que China, índia e muitos outros países em desenvolvimento não abrem mão desse tratamento especial e diferenciado e resistem à ofensiva dos Estados Unidos, destinada a enrijecer a elegibilidade para dele desfrutar.

    Ninguém abre mão de tratamento especial, nem no plano interno, nem no plano externo. Até mesmo a Coreia do Sul, mesmo sendo membro da OCDE e mais desenvolvida que o Brasil, não abriu mão do tratamento especial e diferenciado que desfruta na OMC.

    Os defensores da proposta de Trump, aceita pelo Governo Bolsonaro sem nenhum estudo prévio, argumentarão, porém, que os inegáveis prejuízos com a renúncia ao tratamento especial e diferenciado na OMC seriam compensados pelo ingresso do Brasil na OCDE. Só quem não conhece a OMC acreditaria nessa história da carochinha.

    Engano! Em primeiro lugar, porque o apoio dos Estados Unidos às pretensões brasileiras não é suficiente. Os países europeus também teriam de concordar. Isso será difícil, pois a prioridade dos europeus é facilitar a entrada de países do leste da Europa na OCDE.

    Além disso, a OCDE é uma organização comprometida com os valores, os princípios e as teses neoliberais, bem como com o funcionamento desregulado do capitalismo financeirizado, tal qual convém a um "Clube dos Ricos".

    Portanto, a adesão do Brasil, se concretizada, não virá de graça. A OCDE só aceitará o Brasil após uma avaliação rigorosa de suas políticas e de suas práticas. Caso julgue necessário, a OCDE demandará as devidas correções de rumo. Na prática, o pedido do Brasil será submetido a um grande número de comitês, que avaliarão a adequação do nosso País às suas regras e recomendações.

    O Comitê de Investimentos, por exemplo, avaliará se o Brasil está conforme com suas determinações de que os países-membros estejam comprometidos com a liberação da movimentação de capitais, com a inexistência de restrições a pagamentos e transferências ao exterior, a liberalização dos serviços financeiros ao capital internacional, a proteção efetiva e rígida da propriedade intelectual, para além do que determina o TRIPS da OMC.

    Por sua vez, o Comitê de Seguros e de Pensões Privadas avaliará, entre outras exigências, se o Brasil já assegurou a eliminação de barreiras à participação do capital internacional nos fundos de pensões. A relação com a reforma da previdência é óbvia.

    E por aí vai, Sr. Presidente. Então, por que insistir na adesão?

    Em primeiro lugar, porque os Governos pós-golpe, que se manietaram com a emenda constitucional do congelamento dos investimentos públicos, querem usar a OCDE como plataforma para atrair investimentos externos e inserir-se nas cadeias globais de valor.

    A OCDE daria, segundo eles, um selo de qualidade ao Brasil para a atração desses investimentos. Ora, isso sim é mito. O ingresso na OCDE não assegura fluxo de investimentos, especialmente de investimentos diretos. Esses investimentos só virão, independentemente do ingresso do Brasil na OCDE, caso o País volte a crescer de forma sustentada, algo que não ocorrerá caso sigamos as determinações ortodoxas e neoliberais daquela organização, como já vimos no passado quando estávamos submetidos ao FMI.

    A bem da verdade, o objetivo principal dessa adesão à OCDE é político.

(Soa a campainha.)

    O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) – Mais um pouquinho para eu terminar, Presidente.

    A finalidade pretendida pelo novo tzar da economia, Paulo Guedes, é blindar a sua opção ultraneoliberal em um acordo internacional de difícil reversão. Se o Brasil aderir à OCDE, ficará comprometido, com todas as exigências neoliberais dessa organização. Futuros governos, mesmo discordando dessa opção, ficariam obrigados a obedecer às diretrizes liberais ortodoxas emanadas da OCDE.

    Na realidade, com a decisão tomada em Washington, a blindagem seria dupla. De um lado, renunciaríamos à proteção assegurada pelo tratamento especial e diferenciado da OMC; de outro, nos comprometeríamos, mediante o ingresso na OCDE, com os princípios neoliberais e de gestão ortodoxa da economia defendidos pelo "Clube dos Ricos", que não é o nosso.

    Mas a coisa vai além disso, que já não é pouco. Essa adesão formal ao "Clube dos Ricos" significa, do ponto de vista político e diplomático, que o Brasil renuncia definitivamente à sua política externa anterior e se submete aos desígnios estratégicos dos EUA e aliados e às demandas do mercado financeiro globalizado.

    Essa é a grande vergonha, Sr. Presidente.

    Não há nada de vergonhoso no sujeito que trabalha duro para sustentar a sua família. Vergonhoso é ver autoridades brasileiras, que provavelmente nunca trabalharam duro na vida, se recusarem a defender seus cidadãos e seu País e baterem continência para a bandeira dos Estados Unidos!

    Vergonhoso é liberar, sem reciprocidade, vistos para turistas norte-americanos, enquanto nossos turistas sofrem verdadeira via crucis para conseguir gastar o seu dinheiro nos Estados Unidos.

    Vergonhosa é a venda da Embraer para a Boeing, que acabará com a nossa grande empresa de alta tecnologia.

    Vergonhoso é o Brasil comprar briga com a China, nosso principal parceiro comercial, para apoiar Trump em sua cruzada protecionista, que também afetará o Brasil. A China, aliás, tem razão das declarações agressivas de Bolsonaro em Washington: já avisou que não mais credenciará frigoríficos brasileiros.

    Vergonhoso é o Brasil comprar briga com os países árabes, que importam cerca de 13,5 bilhões por ano de nossos produtos, principalmente alimentos, apenas para satisfazer um capricho geopolítico de Trump e de seu aliado Netanyahu.

    Vergonhoso é o Brasil alinhar-se à cruzada medieval de Trump contra a luta pelo equilíbrio climatológico e ambiental, o que deverá afetar gravemente nossas exportações de commodities e nossa imagem perante o mundo.

    Vergonhoso é o Brasil insurgir-se contra o Mercosul e a integração regional, que tanto nos beneficiam, para dar apoio à agenda geopolítica dos Estados Unidos na América do Sul.

    Vergonhoso é ver um Presidente e um Chanceler oferecer o Território brasileiro para a instalação de uma base norte-americana em nosso solo pátrio.

    Vergonhoso é ver o Brasil submeter-se às exigências celeradas da administração Trump, para que nosso País participe de uma guerra na Venezuela, país vizinho, com a exclusiva finalidade de que os Estados Unidos tenham acesso privilegiado à maior jazida de petróleo do mundo.

    Vergonhoso é ver nossas Forças Armadas transformadas em subalternas do Comando Sul dos Estados Unidos. É vergonhoso – isto aqui para os militares – ao glorioso Exército brasileiro ver nossas Forças Armadas transformadas em forças subalternas ao Comando Sul dos Estados Unidos!

    Vergonhoso é ver o Brasil transformado num grande Porto Rico, um protetorado dos Estados Unidos.

    Vergonhoso, enfim, é ter um governo que não defende o Brasil e seus cidadãos, um governo que nem sabe identificar os verdadeiros interesses do Brasil, um governo guiado pelas alucinações ideológicas de um astrólogo!

    Sob Bolsonaro, o Brasil virou a grande chacota mundial! Nunca nossa imagem no exterior esteve tão baixa. Em sua próxima viagem ao Chile, Bolsonaro almoçará praticamente sozinho, sem a presença dos principais líderes políticos.

    Viramos símbolo maior da extrema direita mais reacionária e ignorante, empenhada em cruzadas medievais contra o comunismo, o marxismo cultural, o ambientalismo global e os direitos de mulheres, gays e outros grupos de excluídos.

    E, por fim, quem cobre o Brasil de vergonha é o Governo Bolsonaro e seu festival incessante de declarações e atitudes de profunda ignorância e de abjeta submissão a Trump!

    Nossos migrantes, mesmo aqueles que estão em situação irregular, não têm nada do que se envergonhar. Foram para os Estados Unidos trabalhar duro, foram para lá apenas para vender a sua força de trabalho. Ao contrário de alguns, não foram aos Estados Unidos para vender o Brasil!

    A suprema vergonha é ver o Brasil, país tão grande, outrora respeitado no concerto das nações, ser arruinado...

(Soa a campainha.)

    O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) – ... por aquela política à qual se refere De Gaulle: a vergonhosa política de ser pequeno.

    Muito obrigado, Sr. Presidente!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/03/2019 - Página 57