Discurso durante a 34ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apelo ao Ministério da Saúde (MS) e às comunidades indígenas para que cheguem a um entendimento quanto à medida adotada pelo Governo de municipalizar a saúde indígena.

Autor
Flávio Arns (REDE - Rede Sustentabilidade/PR)
Nome completo: Flávio José Arns
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE:
  • Apelo ao Ministério da Saúde (MS) e às comunidades indígenas para que cheguem a um entendimento quanto à medida adotada pelo Governo de municipalizar a saúde indígena.
Aparteantes
Jaques Wagner, Luis Carlos Heinze, Omar Aziz, Plínio Valério.
Publicação
Publicação no DSF de 27/03/2019 - Página 79
Assunto
Outros > SAUDE
Indexação
  • REGISTRO, OCUPAÇÃO, GRUPO INDIGENA, SEDE, MINISTERIO DA SAUDE (MS), CURITIBA (PR), COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, REUNIÃO, COMUNIDADE INDIGENA, ESTADO DO PARANA (PR), ASSUNTO, SAUDE, INDIO, COMPETENCIA, MUNICIPIO.

    O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - PR. Para discursar.) – Quero cumprimentar V. Exa., Senador Lasier Martins. Vê-lo presidindo é sempre uma alegria para todos nós. Também quero cumprimentar o nosso grande poeta, Thiago de Mello, que, realmente, o Senado possa se associar à iniciativa de parabenizá-lo. Eu diria que é uma referência no Brasil.

    Mas eu gostaria de falar hoje sobre as notícias que foram estampadas nos meios de comunicação do Paraná também e que têm como título "Indígenas ocupam sede do Ministério da Saúde em Curitiba". Nós temos participado de inúmeras reuniões com as comunidades indígenas do Paraná, reuniões que são chamadas pelas próprias comunidades e também pelo Ministério Público Estadual ou Procuradoria da República, para serem discutidas inúmeras situações, mas, dentre as situações principais, estão aquelas relacionadas com aquilo que as comunidades, de fato, querem que aconteça, e que o Ministério da Saúde vem resistindo muito em realizar – o Ministro da Saúde, inclusive, amanhã vai estar na Comissão de Assuntos Sociais, e nós vamos, obviamente, perguntar sobre isso – eles estão numa linha de municipalização da saúde indígena. Atualmente, existe, no Ministério da Saúde, a Secretaria de Saúde Indígena, inclusive, a minha tia Zilda Arns, quando viva, coordenava esse trabalho numa articulação com as comunidades indígenas.

    Eles levantam uma série de situações pelas quais não desejam que essa municipalização aconteça. Não só eles. A própria Associação de Municípios do Estado do Paraná já destacou que eles preferem muito mais – todos os Municípios – que fique como Secretaria de Saúde Indígena. E os Municípios, onde as comunidades indígenas se localizam, também já disseram que não têm condições de atender de acordo com toda a história das comunidades. No caso do Paraná, são os guaranis, os kaingangs e os xetás.

    Então, houve essa ocupação do Ministério da Saúde, pacífica – pacífica –, por cerca de 50 indígenas, justamente cobrando isto, conforme diz aqui:

Indígenas ocuparam, no início desta terça-feira, a sede do Ministério da Saúde, [...] em Curitiba. A mobilização faz parte de uma série de atos convocados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil [...] que acontecerão durante a semana contra a medida provisória do Governo Federal que altera a política indigenista e municipaliza o atendimento à saúde das comunidades.

    Eu diria o seguinte: se as comunidades indígenas estão pleiteando que isso fique no Ministério da Saúde e, ao mesmo tempo, os Municípios dizem que não têm condições de atender nos Municípios – o Ministro da Saúde, Dr. Luiz Henrique Mandetta, amanhã, como eu disse, vai estar no Senado –, que haja o diálogo, o entendimento.

    O Sr. Jaques Wagner (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) – Senador Arns.

    O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - PR) – O que falta no Brasil hoje em dia é as pessoas se encontrarem, discutirem, acharem soluções, verem como as coisas podem ser encaminhadas.

    Se todas as comunidades indígenas do Brasil estão pleiteando isso, por que não conversar, não escutar? Dizem que existem problemas eventualmente na prestação de serviços. Que os problemas possam ser corrigidos.

    Eles ainda colocam: o protesto é pacífico. Reúne cerca de 50 indígenas, que têm toda a minha solidariedade, todo o meu apoio, das etnias guarani e kaingang. Os manifestantes cobram diálogo com o Ministério da Saúde, uma vez que a proposta de alteração da Política de Atenção à Saúde Indígena não foi debatida junto às comunidades. A gente tem de parar de trilhar este caminho no Brasil: fazer as coisas sem discutir com as comunidades, com as pessoas envolvidas.

    Para os indígenas, a proposta de municipalização significa a extinção da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), uma conquista história dos povos tradicionais.

    O Senador Jaques Wagner quer dar um aparte.

    Pois não, Senador, com alegria.

    O Sr. Jaques Wagner (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Para apartear.) – Sr. Presidente, Senador Flávio Arns, é só para me somar à sua perplexidade e ao convite ao diálogo.

    A Bahia, evidentemente, como terra-mãe do Brasil, V. Exa. imagina quantas tribos indígenas nós temos no território baiano. E hoje eu recebi dois agrupamentos de tapaxós e tupinambás, que estão aqui em número total de cem, fazendo exatamente quase que um pedido de socorro e um apelo referente a essa questão que V. Exa. acaba de levantar.

    Municipalizar é decretar o fim de um atendimento específico. E, hoje, eles já estão com muitas dificuldades, porque alguns pontos de atendimento já foram fechados com aquela mudança na reforma administrativa do Governo Federal.

    Então, eu concordo com V. Exa. Eu acho que o caminho da democracia é sentarmos em uma mesa, eu me disponho a ajudar nesse diálogo. O Ministro Mandetta vai estar amanhã entre nós, eu acho que é uma oportunidade.

    Então, eu quero me solidarizar, reforçando a sua fala, porque sinto, na Bahia, o mesmo clamor por parte das tribos indígenas.

    Muito obrigado.

    O Sr. Luis Carlos Heinze (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/PP - RS) – Senador Arns, V. Exa. me concede um aparte?

    O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - PR) – Agradeço ao Senador Jaques Wagner.

    Pois não, Senador Luis Carlos Heinz.

    O Sr. Luis Carlos Heinze (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/PP - RS. Para apartear.) – Eu só vou chamar a atenção, eu acho que é importante o Ministro Mandetta vir aqui e fazer esse debate.

    Agora, o que eu também já tenho conhecimento é com relação a esse recurso, Senador Lasier e demais Senadores, que era repassado normalmente para ONGs e depois ia para os índios. Muito pouco dinheiro efetivamente chegava ao índio. Então, neste ponto é importante. E nós entendemos que, se for para o Município, se o Município tiver condições de absorver, o.k. Agora, acabar com ONGs que ficavam com grande parte desse dinheiro... Por isso, o debate com o Ministro é extremamente salutar, para que ele possa explicar. É 1,4 bilhão e, seguramente, mais da metade desse dinheiro não chega aonde tem que chegar. Para quem são? Os índios.

    Então, o que a gente puder fazer, estamos juntos. E eu gostaria até de participar amanhã nesse debate com o Ministro Mandetta, porque, afinal, é a maneira de democratizar o dinheiro e de ele ir efetivamente para onde ele tem que ir. Para quem? Para o índio. E não chegar por meio de ONGs que atalham o recurso e não chega na fonte que tem que chegar.

    V. Exa. está certo. Vamos debater este assunto. E o Ministro vem em boa hora para debater conosco aqui no Senado.

    Muito obrigado.

    O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - PR) – O Ministro virá aqui, na verdade, Senador Luis Carlos Heinze – e obrigado também pelo aparte –, no sentido de debater as prioridades e os desafios do Ministério da Saúde, mas sem dúvida esse é um tema.

    E se há problemas aqui no Congresso, como há problemas, a questão não é fechar o Congresso, é resolver os problemas. Em qualquer situação da vida. Há problemas no Judiciário? Vamos resolver os problemas e não fechar o Judiciário. A mesma coisa com a Secretaria de Saúde Indígena. Todo mundo está disposto a melhorar, a aprimorar, a refletir, a pensar.

    E as comunidades indígenas tiveram vários reveses neste ano. O primeiro deles foi a retirada da Funai do Ministério da Justiça, e eu considero isso algo que também não foi discutido. A demarcação das terras indígenas também saiu do Ministério da Justiça. E a municipalização, não é que eles também não queiram contribuir para que esse atendimento melhore, fique mais transparente e os recursos sejam otimizados, mas tem que haver o diálogo com a área.

    Vamos nos sentar em volta de uma mesa e vamos construir a solução para os povos indígenas, com a participação dos povos indígenas. Eu não me atreveria a achar soluções para os povos indígenas sem a participação dos povos indígenas. Nada sobre nós, sem nós. Isto as pessoas com deficiência falam, professores dizem, as pessoas do Judiciário: nada sobre nós, sem nós. "Ah, vamos municipalizar!" "Mas não fomos ouvidos."

    Então, temos que ser ouvidos e participar.

    Pois não, Senador Plínio.

    O Sr. Plínio Valério (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PSDB - AM. Para apartear.) – Senador Flávio Arns, eu recebi, já há muito tempo, comunidades indígenas do Estado do Amazonas e de todo o País. Veja quanta insensatez do Governo Federal. Os Municípios não querem essa atribuição a mais, já não estão dando conta; o público-alvo também não quer, que é a comunidade indígena; mas o Governo Federal quer impor. É aquela velha mania de querer ser pai de tudo e de todos. Portanto, tem que prevalecer aí o bom senso.

    Eu me junto ao seu discurso para, juntos, nós construirmos esse diálogo e fazer aquilo que o público-alvo quer que seja feito, de forma pacífica. Mas eles vão começar, sim, a ocupar as secretarias...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Plínio Valério (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PSDB - AM) – ... que é a forma de chamar atenção e dizer que não querem isso. O Governo Federal tem que entender que não é pai de tudo e de todos, tem que fazer o que é bom para nação, e o que é bom para a Nação é o que o povo quer.

     Estou aqui e continuo ouvindo, Senador.

    O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - PR) – Exato.

    Então, fazer o que é bom. Para a gente saber o que é bom, a gente tem que sentar, dialogar, conversar. As soluções muitas vezes não existem, temos que construir caminhos e soluções, mas junto aos interessados. Daí, a possibilidade de a solução dar certo aumenta bastante.

    Aqui eu só quero ainda citar o Cacique Kretã Kaingang, que eu conheço bem, tivemos reuniões ainda nos últimos dias. Ele explica que essa política diferenciada de atenção à saúde das comunidades indígenas precisa respeitar as formas tradicionais de prevenção de doenças, manutenção da saúde, assim como os distintos conceitos de saúde e doença, do adoecimento, da cura, da garantia de condições de vida.

    Nesse sentido, eu quero mais uma vez, Sr. Presidente, destacar que a intenção do Governo é municipalizar no Sul, no Sudeste e no Nordeste e estadualizar nas demais regiões. Nada pode ser feito sem o diálogo, sem o entendimento.

    Este é o apelo que a gente faz para o Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que já foi desta Casa, Deputado Federal que foi, e que agora está coordenando e a gente deseja que tenha todo o sucesso possível, porque a saúde é um direito humano essencial em um dos momentos em que o ser humano realmente precisa de ajuda, está fragilizado. Então, imaginem a ansiedade, a expectativa, a insegurança das comunidades indígenas quando não vamos municipalizar... O Município diz: "Não quero", a comunidade indígena também diz: "Não é por este caminho" e "Não, vamos municipalizar". Então, acho que tem que se pensar, transparência, aplicação de recursos, otimização dos recursos e construirmos algo novo, participado. E isso tem que ser assim em todas as áreas no Brasil: na previdência, no Judiciário, na educação.

    Nós só vamos ter sucesso se nós fizermos isso junto ao povo e à comunidade. Há milhões de pessoas que querem dar o melhor de si para que o Brasil tome jeito. E nada melhor do que escutar, no caso do Paraná, os guaranis, os kaingangs...

(Soa a campainha.)

    O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - PR) – ... os xetás e, no Brasil, as outras etnias indígenas e chegarmos um bom consenso coparticipado do que deve ser feito.

    Agradeço, Sr. Presidente, agradeço os apartes. E faço um apelo ao Ministro da Saúde, e não só a ele, mas a toda equipe dele, e a gente quer ajudar nisso, que cheguemos a bons encaminhamentos para os indígenas, que estão se preparando, inclusive, para a Conferência Nacional de Saúde Indígena que ocorrerá, se não me engano, em maio.

    Obrigado.

    O SR. ANGELO CORONEL (PSD - BA) – Pela ordem, Sr. Presidente.

    O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - PR) – Pois não.

    O Sr. Omar Aziz (PSD - AM) – Um aparte, Senador.

    O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - PR) – Pois não.

    O Sr. Omar Aziz (PSD - AM. Para apartear.) – V. Exa. coloca com muita propriedade. O Estado do Amazonas é um Estado que tem a maior comunidade indígena do Brasil e o maior número de etnias, somos mais de 70 etnias no Estado do Amazonas...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Omar Aziz (PSD - AM) – ... com quase 200 mil índios distribuídos em vários DSEIs.

    Pela Região, o Estado do Amazonas é um país. Só para se ter uma ideia, tem 1,53 milhão de quilômetros quadrados. Dentro do Estado do Amazonas, cabem os nove Estados do Nordeste e ainda sobram 30 mil quilômetros quadrados.

    O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - PR) – São oito Paranás.

    O Sr. Omar Aziz (PSD - AM) – É mais ou menos isso.

    E quando a gente trata de um assunto desse, nós temos que ter muita cautela. O Ministro Mandetta, que é uma pessoa muito acessível, por sinal, deu essa declaração, mas nós temos que passar para as prefeituras. O prefeito de plantão vai utilizar aquilo como um ganho político para ele, porque, quando passa para a prefeitura as demandas, passam os recursos também.

    Então, é uma atuação em que... Em cada região, por exemplo, você tem uma forma de falar diferente, das etnias. Então, é muito difícil às vezes você encontrar uma pessoa de consenso para dirigir um DSEI desse entre as comunidades indígenas, porque o índio, além de ser nômade, ele tem divergência. Eles se separam em grupos, criam outras tribos e vão criando. E cada uma vai tendo o seu cacique. Uma família sai de uma tribo, monta cinco, seis casas em outra região, e lá tem um cacique. Então, é difícil unificar o pensamento deles.

    Eu não vejo realmente com bons olhos tomar uma decisão açodada dessa. Se há algumas irregularidades, o nosso papel é corrigir essas irregularidades.

    O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - PR) – Claro.

    O Sr. Omar Aziz (PSD - AM) – Não é mudar o método. O método por si só não vai mudar a cultura. Nós é que temos que mudar a cultura da administração desses recursos para serem bem prestados, até porque na minha região há alguns DSEIs que nem receber recursos podem mais porque não prestam contas. E o que eles fazem ali? Assistência médica e odontológica, trabalham uma série de políticas públicas dentro dessas regiões indígenas.

    Por que, quando o senhor fala sobre essa questão, eu realmente fico muito preocupado. Acho que deveríamos... O Amazonas como um Estado que tem a maior quantidade de índios do Brasil e o maior número de etnias do Brasil não pode ficar fora dessa discussão, e serem ouvidas as suas comunidades para a gente tomar uma decisão correta.

    O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - PR) – Agradeço e concordo amplamente. E a decisão tranquila e simples: vamos nos sentar, conversar, ver se o processo é transparente, se o recurso está sendo bem aplicado e, se houver problemas, vamos achar soluções para os problemas. Só não se pode fazer nada sem a participação das comunidades indígenas. Isto que a gente tem que parar de fazer no Brasil: políticas públicas sem a participação dos que vão ser beneficiados, em princípio, com aquela política pública.

    Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/03/2019 - Página 79