Discurso durante a 42ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão em torno das conquistas obtidas durante os governos petistas na politica externa e preocupação com o posicionamento do atual Governo Federal.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL:
  • Reflexão em torno das conquistas obtidas durante os governos petistas na politica externa e preocupação com o posicionamento do atual Governo Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 04/04/2019 - Página 15
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL
Indexação
  • ANALISE, VITORIA, POLITICA EXTERNA, PERIODO, GOVERNO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), APREENSÃO, POSIÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ATUALIDADE.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, pessoas que nos acompanham pelas redes sociais, pela TV Senado, pela Rádio Senado, no domingo vamos novamente nos manifestar por justiça e liberdade para Lula. Lula Livre!

    Mas, Sr. Presidente, hoje eu gostaria de falar sobre a política externa do Brasil, política externa deste Governo.

    Nós vivemos nos primeiros anos do século XXI – aliás já é uma tradição brasileira de muito tempo – a implementação de uma política externa que nós adjetivamos como ativa e altiva, que foi implementada pelos Governos do PT e foi um dos pontos mais positivos das nossas gestões. Essa política alterou fortemente a inserção internacional do Brasil, o País ampliou fortemente as relações bilaterais, as parcerias estratégicas com países emergentes. Houve um investimento importante na integração regional, e a cooperação Sul-Sul adquiriu centralidade. Abandou-se a ideia ingênua de que submissão aos Estados Unidos e uma forma de inclusão à crítica no processo de globalização, faria ascender à independência e à prosperidade do nosso País.

    Com nosso Governo, enterramos a agenda regressiva da Alca, que era ampla e assimétrica. O Brasil passou a criar espaços próprios de influência, entre eles o Brics, que reúne importantes países emergentes e que foi criado por uma iniciativa do Brasil, envolvendo o Brasil, a China, a Rússia, a Índia e a África do Sul. Essa política fez com que as nossas exportações saltassem de US$60 bilhões em 2002 para US$255 bilhões em 2011. Acumulamos um superávit comercial de US$308 bilhões até 2014, reservas líquidas de US$375 bilhões e eliminamos a nossa dívida externa. Nós nos tornamos – é bom lembrar – credores do próprio Fundo Monetário Internacional e aumentamos a nossa participação no comércio mundial de 0,88% em 2001 para 1,46% em 2011. Os investimentos diretos estrangeiros no Brasil, coisa de que se fala muito – o objetivo de fazer reformas, mudanças é para atrair principalmente estrangeiro –, segundo o Banco Central, em 2002 eram de US$17,1 bilhões e cresceram em 2015 para US$56,4 bilhões.

    Nós obtivemos um protagonismo mundial inédito. Lula transformou-se numa grande liderança internacional, respeitada, uma figura central em qualquer fórum mundial. Era "o cara", como dizia Obama. E Celso Amorim, seu Ministro de Relações Exteriores, foi escolhido pela revista Foreign Policy como o melhor chanceler do mundo. A política externa brasileira seguiu, como sempre foi, marcada pelo pragmatismo comercial e geopolítico. Nunca foi guiada por um viés ideológico.

    Os dados são muito eloquentes. No período de 2003 a 2013, as exportações brasileiras para os países em desenvolvimento cresceram 514%, ao passo que as nossas exportações para os parceiros tradicionais desenvolvidos aumentaram apenas 166%. O saldo acumulado com os países em desenvolvimento, com o Sul geopolítico, foi nove vezes maior do que o obtido com os países desenvolvidos. Ao final do terceiro Governo do PT, os países em desenvolvimento já absorviam cerca de 60% das nossas exportações.

    O Brasil, sob o comando do PT, não discriminou regiões ou tipos de países e governos. Definiu as ênfases que mais se adequavam à afirmação dos interesses nacionais num cenário internacional em constante mutação e em consonância pragmática com as referidas mudanças geoeconômicas em nível mundial.

    A Venezuela, obsessão dos nossos adversários, teve no Brasil um Governo que agiu consoante o princípio constitucional da solução pacífica das controvérsias, atuando no sentido de propiciar diálogo construtivo entre situação e oposição, tentando reduzir tensão interna naquele país e apostar em saídas democráticas.

    Em amplo contraste, o atual Governo vem implantando uma política externa hiperideologizada, baseada fundamentalmente nos delírios metafísicos do astrólogo de Richmond, Olavo de Carvalho, e nas fantasias medievais do chanceler pré-iluminista Ernesto Araújo. Colide frontalmente com a tradição diplomática brasileira e com os interesses objetivos do Brasil e de setores produtivos.

    Com Bolsonaro, voltamos a uma anacrônica guerra fria, total submissão aos Estados Unidos em nome de um feroz anticomunismo, com inteira perda da nossa soberania.

    Temos, hoje, um alinhamento automático ao "trumpismo". O nosso Chanceler rejeita até mesmo o iluminismo, com saudade de um mundo irracional e pré-científico. Um Governo medieval, que anunciou medidas e diretrizes que têm potencial de afetar 70% da pauta exportadora do País, de nos alienar da comunidade internacional, de reduzir consideravelmente nosso protagonismo mundial e de comprometer talvez de forma definitiva a nossa soberania.

    O anúncio da transferência da Embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém, transformada em escritório comercial, foi uma delas. Uma ruptura clara com a nossa tradição diplomática. Significa tomar lado numa disputa geopolítica sensível que envolve todo mundo. Significa assumir, apoiar interesses exclusivos do Estado de Israel em detrimento do povo palestino. Isso não convém aos interesses do Brasil. E é importante dizer que foram os Governos do PT ou que foi nos Governos do PT que a aproximação do Brasil com Israel...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... mais se acentuou. Lula foi o primeiro Presidente do Brasil a visitar Israel e, na mesma viagem, visitou também a Palestina. Recebeu aqui o então Presidente do Estado israelense, Shimon Peres, e assumiu uma posição nessa disputa no sentido de garantir a coexistência de dois Estados naquela região do Oriente Médio. Agora, com essa decisão do Governo, corremos o risco, inclusive, de perder importantes negócios, especialmente para a nossa agricultura, para a nossa pecuária.

    As ameaças ao Mercosul e à integração regional são outra ignorância motivada por preconceitos ideológicos. O Mercosul e a integração regional asseguram ao Brasil um grande mercado cativo, particularmente para nossos produtos manufaturados, que têm pouca capacidade de competição em outras regiões.

    Na Venezuela, outro erro lamentável: uma participação em uma intervenção no país vizinho que resulta de uma adesão ideológica aos interesses de uma facção extremada de um Estado estrangeiro e não da observância racional dos interesses nacionais. Na realidade, essa participação se contrapõe aos princípios constitucionais que regem nossa política externa, notadamente o da autodeterminação dos povos, o da não intervenção, o da defesa da paz e o do relativo à solução pacífica dos conflitos. A aposta irresponsável na exacerbação das tensões poderá resultar numa guerra civil violenta e até na internacionalização do conflito interno da Venezuela.

    Atos assim são feitos ao tempo em que há um alinhamento a Trump contra a China, a Rússia e o Brics. O alinhamento de Bolsonaro aos belicosos interesses geoestratégicos de Trump abre flanco nesse bloco e tende a fragilizar interesses que almejam a construção de ordem internacional mais democrática, atenta contra os interesses nacionais. Aliás, essa visita do Presidente a Israel cria, inclusive, uma situação em que o Brasil pode passar a ser alvo também do terrorismo internacional. Integrantes da delegação brasileira que, inclusive, usaram de termos jocosos e chacotas para provocar o movimento Hamas, talvez não tenham a dimensão do que isso representa – absolutamente desnecessário, diplomaticamente incorreto, politicamente absurdo e, do ponto de vista da nossa defesa nacional, algo, eu diria, que beira até mesmo a irresponsabilidade.

    O Governo brasileiro oferece o nosso território para a instalação de uma base militar americana, que poderá comprometer a autonomia do nosso programa espacial.

    A submissão de nossas Forças Armadas...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ao Comando Sul – vou concluir, Presidente – ao Comando Sul dos EUA configura também um cenário de perda de soberania nacional.

    O quadro de ideologização intensa da nossa política externa mostra total submissão do Brasil a Trump. Em nome disso, estamos praticando retrocessos em tratados e acordos internacionais, como os de meio ambiente e de imigração, mudando unilateralmente a política de concessão de vistos em favor dos americanos e renunciando a tratamentos favoráveis ao Brasil em foros como a OMC.

    Agrava o quadro ideológico da política externa do Brasil o arcaico comprometimento público do Governo Bolsonaro com ditaduras. Aqui e lá fora. Aqui, difunde-se oficialmente um vídeo favorável ao golpe de 64. Lá fora, Bolsonaro faz elogios constrangedores a Pinochet e a Stroessner, corando de vergonha os próprios Presidentes de Chile e Paraguai.

    Por tudo isso, a imagem do Brasil no exterior nunca esteve em nível tão baixo. Esse Governo envergonha o Brasil. Esse é o principal dano dessa política externa extremamente ideologizada.

    Muito obrigado, Sr. Presidente, pela tolerância. Obrigado a todos e a todas.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/04/2019 - Página 15