Discurso durante a 42ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a efetividade do princípio constitucional da igualdade. Considerações sobre o art. 6º da Constituição Federal de 1988, que trata dos direitos sociais.

Preocupação com a representatividade feminina nos três Poderes da União.

Autor
Fabiano Contarato (REDE - Rede Sustentabilidade/ES)
Nome completo: Fabiano Contarato
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Reflexão sobre a efetividade do princípio constitucional da igualdade. Considerações sobre o art. 6º da Constituição Federal de 1988, que trata dos direitos sociais.
SISTEMA POLITICO:
  • Preocupação com a representatividade feminina nos três Poderes da União.
Publicação
Publicação no DSF de 04/04/2019 - Página 29
Assuntos
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Outros > SISTEMA POLITICO
Indexação
  • COMENTARIO, ASSUNTO, EFICIENCIA, IGUALDADE, PRINCIPIO CONSTITUCIONAL, ENFASE, MATERIA CONSTITUCIONAL, OBJETIVO, DIREITOS SOCIAIS.
  • COMENTARIO, ASSUNTO, SITUAÇÃO, REPRESENTAÇÃO, MULHER, LOCAL, PODERES CONSTITUCIONAIS, ENFASE, VOTO, ROSA WEBER, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), REPASSE, VERBA, PARTIDO POLITICO, DESTINAÇÃO, PARTICIPAÇÃO.

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES. Para discursar.) – Boa tarde a todos. Obrigado, Presidente.

    Presidente, Senador Anastasia, Senador Telmário, Senador Lasier, todos aqueles que estão nos assistindo, o momento hoje em que eu uso esta tribuna é um momento de desabafo.

    A Constituição Federal vem assegurar, em seu art. 5º, que todos somos iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza. Mas será que, efetivamente, nós vivemos em um Brasil de iguais? Tenho certeza de que não. Basta você traçar um perfil socioeconômico de quem está preso, que você vai verificar que a grande massa da população brasileira é composta por pobres, afrodescendentes e semianalfabetos, quando os crimes que maior prejuízo trazem para a Nação são os crimes praticados por políticos. E aqui eu não quero fazer apologia ao crime, mas, quando aqui em Brasília acontece um furto, você tem uma vítima determinada. Agora, quando o Governo de um Estado desvia verba da saúde, está matando milhões de pessoas.

    E, quando se fala no Sistema Único de Saúde falido, os médicos se posicionando em condições sub-humanas – e a saúde é um direito humano essencial, é um direito social que está no art. 6º, da Constituição Federal –, e as pessoas estão morrendo, pobres estão morrendo nos corredores dos hospitais públicos. E todos têm direito à saúde.

    Quando, ainda no art. 6º, a Constituição, que é de 1988, garante como direito social o direito à educação, nós presenciamos o ensino público num caos, tiradas, claro, algumas exceções, como os institutos federais, dos quais eu tenho orgulho de falar, porque eu fiz o meu ensino médio num instituto federal. Mas as escolas públicas estão sucateadas, os professores desmotivados, sem formação continuada, em condições precárias, sem acessibilidade para crianças que têm deficiência física.

    Pobre da família e você que está nos assistindo sabem muito bem do que eu vou falar, eu venho de uma família muito pobre. Meu pai era motorista de ônibus, por 40 anos, e com muito orgulho eu falo isso, Sr. Alvino Contarato, em Nova Venécia, minha mãe, semianalfabeta, que criou seis filhos e, quando eu passei na escola técnica, minha mãe, chorando, falou: "Meu filho, se necessário for, vamos vender nossa casa para você estudar".

    Pobre da família cujo sonho desse jovem é entrar pela porta da frente na universidade federal, nos cursos concorridos como Medicina, Direito, Odontologia, entre outros, porque, se não for o sistema de cotas, o pobre não entra na universidade federal, porque as vagas estão sendo ocupadas numa disputa acirrada pelas escolas particulares, pelos cursinhos preparatórios.

    Mas todos têm direito à educação. É uma grande mentira isso. A própria Constituição, também, no art. 7º, inciso IV, determina que a União tem que instituir um salário mínimo digno, capaz de suprir as suas necessidades e da família com saúde, educação, habitação, moradia, lazer, vestuário, higiene, previdência, e nós temos esse mísero salário que não chega a R$1 mil por mês.

    Todos somos iguais perante a lei e, mais precisamente, no art. 5º, inciso I, a Constituição diz que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações – outra falsa verdade.

    E aqui eu quero fazer uma homenagem às mulheres. Hoje eu fui o relator de um projeto de lei de um Senador que quer acabar com a cota da participação da mulher nos processos eleitorais.

    Veja, a primeira eleição no Brasil aconteceu em 1532. Os homens dispararam na frente das mulheres por 400 anos. A mulher só pôde ter o direito ao voto em 1932. E, depois de tanta conquista, tão duras, com tantas dificuldades, a mulher conseguiu, foi introduzido, em 1995, no art.10, §3º, da Lei 9.504, de 1997, que 30% da composição da chapa devem ser compostos por um sexo e 70%, por outro. Nós somos tão machistas e preconceituosos que intitulamos essa lei como 30% das mulheres. Não são 30% das mulheres. Nós podemos ter partido com 70% da composição da chapa por mulheres e 30% por homens. Mas o interessante é que foi em 1995, apenas em 1995, que houve a lei obrigando as cotas para as mulheres, mas não houve nenhuma sanção para quem não a cumprisse.

    Em 2009, passou a ser obrigatório o cumprimento dessas cotas, passou a ser obrigatório, mas não houve repasse de verba de fundo partidário para bancar as campanhas das mulheres no processo eleitoral. Apenas em 2018, o ano passado, quando o STF foi provocado, a Ministra Rosa Weber, num brilhante voto, determinou que fosse repassada verba de fundo partidário para as campanhas das mulheres. E, agora, em pleno século XXI, estão querendo retroceder, tirar da mulher esse direito que é seu. O lugar da mulher é onde ela quiser.

    E digo mais: dos três Poderes que nós temos no Estado democrático de direito – Legislativo, Executivo e Judiciário –, o único que nunca foi ocupado por uma mulher é o Legislativo. Eu tenho vergonha de falar isso. Eu tenho vergonha de dizer que vivemos numa democracia – na qual todos somos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza – que criminaliza a pobreza, quando você tem um comportamento do próprio Estado.

    E aqui me faz lembrar Lombroso. Na obra L'uomo Delinquente, O Homem Delinquente, Cesare Lombroso falava que o criminoso era nato; o tamanho da testa, o formato do nariz, da orelha, aquele era criminoso. Eu digo para a população brasileira: o País reproduz Lombroso, porque eu não vejo, com todo respeito às instituições policiais, as polícias dando geral, fazendo revista pessoal em jovens da classe média alta, mas vejo fazendo isso, diuturnamente, violando direitos e garantias constitucionais, nos bolsões de pobreza.

    E digo mais: a população carente está vindo com muito mais valor, que passa pela ética, pela moral, pela dignidade e pelo decoro. O filho do pobre vem impregnado com esse comportamento moral. É disso que eu estou falando, porque não existe Estado democrático de direito, não existe lei nenhuma, não existe espinha dorsal, que é Constituição Federal, que se sustente se não for em cima de um embasamento ético e moral.

    Eu tenho orgulho de falar que eu venho do Espírito Santo. E neste momento eu quero agradecer aos 1.117.036 votos que eu obtive no meu querido Estado do Espírito Santo. Eu tenho fé em Deus, eu não vou decepcionar a população capixaba, tampouco a população brasileira, porque está impregnado na minha alma e na minha veia: "Verás que um filho teu não foge à luta". Eu estou aqui neste Senado para lutar para que, efetivamente, um dia eu possa ocupar esta tribuna e falar que nós vivemos numa democracia na qual todos somos iguais perante a lei, para falar que nós não vamos precisar mais de políticas afirmativas como as cotas, porque o Estado cumpriu o seu papel.

    Mas hoje o que eu tenho a falar é que o Estado falha na educação, o Estado falha na saúde, o Estado falha na segurança, porque está no art. 144 que a segurança pública é direito de todos e é dever do Estado.

    Então, a minha vinda aqui é para agradecer à população capixaba e falar para vocês, mulheres, que vocês fazem parte...

(Soa a campainha.)

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) – ... de mais de 52% da população de 210 milhões de brasileiros. Vocês são a maioria. Lutem pelo seu espaço. Não se calem. Eu convoco as mulheres de bem a se filiarem a um partido político, a entrar, a ter vez e voz, a ocupar essas cadeiras aqui do Senado, da Câmara dos Deputados, das assembleias legislativas, das câmaras municipais, chefiar o Executivo municipal, estadual e federal. Não se furtem. Esse é o chamado. Vocês já foram por demais subjugadas. Como disse, até 1932 a mulher não podia votar, a mulher tinha que usar o CPF do marido, não podia ter cartão de crédito. A mulher só pôde votar em 1932. E agora, apenas em 2018, é que houve um incentivo para que elas, efetivamente...

(Soa a campainha.)

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) – ... entrem no pleito eleitoral e alcancem este espaço que está aqui.

    Não bastasse, eu quero dar uma notícia: não só fui contra o voto do proponente de acabar com as cotas, mas manter as cotas, como eu já apresentei um projeto hoje estabelecendo paridade. Os partidos, as coligações, se depender de mim, 50% vão ter que ser compostos por mulheres e 50% por homens. Aí, sim, nós teremos, quem sabe, uma redução da desigualdade e nós teremos uma participação mais efetiva das mulheres.

    Eu tenho fé em Deus que nós vamos lutar para diminuir esse abismo existente entre os milhões de pobres e a concentração de riquezas na mão de tão poucos. Eu tenho fé em Deus que um dia eu vou chegar aqui...

(Soa a campainha.)

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) – ... e vou falar que todos somos iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza.

    Para finalizar, Sr. Presidente, eu queria, para falar da minha coragem, invocar o poeta português José Régio, que, na sua obra antológica, no poema Cântico Negro, finaliza dizendo o seguinte:

[...] Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,

Ninguém me peça definições!

Ninguém me diga: "vem por aqui"!

A minha vida é um vendaval que se soltou.

É uma onda que se alevantou.

É um átomo a mais que se animo...

Não sei por onde vou,

Não sei para onde vou

Sei que não vou por aí!

    Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/04/2019 - Página 29