Pronunciamento de Rogério Carvalho em 04/04/2019
Discurso durante a 43ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Reflexão sobre os 100 dias do Presidente da República Jair Bolsonaro em relação à política externa.
Criticas à proposta do sistema de capitalização da previdência social.
Comentário sobre conflitos entre índios e produtores rurais depois que foi retirada da Funai a atribuição de demarcação de terras indígenas. Registro sobre o encontro de lideranças indígenas que ocorrerá em Brasilia.
- Autor
- Rogério Carvalho (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
- Nome completo: Rogério Carvalho Santos
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA INTERNACIONAL:
- Reflexão sobre os 100 dias do Presidente da República Jair Bolsonaro em relação à política externa.
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PREVIDENCIA SOCIAL:
- Criticas à proposta do sistema de capitalização da previdência social.
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DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
- Comentário sobre conflitos entre índios e produtores rurais depois que foi retirada da Funai a atribuição de demarcação de terras indígenas. Registro sobre o encontro de lideranças indígenas que ocorrerá em Brasilia.
- Aparteantes
- Paulo Rocha.
- Publicação
- Publicação no DSF de 05/04/2019 - Página 8
- Assuntos
- Outros > POLITICA INTERNACIONAL
- Outros > PREVIDENCIA SOCIAL
- Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
- Indexação
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- COMENTARIO, ASSUNTO, INICIO, GESTÃO, GOVERNO, JAIR BOLSONARO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ENFASE, POLITICA EXTERNA, CRITICA, CHANCELER, ITAMARATI (MRE).
- CRITICA, ASSUNTO, PROPOSTA, CAPITALIZAÇÃO, REFORMA, PREVIDENCIA SOCIAL.
- COMENTARIO, ASSUNTO, AUMENTO, CONFLITO, GRUPO INDIGENA, PRODUTOR RURAL, MOTIVO, ALTERAÇÃO, FUNÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, REGISTRO, ENCONTRO, LIDERANÇA, COMUNIDADE INDIGENA, LOCAL, BRASILIA (DF).
O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE. Para discursar.) – Sras. e Srs. Senadores, nossos telespectadores da TV Senado, Sr. Presidente, nós temos ouvido falar muito da nova política. Eu prefiro trabalhar com o conceito de boa política, porque nem sempre o que é propalado como a nova política pode significar o melhor para o Brasil e para o povo brasileiro.
Nesses 100 dias de Governo, aproximadamente, o que produziu para os brasileiros a nova política?
Posso aqui falar, antes, do que é uma boa política externa. A política externa dos Governos do Partido dos Trabalhadores foi uma política alinhada ao pragmatismo. As relações bilaterais foram diversificadas, ampliaram-se as parcerias estratégicas com países emergentes, investiu-se mais na integração regional e na conformação e consolidação do Mercosul. A ideia de submissão aos Estados Unidos foi abandonada e o Brasil passou a criar seus próprios espaços de influência e foi articulador dos Brics, que representa a maior população do mundo, a maior reserva petrolífera do mundo, o maior mercado consumidor do mundo e uma das maiores potências bélicas do mundo. E o Brasil foi o grande articulador desse bloco econômico, que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Não houve nada, neste caso, de ideologização a não ser a confluência de interesses. Dialogamos e mantivemos relações com Governos de matizes ideológicas muito diferentes, da Venezuela à Colômbia de Manuel Santos. Lula manteve excelentes relações com Bush, com Sarkozy, dois políticos de espectro mais conservador.
Com essa política externa, nossas exportações saltaram de US$60 bilhões, em 2002, para US$255 bilhões, em 2011. Acumulamos um superávit de US$308 bilhões até 2014, reservas líquidas de US$375 bilhões e eliminamos a nossa dívida externa. Tornamo-nos credores internacionais, inclusive daquele a quem nós devíamos a nossa cabeça e a nossa autonomia, o FMI. E aumentamos a nossa participação no comércio mundial, de 0,88%, em 2001, para 1,46%, em 2011. Além disso, os investimentos diretos estrangeiros no Brasil, segundo o Banco Central, subiram de US$17,1 bilhões, em 2002, para US$56,4 bilhões, em 2015.
Isso não é nova nem velha política. Isso é a boa política, que cuida dos interesses do Brasil e dos brasileiros.
Além disso, poderíamos aqui citar como, agora, a tal da nova política, que é o contraponto à boa política, ou a má política ou a tragédia política que estamos vivendo no momento, que é o contraste com os anos exitosos da política externa do PT.
Vemos que é um momento em que as relações exteriores do Brasil se convertem numa profissão de fé superideologizada, baseada nas fantasias pré-iluministas do Chanceler Ernesto Araújo, uma aliança que querem fazer – e que estão fazendo –, sem nenhuma crítica, de subordinação e de submissão do Brasil aos Estados Unidos. Em nome de uma luta anticomunista completamente anacrônica e fantasiosa, assistimos ao nosso Governo abrir mão da nossa soberania.
O que a nova política trouxe para a questão externa foram apenas atrasos. Ao todo, são medidas que têm potencial de afetar cerca de 70% da pauta exportadora do País, de nos alienar da comunidade internacional, de reduzir consideravelmente nosso protagonismo mundial e de comprometer nossa soberania, de acabar e de diminuir o Mercosul e a sua importância – para onde exportamos a maior parte dos nossos produtos industrializados.
A intervenção na Venezuela é contra... É inconstitucional pela definição constitucional de que o Brasil deve se posicionar sempre pela mediação de conflitos de forma pacífica.
O alinhamento de Trump, contra a China, a Rússia e os Brics, e Bolsonaro tende a fragilizar os interesses que almejam a construção de uma ordem internacional efetivamente democrática, além de abalar a nossa relação com o maior parceiro comercial do Brasil, que é a China.
Então, no âmbito internacional, nós temos aqui diversos exemplos do que é a nova, a má, a política que não é a boa política.
Por exemplo, o retrocesso nos compromissos internacionais ambientais. O Governo Bolsonaro voltou atrás na decisão de sediar a COP 25 e prometeu até retirar o Brasil do Acordo de Paris, de preservação ambiental, postura que gera consequências ambientais negativas e mais retaliações econômicas de nossos parceiros, o que afasta da comunidade internacional o Brasil e as nossas relações comerciais.
Renuncia ao tratamento especial e diferenciado da OMC. Vejam, a OMC... E esse tratado permite ao Brasil tarifar de forma favorável os seus produtos tanto para exportação quanto para importação. E a Coreia do Sul, um país mais rico do que nós, está na OCDE, sem abrir mão das suas prerrogativas e da condição preferencial que a OMC lhe permite. Por que o Brasil abre mão? Isso é a nova política. Isso é a má política. Isso não é a boa política.
A possível retirada do Pacto Internacional de Migração ou concessão de vistos unilaterais vai de encontro a tudo que nós praticamos de política internacional, que é a reciprocidade. Se um país libera o visto para o Brasil, o Brasil libera o visto brasileiro para os cidadãos, como é com a comunidade europeia, com a União Europeia.
A transferência da Embaixada do Brasil para Tel Aviv para criar um conflito desnecessário! Um País que sempre pregou a convivência pacífica de imigrantes judeus e árabes! O que temos a ver com essa disputa, disputa que não tem uma solução. O Brasil defendeu sempre a posição da ONU de criação dos dois Estados. E agora a gente se mete numa briga que pode representar para o Brasil uma perda significativa de mercado internacional, principalmente para o setor mais ativo da nossa economia, que é o setor do agronegócio. Enquanto o Brasil vende para os países árabes mais de US$13 bilhões e tem um superávit de US$7 bilhões anuais, tem com Israel um comércio de US$320 milhões, ou seja, vende US$320 milhões e importa US$500 milhões, com um déficit na balança comercial. Isso é a nova política ou é a má política? Eu pergunto: qual é a diferença da nova política para a má politica? Até aqui eu só vejo que essa nova política é a má política, e não a boa política.
A PEC 6, de 2019, também é uma escolha ideológica, puramente ideológica – e não uma reforma –, pela desidratação, pela destruição do nosso sistema de seguridade social. A seguridade social brasileira se constituiu ao longo do século passado, vinda dos IAPs, dos IAPETECs, com a criação do INPS, com a fusão e depois a garantia de que a aposentadoria seria um direito do povo brasileiro, num sistema de partilha, num sistema solidário.
E o que eles querem fazer, nesse momento, com essa PEC, que é a PEC 6, de 2019? Criar um sistema de capitalização. Um sistema de capitalização, imaginem os senhores e a senhora que está em casa, Dona Maria de Zé Oliveira, da minha cidade, em Lagarto. Imagine a senhora ter que botar o seu dinheiro numa poupança e o seu patrão não colocar um centavo para garantir a sua aposentadoria, porque é assim que está na PEC. A contribuição é só do trabalhador. E no dia em que o trabalhador ficar desempregado, ele não terá como botar o dinheiro nessa conta. E no dia em que acabar o dinheiro que estiver na poupança, ele não terá proteção, porque a proteção é a poupança e o que estiver junto para garantir a ele o benefício.
Dizem que esse sistema é um sistema optativo. Eu pergunto, Senador Paulo Rocha: com esse sistema optativo, quando o trabalhador, o seu Manoel, lá de Belém, for pedir um emprego, na hora em que ele for pedir um emprego você acha que o patrão vai dizer para ele o quê? "Você pode optar pelo sistema da seguridade, o sistema do INSS, ou o novo sistema capitalizado."? Ele vai obrigar esse trabalhador a ir para o sistema capitalizado, porque ele não terá obrigação de contribuir com a Previdência desse trabalhador.
O Sr. Paulo Rocha (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA. Para apartear.) – Era a mesma coisa quando foi criado o FGTS: o cara já chegava com a opção. Se era obrigatório... Quando quebrou a estabilidade do emprego no Brasil, aí veio com o FGTS optativo. O patrão dizia o seguinte: "Ou você assina a opção ou você troca pelo emprego".
O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) – Essa é a nova política.
Eu não diria que isso é a nova, eu diria que isso é a má política, a política que fere aquilo que é a conquista que, eu diria, Sr. Presidente...
Eu sou de um partido cuja grande maioria dos quadros diz que é socialista, mas eu me declaro social democrata, mesmo sendo do Partido dos Trabalhadores. E olho para a social democracia europeia e vejo o valor mais importante da Constituição daquela sociedade. Sabe o que é? A sua seguridade. E é um direito, é um valor fundante, que nós conquistamos e trouxemos para a Constituição de 1988. E, agora, com o discurso da nova política, com o discurso do déficit fiscal, querem destruir a maior conquista do povo brasileiro, que é ter uma seguridade, o direito à aposentadoria, o direito à assistência social.
Esse é um pilar que faz a nossa sociedade ser mais justa. Se a gente olhar o mapa do Brasil antes da seguridade, olhar a miséria e a fome no Brasil antes do sistema de seguridade, e olhar hoje, nós vamos ver que o Brasil diminuiu em 30% a população pobre e miserável, graças, principalmente, à implementação da Seguridade Social, que foi aprovada na Constituição de 1988.
E não foi uma tarefa dos Governos do meu Presidente Lula; foi uma tarefa de todos os Governos que sucederam a Constituição de 1988. E nós não podemos jogar isso no lixo e tirar do Brasil e dos brasileiros essa grande conquista que foi a Seguridade Social.
Mas ainda há um outro elemento, que é dizer que nós estamos vivendo uma crise fiscal e que precisamos de dinheiro, senão não vamos ter futuro.
Vejam, senhoras e senhores, no Governo da Presidente Dilma, eu fui Relator do Fundo de Previdência Complementar dos Servidores Públicos Federais, pelo qual, a partir de 2013, quem entrou no serviço público passa a receber o teto geral da previdência, como no Regime Geral de Previdência, e, se quiser receber um benefício definido, ou seja, um valor compatível com o que recebe na ativa, o Governo e o trabalhador contribuem por pelo menos 35 anos. Esse tempo pode variar de acordo com a expectativa de vida, o que é natural. O ajuste de tempo de contribuição e de idade é algo de que a gente precisa ter clareza e com o qual a sociedade precisa se acostumar que possa acontecer. Mas é um benefício definido até a morte. E ele vai contribuir, e não vai haver rombo, e não vai haver problema.
Então, por que não adotar modelos, sim, de capitalização, mas uma capitalização complementar, que não fere o sistema de proteção à sociedade brasileira? Por que não implementar isto na relação com os Estados, propor isto para os Estados, aquilo que já foi para o Brasil?
Agora, dizem que a gente precisa fazer essa reforma por causa do déficit fiscal. A transferência, a mudança do sistema de partição, que é o que a gente tem hoje, que protege, que garante o salário mínimo, que garante a aposentadoria por idade, que garante o benefício de prestação continuada, que garante proteção e segurança aos brasileiros mais pobres e mais necessitados, o custo de transição disso para o sistema de capitalização é maior do que o rombo que a gente tem na previdência hoje. Então, não se justifica, a não ser por uma posição ideológica, que vem com o discurso da nova política.
Isso não é nova política. É nova porque é inédita pelo tamanho da crueldade que querem fazer com o povo brasileiro. Ela é inédita e é nova por isso, mas ela é a má política, porque a boa política é a solidariedade e a construção de um País mais justo para todos.
E para concluir sobre a nova política, nós estamos entrando no mês... E aqui, meu amigo Paulo Rocha, meu amigo Kajuru... Eu falo amigo porque nesta Casa, independente das posições ideológicas – está aqui Paulo Paim, esse grande Senador –, nesta Casa, independente das posições ideológicas, Presidente, a gente acaba criando relações de afeto, de amizade e, acima de tudo, de respeito. Então, de forma carinhosa, este mês é o mês em que se comemora o Dia do Índio, é o mês para a gente celebrar os nossos grandes anfitriões, que são os povos indígenas, que nos receberam, que abriram suas terras, que abriram suas entranhas, inclusive sob força, mas estamos aqui no território que é deles. Neste mês, nós precisamos denunciar o que chamam de nova política, que para mim é a má política.
Trago mais um exemplo: o novo pode representar o que há de pior na política no que diz respeito a esses trinta anos de política indígena. No primeiro dia do ano, senhoras e senhores, brasileiros e brasileiras, Senadores e Senadoras, o Presidente Jair Bolsonaro editou a Medida Provisória 870, que, entre outras ações, acaba com a Funai, transferindo a vinculação desse órgão...
(Soa a campainha.)
O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) – ... – estou terminando, Sr. Presidente – do Ministério da Justiça para o recém-criado Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. E mais, essa MP retirou da Funai as atribuições de demarcação de terras indígenas e de licenciamento ambiental em terras indígenas, passando-as para a Secretaria de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura.
Vejam, todos nós sabemos da tensão entre produtores rurais querendo ampliar as suas fronteiras agrícolas com as terras indígenas. E a gente coloca no Ministério que cuida dos interesses do setor agrícola a tarefa – isso é a nova política! – de demarcação das terras indígenas. Isso, para mim, é a má política; isso não é a boa política.
Outro exemplo é que ele propõe que o Governo brasileiro saia da Convenção 169 da OIT, que trata dos direitos dos povos indígenas.
Infelizmente, posso citar outras consequências da ação dessa tal nova política: aumento de conflitos territoriais devido ao discurso que afirma que não haverá um centímetro de demarcação de terras indígenas; a extinção da Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão), do MEC; a liberação do porte de armas, possibilitando, assim, que, no campo, a violência aumente, com sérios riscos à população indígena; a exploração de empreendimentos que impactam diretamente as terras indígenas, com consequências irreversíveis para o meio ambiente, a cultura e o modo de vida dos nossos povos.
Vejam só, a Amazônia – e eu sou do Nordeste, do Semiárido – tem a maior reserva biológica, florestal e de água doce do Planeta, e todo mundo quer preservá-la, assim como nós, mas nós precisamos dar respostas aos povos que vivem nessa região e abrir um debate sério com os países desenvolvidos sobre crédito de carbono, para garantir a preservação e a manutenção desse grande patrimônio que são as nossas reservas florestais do Amazonas.
Caminho para finalizar este meu pronunciamento dizendo que abril é o mês indígena e que nós vamos ter, aqui em Brasília, o Acampamento Terra Livre, que vai reunir milhares de lideranças indígenas de todo o País, entre os dias 24 e 26 de abril, com o objetivo de definir estratégias de resistência e de manutenção das conquistas dos povos indígenas brasileiros.
Por isso, Senador Paulo Paim, meu amigo Kajuru, Paulo Rocha, Presidente, entre a nova política e a boa política, eu fico, Senador Paulo Paim, com a boa política, que, aos trancos e barrancos, com toda a nossa construção histórica, com todas as dificuldades, desembocou em algo que me parece o retrato de uma boa política: a Constituição de 1988 e uma das maiores conquistas da boa política que é o nosso sistema de seguridade social e tudo o que a gente conquistou no nosso País.
Muito obrigado, Sr. Presidente, pela tolerância.
E muito obrigado a todos os ouvintes dessa emissora importante para a democracia brasileira, que é a TV Senado.
Obrigado.