Discurso durante a 46ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre o que S. Exª denomina de jurisprudência flutuante, referindo-se às mudanças na jurisprudência do STF quanto à constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância.

Autor
Plínio Valério (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Francisco Plínio Valério Tomaz
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODER JUDICIARIO:
  • Comentários sobre o que S. Exª denomina de jurisprudência flutuante, referindo-se às mudanças na jurisprudência do STF quanto à constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância.
Publicação
Publicação no DSF de 10/04/2019 - Página 33
Assunto
Outros > PODER JUDICIARIO
Indexação
  • COMENTARIO, ASSUNTO, AUSENCIA, MANUTENÇÃO, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), APLICAÇÃO, PRISÃO, REU, CONDENAÇÃO, SEGUNDA INSTANCIA.

    O SR. PLÍNIO VALÉRIO (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PSDB - AM. Para discursar.) – Presidente, se anotações de discurso tivessem que ter título, eu as chamaria, Senador Reguffe, de jurisprudência flutuante.

    Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, o Supremo Tribunal Federal havia marcado para o dia 10 deste mês um julgamento extremamente relevante para o País e para o nosso futuro. Discutiria, em essência, a validade de prisão após uma pessoa ser condenada pela segunda instância da Justiça. O julgamento, porém, foi suspenso. Pela versão oficial, o adiamento ocorreu a pedido da Ordem dos Advogados do Brasil, alegando a nova direção que pretendia inteirar-se melhor da matéria, pois só tomou posse no dia 19 de março. A Presidência do Supremo aceitou o pedido e o retirou de pauta.

    Existe, porém, a versão de que se tratou, na realidade, de uma manobra destinada a aguardar o momento mais propício, assim, eles procederiam ao julgamento. Segundo essa versão, a maioria dos Ministros tenderiam a manter o entendimento atual, preservando a prisão após ocorrida a condenação em segunda instância.

    Veja só, Senador Reguffe, seriam analisadas agora três ações, todas elas pedindo que as prisões após condenações em segunda instância sejam proibidas, em razão do princípio da presunção da inocência. Os que pedem essa vedação alegam, como principal argumento, que o art. 238, Presidente, do Código de Processo Penal, estabelece que as prisões só podem ocorrer após o trânsito em julgado, ou seja, quando não couber mais recurso no processo. Invocam nesse sentido que o art. 5º da Constituição, inciso LVII, 57, define que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

    Antes de entrar nesse mérito, eu quero chamar a atenção para uma coisa: num curto espaço de dez anos, o Supremo Tribunal já se manifestou cinco vezes – cinco vezes! –, inclusive alterando a jurisprudência. Eu estou falando de cinco alterações, cinco interpretações.

    Até a primeira dessas decisões, adotava-se, de forma tranquila, a postura de que a sentença penal condenatória pode ser executada desde que esgotado o duplo grau de jurisdição. Entendia-se que a partir daí, Senador Styvenson, a partir do esgotamento da análise fático-probatória, feita na primeira e na segunda instância, é possível a execução da pena, sendo desnecessário aguardar o julgamento de eventuais recursos constitucionais. A essa época, a atual Constituição já completara 20 anos e, evidentemente, o art. 5º estava em plena vigência.

    E eu vou historiar aqui essas cinco vezes em que se mudou de opinião no Supremo Tribunal Federal. Em julgamento de habeas corpus do dia 19 de fevereiro de 2009, por 7 votos contra 4, o Supremo entendeu que não deveria haver prisão após o julgamento em segunda instância. Em uma segunda votação, em 17 de fevereiro de 2016, inverteu-se o placar, e igualmente por 7 votos contra 4, os Ministros retornaram à postura anterior, admitindo o cumprimento da pena. Essa postura foi testada outra vez em 5 de outubro desse mesmo ano – olhem só o prazo, nem um ano –, mantendo-se a decisão, mas por 6 votos a 5. Na quarta vez, em plenário virtual, o placar foi de 6 a 4, no mesmo sentido, sem que uma Ministra se manifestasse.

    Dados do painel – e aqui, Presidente, é um dado, e é bom que os telespectadores da TV Senado anotem esse dado – do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões, do Conselho Nacional de Justiça, indicam que o número de presos provisórios, ou seja, que ainda não foram julgados em última instância, chega a 22 mil, em um universo de 130 mil que estão cadastrados. O número não é terminativo, pois se sabe que esse cadastro está ainda incompleto. Admite-se que caso os detentos nessa situação apresentem o devido recurso, possa chegar a 100 mil detentos esperando esse tipo de julgamento.

    De qualquer forma, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se mais uma vez – e esta é a quinta vez – sobre a questão. E foi agora, no passado, em abril. Tratava-se então de um habeas corpus específico sobre a libertação de Lula. Foi negado, com a Ministra Rosa Weber informando que, embora pessoalmente se colocasse contra a prisão após a segunda instância, respeitava a jurisprudência vigente. O placar foi de 6 votos a 5.

    E como fica o cidadão que não sabe como proceder e nem sabe o que vai ser decidido na próxima reunião? E esta confusão que não se deseja para o País: a incerteza de mudanças abruptas de orientação na Suprema Corte do País, por força de contingências políticas ou de oscilação de temperamento? Como eu já disse aqui e repito – e vou repetir cem vezes –: o Supremo Tribunal Federal da República Federativa do Brasil pode muito, mas não pode tudo.

    Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, a jurisprudência, a interpretação dos principais textos do País, nada disso é coisa para leigos. Não por acaso a Constituição exige, para a escolha dos Ministros – e aí eu vou abrir aspas – "notável saber jurídico e reputação ilibada" – e fecho aspas. É impossível negar, porém, que diante do quadro político, essa discussão se espraiou pela população. O cidadão comum já discute isso e quer que se tome uma decisão. E essa decisão que o Supremo toma pode ser hoje uma, outra amanhã, se mudar o colegiado ou se mudar o humor de qualquer um deles.

    Nesse sentido, é impossível também admitir que, fosse tão clara a interpretação do art. 5º com relação à prisão de condenados, não teria prevalecido durante duas décadas a prática contrária, não haveria também tanta incerteza, estimulada aí pelo próprio Supremo, ao rever a interpretação várias vezes em tão pouco tempo.

    Algo, porém, a meu ver, é bem claro, é muito claro: no País, que é campeão mundial em recursos protelatórios, seria absurdo a Constituição criar, sub-repticiamente, uma terceira, uma quarta, talvez uma quinta instância para julgamentos penais. Ao contrário, toda a estrutura judicial brasileira em Direito Penal centra-se no esgotamento da análise fático-probatória na primeira e na segunda instâncias. Decorre daí a racionalidade na prisão após a condenação em segunda instância.

    Cito aqui o Ministro Edson Fachin, que, ao julgar ação direta de constitucionalidade, disse: "A Constituição não tem a finalidade de outorgar uma terceira ou quarta chance para a revisão de uma decisão com a qual o réu não se conforma e considera injusta''.

    Os tribunais e, principalmente, o Supremo devem exercer seus papéis de uniformizadores da interpretação. Poderia citar aqui algumas ADIs, mas eu quero, Sr. Presidente, ser mais sintético, chamar a atenção e não encerrar este debate, porque esse adiamento tem aquela versão de que se deveu ao pedido da OAB e aquela versão de que, se colocasse agora, a segunda instância venceria. Portanto, há uma suspeita de que o Supremo esteja agindo também politicamente. 

    Todo este debate confirma não só a relevância social e jurídica do tema como a necessidade de retomar e manter o posicionamento que era adotado pelo Supremo Tribunal Federal até 2009. Não se pode esquecer que o próprio Supremo abriu a possibilidade de prisão provisória, a despeito de não se tratar de prisão temporária ou preventiva. Execução provisória da sentença após o duplo grau de jurisdição é sinônimo de condenado. Não teria prevalecido durante duas décadas a prática contrária; não haveria também tanta incerteza, estimulada aí, repito, pelo próprio Supremo ao rever a interpretação várias vezes em tão pouco tempo.

    Algo, porém, é bastante claro. Como eu já disse aqui, o País é campeão em ações.

    Eu encerro o meu discurso, Presidente, dizendo que...

(Soa a campainha.)

    O SR. PLÍNIO VALÉRIO (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PSDB - AM) – ... a verdade é que o princípio da presunção da inocência ou presunção da não-culpabilidade, alegado pelos que tentam impedir a prisão após sentença de segunda instância, não pode ultrapassar, anular outro princípio, o da vedação da proteção insuficiente.

    É imperativa a preocupação com a efetividade da Justiça. A sociedade merece proteção, tanto quanto a liberdade humana, não ficando dependente de uma jurisprudência, que eu chamo de jurisprudência flutuante.

    É meu papel, aqui no Senado da República, dizer que nós não podemos permitir que a razão padeça diante do fascínio pelo poder. O poder pode, mas não há um poder absoluto.

    Obrigado, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/04/2019 - Página 33