Discurso durante a 58ª Sessão Especial, no Senado Federal

Sessão Especial destinada a comemorar o transcurso do 54º aniversário da Rede Globo de Televisão.

Autor
Jorge Kajuru (PSB - Partido Socialista Brasileiro/GO)
Nome completo: Jorge Kajuru Reis da Costa Nasser
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão Especial destinada a comemorar o transcurso do 54º aniversário da Rede Globo de Televisão.
Publicação
Publicação no DSF de 27/04/2019 - Página 15
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • SESSÃO ESPECIAL, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, REDE GLOBO, TELEVISÃO.

    O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO. Para discursar.) – Jornalista, 40 anos de carreira e talvez o único Senador aqui com conhecimento próprio para falar o que poucos neste País falam, o que poucos reconhecem e aquilo em que muitos cometem injustiça com a história das Organizações Globo.

    E eu não quero aqui falar apenas da TV Globo, até porque, Sr. José Roberto Marinho, o senhor não precisa fazer mais nada na comunicação; depois de ter criado a Rádio CBN, uma referência para o País, não precisa fazer mais nada – evidente que o seu pai foi muito mais brilhante do que o senhor, não há nem comparação. (Risos.)

    Como diz o meu amigo... E eu tenho várias gratidões para com a Globo, uma delas foi quando a Globo liberou um dos maiores narradores do mundo que é Galvão Bueno para trabalhar, em Goiânia, na minha Rádio K do Brasil, e lá foi meu sócio. Eu achava que a Globo não o liberaria, e ela liberou. E o Galvão criou um slogan para mim: "Jorge Kajuru, o supersincero". Então, como eu sou o supersincero, eu tenho que começar me dirigindo aqui a alguém de quem eu gosto de graça, porque eu sou assim mesmo. Lá da Suprema Corte, eu gosto de sete só, e um dos sete está aqui: o Ministro Dias Toffoli. Aliás, no dia em que me conheceu, falou que adora os meus óculos, quadrado e redondo, e falou que ganhou do Jô Soares um parecido, não foi? Aí eu ofereci para ele, mas ele não quis, não. Graças a Deus que o senhor não quis, porque eu também não ia dar para o senhor. (Risos.)

    É porque eu só tenho este, é por isso – e, no Brasil, não há.

(Intervenção fora do microfone.)

    O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO) – É, vamos combinar.

    Ministro, Tonet, Randolfe, amigo querido, quando o Randolfe trouxe o requerimento para mim – eu fui o primeiro Senador a assinar o requerimento –, havia um Senador do lado. Lucas Barreto, eu falo o nome dele ou não? O Senador falou: "Kajuru, você vai aceitar a homenagem à Globo?" Eu falei "Por que não? Eu tenho história com essa emissora, com esse grupo". Ele falou: "Não, Kajuru, eles não gostam de você, não. Se você morrer, nem a sua morte será anunciada no Jornal Nacional". Eu já brinquei com o Dr. José Roberto Marinho, que falou assim: "Não, Kajuru, se você morrer, a morte vai ser anunciada". (Risos.)

    O SR. PRESIDENTE (Davi Alcolumbre. Bloco Parlamentar Vanguarda/DEM - AP) – Espero que não seja tão cedo.

    O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO) – A homenagem às Organizações Globo, para ser completa, tem de vir associada à figura de seu fundador, Roberto Pisani Marinho, primeiro dos cinco filhos de Irineu Marinho Coelho de Barros e Francisca Pisani Barros Marinho.

    Quando surgiu o jornal O Globo, em 1925, já estava claro que o sábio Dr. Roberto herdara do pai o talento para a escrita. Meses depois, com a morte de Irineu Marinho, ele teve de se preparar para dirigir o jornal. Ele era o primeiro funcionário a chegar ao jornal e era o último a sair e gostava mais do jornal que da TV – concorda comigo ou não? Ele gostava mais do jornal que da TV, era apaixonado pelo jornal. Daí partiu para o erguimento de um império que o tornaria um dos homens mais poderosos e influentes do País no século XX.

    Em 1944, inaugurou a Rádio Globo, onde, em 1982, menino, eu conheci José Roberto Marinho, lá na Rua do Russel, com Jorge Curi e Waldir Amaral. A Rádio Globo era o canhão do Maracanã. Anos depois, sempre atento às novidades, vislumbrou a comunicação social por um meio mais dinâmico do que a transmissão radiofônica, predominante até então. Percebeu na emissão de sons e imagens uma oportunidade de desenvolver a comunicação social no País. Em 26 de abril de 1965, aos 60 anos – 60 anos de idade –, em que muitos procuravam uma cadeira de balanço, o Dr. Roberto fundou a TV Globo no Rio de Janeiro e, no ano seguinte, a Globo São Paulo. Seguiu-se o processo de expansão para 54 anos depois alcançar 100% dos lares do País.

    Cabe aqui agora, senhoras e senhores, funcionários da Rede Globo... E, em nome deles, eu cumprimento aqui – por questão de visão, não enxergo, pelo diabetes – a repórter Zileide Silva, para mim disparada a melhor da televisão brasileira, e, entre os outros funcionários, um amigo especial, que foi meu diretor na Band e meu parceiro na Rádio Trianon, Fernando Vieira de Mello. E o parêntesis que cabe, Senador Randolfe, é restabelecer aqui uma verdade, uma justiça. Por ser Roberto Marinho, o fundador, apoiador do regime militar que se instalou no País em 1964, muitos, injustamente e covardemente, creditam a esse apoio a expansão e o sucesso da TV Globo. Que mentira! Que tolice! Que falta de informação! Que falta de sabedoria, que é o que mais há neste País, até porque a ignorância é a maior multinacional do mundo! O fato é que as duas únicas concessões obtidas pela Globo foram outorgadas antes do período militar: a primeira foi em 1957 pelo Presidente Juscelino Kubitschek para a Globo Rio e a segunda, em 1962, por João Goulart para o canal da emissora aqui em Brasília. A transformação em rede se deu com a aquisição de outros canais próprios junto a particulares, comprados em São Paulo, Recife e Belo Horizonte, e as mais de cem emissoras que hoje fazem parte da rede são afiliadas, empresas associadas, mas não de propriedade do Grupo Globo.

    Sem ignorar eventuais benesses decorrentes da proximidade com o poder, creio que a razão essencial para o seu rápido crescimento está no DNA da Rede Globo: o pioneirismo. Foi a primeira emissora a realizar a transmissão em cadeia nacional no ano de 1969, ao estrear o Jornal Nacional na sua grade de programação e parar o Brasil. No ano seguinte, transmitiu ao vivo o tricampeonato da seleção de futebol no México e, dois anos mais tarde, começou a transmissão de TV em cores. São 54 anos de TV Globo em que a emissora soube se reinventar a cada década, evoluindo de uma transmissão em preto e branco para o sinal digital. Expandiu sua atuação para a TV fechada em 1991, com a criação da Globosat, e depois para as indústrias fonográfica e cinematográfica, chegando, nos tempos recentes, ao streaming.

    Aproveito para fazer outra referência ao jornalismo da Globo, a minha área de atuação por quatro décadas, e ao Dr. Roberto Marinho, como era carinhosamente chamado pelos colegas, o líder do grupo.

    Embora muitos esqueçam, filho José Roberto, o jornalismo da Globo não teve tratamento diferenciado durante o regime militar, não. Como os demais veículos de comunicação, o seu noticiário, Presidente Davi, que nem vivo era, sofreu com a censura, que atuava diretamente na emissora na forma de telefonemas, memorandos, comunicações oficiais. Eu me lembro de tudo. Notícias, por exemplo, como a morte de Carlos Lamarca, provocaram, por exemplo, a presença na emissora de oficiais do SNI (Serviço Nacional de Informações) e do chefe da polícia. Em agosto de 1969, a Globo chegou a ser retirada do ar durante algumas horas como punição pela leitura, no programa no Ibrahim Sued, de uma nota sobre a doença do Presidente Costa e Silva. Aqui poucos se lembram disso. A censura não se restringia às notícias, também se intrometia no entretenimento. Dos inúmeros casos de censura à dramaturgia da Globo, o mais sério, Ministro, foi o da proibição, a dois dias da estreia, da novela Roque Santeiro. Como não se lembrar dessa novela? E, em nome dos atores, eu homenageio o meu amigo pessoal, tricolor, Lima Duarte – vocês se lembram de ele fazendo assim com a mão? – e Regina Duarte. Então, ali, em 1977, um ano antes, a novela Despedida de Casado havia também sido censurada na véspera da estreia, já com 30 capítulos gravados.

    Cabe de novo menção ao homem Roberto Marinho, ao ser humano, porque, durante o tempo em que esteve à frente da empresa – e lá se vão 16 anos desde a sua morte –, a Globo jamais demitiu um profissional sequer em consequência de suas ideias ou posições políticas. Mesmo no período mais duro da repressão, a Globo foi a única emissora – e aqui fala um jornalista que já a criticou várias vezes –, durante a repressão, que contratou vários artistas, intelectuais e jornalistas de esquerda, que não tinham emprego em lugar nenhum. Só a Globo contratava, por causa do velho Dr. Roberto Marinho. Alguns deles, a quem cito, faço questão, eram notadamente do Partido Comunista e trabalhavam na Globo. Gente como Mário Lago, Gianfrancesco Guarnieri, meu amigo também, desde a TV Tupi, onde eu trabalhei – veja como sou velho, Presidente, mas não sou "gato" como senhor, que mente a idade, brincadeira à parte. Como não lembrar de Oduvaldo Vianna Filho?

    E, quando profissionais eram convocados a depor na delegacia – e esta o filho também não sabe –, quando profissionais da Globo eram convocados a depor na delegacia de ordem política e social, o Dr. Roberto Marinho fazia questão de acompanhar o funcionário. O senhor sabia disso?

(Intervenção fora do microfone.)

    O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO) – Sabia? Parabéns. Um filho que tem gratidão, então.

    Ou, então, ele mandava alguém da família representá-lo. Quem faz isso? Qual patrão faz isso? Eu sei, porque eu trabalhei em todas as emissoras – e, daqui a pouco falo, para encerrar –, menos na Globo, embora ela tenha me convidado, como escreve o Galvão Bueno em seu livro e conta os episódios.

    No dia a dia do relacionamento com os subordinados, Roberto Marinho procurava saber das necessidades de cada um e não se furtava a ajudar quem precisasse – ser humano –, desde autorizar, gente, o pagamento de despesas de saúde para funcionário demitido até custear – e um deles eu conheço, ele fala isso para mim até hoje, que é o Julinho – bolsa de estudos para ex-funcionários que se notabilizaram pela dedicação ao Grupo Globo.

    Para encerrar, eu não vou discorrer aqui sobre os números da grandeza da Globo. Eu prefiro destacar, com toda a sua expansão, a família Marinho, que nunca deixou de retribuir a hospitalidade recebida nos lares brasileiros, incentivando, criando inúmeros programas sociais, em ações de responsabilidade social. Da mesma forma, a Fundação Roberto Marinho, criada em 1977, realizou vários outros projetos de educação, preservação do patrimônio cultural e ambiental, além da produção de programas educativos.

    Fechando, Presidente, entendo que a justa homenagem que prestamos a esse instrumento de informação é meramente representativa. Não haveria tempo suficiente para expressar as virtudes envolvidas na livre circulação da informação por esse canal de alcance irrestrito dentro das fronteiras nacionais e também internacionais.

    No mais, fica aqui a minha saudação a esse importante veículo de comunicação social do Brasil e, aqui, agora, de coração, fica a minha maior gratidão. Em 1978, na Rua das Palmeiras, 315... O senhor deve se lembrar desse endereço, ali no Largo do Arouche, em São Paulo. Até hoje é a Rádio Globo. Eu fui trabalhar na equipe do histórico Osmar Santos – ô, ô, ô, Osmar Santos vem aí! Lembram? É de Marília, da sua terra, Ministro Toffoli. Nascido em Osvaldo Cruz e acabou sofrendo o acidente ali, infelizmente. Osmar Santos, o maior de todos na Globo. E eu ali cheguei e não tinha lugar para comer, não. Filho de merendeira de grupo escolar, minha mãe me criou com um salário mínimo e com dignidade. Não faltava nada para mim. Tudo o que um filho rico tinha na lancheira eu também tinha. Não sou daqueles que trabalham em televisão e vão lá no Arquivo Confidencial do Faustão: "Oh, eu passei fome quando era criança". Passei fome coisa nenhuma. Minha mãe me criou com dignidade. A única herança que ela me deixou sabe qual foi? A palavra – única herança que ela me deixou. E o meu pai era padeiro. A única herança que ele me deixou: a vergonha e mais nada.

    Eu cheguei à Rádio Globo e disse: "Gente, eu não tenho onde dormir". O diretor que o seu pai tinha escolhido na época, seu Francisco, me disse: "Kajuru, pode dormir ali na discoteca". E eu dormia na discoteca da Rádio Globo e era plantão esportivo junto com o Sílvio Luiz e com Ovídeo Nascimento. Na equipe que tinha Faustão como repórter de campo, Juarez Soares, uma equipe fantástica, a maior equipe de todos os tempos. E ali dormia, ganhava um salário razoável, mas não dava para pagar moradia.

    Só para terminar. Um dia... Que emoção! Eu dormia até mais tarde, porque eu ficava até às 2h da manhã acordado na Rádio Globo, ouvindo outras rádios para passar informações para o Departamento de Esportes. Estava chegando a hora do programa do Marcos "Baby" Durães, de que o Fernando Vieira de Melo se lembra. Marcos "Baby" – lembra? –, comunicador da Rádio Globo. Aí quem chega e me vê dormindo na discoteca da Globo? Tarcísio Meira, aquele homenzarrão. Eu morri de vergonha. Acordei. "Desculpa, seu Tarcísio."

(Soa a campainha.)

    O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO) – E, assim, eu encerro mostrando a minha gratidão, porque eu morei ali. Tenho espaço no jornal O Globo sempre. Tenho espaço sempre na revista Época. A TV não, a TV realmente nem fala meu nome, nem fala que eu existo.

    O SR. PRESIDENTE (Davi Alcolumbre. Bloco Parlamentar Vanguarda/DEM - AP) – Foi feito o compromisso hoje pelo Dr. José Roberto.

    O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO) – Mas tudo bem. Eu não tenho – juro pela minha mãe – sentimento de rancor. Eu tenho sentimento de solidariedade e de honestidade. E quando muito bem disse sobre liberdade de imprensa, meu amigo, meu ídolo, meu futuro Presidente do Brasil, Randolfe – se quiser, eu serei seu vice. Aliás, é a única chance de você ganhar. Modesto, hem?

    Para terminar, Presidente – desculpa, eu não tenho como deixar de falar –, em um editorial do jornal O Globo, que eu lia todo dia, do Dr. Roberto Marinho, tinha a frase linda dele: "A liberdade de imprensa é o pilar da democracia". Frase de seu pai.

    Então, vou dar uma sugestão ao senhor, Sr. José Roberto Marinho, faça como eu. Se quiser depois passa lá para ver. Gabinete 16 aqui do Senado. Sabe o que eu faço? Dependendo de quem me ataca, como a Rede Globo tem sido muito atacada, dependendo de quem é, sabe o que eu faço? Eu ponho lá um atestado de idoneidade.

    Vou ficar assim, porque ele está lá junto com o Ministro. E este aqui eu gosto, gosto de graça, mas aquele tal de Gilmar Mendes me processou. Eu registrei lá "atestado de idoneidade": Jorge Kajuru processado por Gilmar Mendes.

(Soa a campainha.)

    O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO) – Então, a Rede Globo deveria ir ao antigo Projac – aceita minha sugestão – e criar uma galeria lá. Dependendo de quem atacar a Globo, vai lá e registra atestado de idoneidade para o grupo, paras as Organizações Globo.

    Muito obrigado por tudo o que fez, por tudo o que representou, Rede Globo; pelas duas entrevistas que dei no Programa Jô Soares – liberado total, sem censura. No Esporte Espetacular, na Copa de 98, fui entrevistado por quase meia hora pela Globo.

(Soa a campainha.)

    O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO) – Muito obrigado a todos os funcionários da Globo, muitos deles amigos pessoais que tenho. Só para dizer que só...

(Soa a campainha.)

    O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO) – ... trabalhei em todas as emissoras, sou a único jornalista que poderia ter trabalhado em todas.

    Sabe por que eu não trabalhei na Globo? Luiz Fernando Lima, autorizado pelo Carlos Schroder, o alemão – fantástico Schroder! –, com Marco Mora e Galvão Bueno, os três pagaram cinco jantares para mim, em São Paulo, em fevereiro de 2003. A Globo tentando me contratar e a Band também, disputando. Não deu certo, porque a Globo foi honesta comigo, antes de me contratar, mostrou o manual dela, dizendo: "É assim, Kajuru". As outras emissoras me contrataram e falavam: "Você tem total liberdade, fala o que você quiser, Kajuru." E eu era demitido ao vivo um ano e meio depois, como fui. O Fernando lembra. Então, ela foi honesta. Se quiser trabalhar aqui, Kajuru, é assim. Eu preferi a Band, na época, e a Band me demitiu ao vivo a pedido do Aécio Neves.

    Agradecidíssimo. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/04/2019 - Página 15