Discurso durante a 62ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre a atual crise política no País e sobre a importância da ética nas práticas políticas. Considerações sobre os mecanismos da democracia representativa.

Aplausos à ação do Ministério Público junto ao TCU, que visa suspender recente processo licitatório aberto pelo STF.

Autor
Jorge Kajuru (PSB - Partido Socialista Brasileiro/GO)
Nome completo: Jorge Kajuru Reis da Costa Nasser
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATIVIDADE POLITICA:
  • Reflexões sobre a atual crise política no País e sobre a importância da ética nas práticas políticas. Considerações sobre os mecanismos da democracia representativa.
PODER JUDICIARIO:
  • Aplausos à ação do Ministério Público junto ao TCU, que visa suspender recente processo licitatório aberto pelo STF.
Publicação
Publicação no DSF de 04/05/2019 - Página 7
Assuntos
Outros > ATIVIDADE POLITICA
Outros > PODER JUDICIARIO
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, POLITICA NACIONAL, COMENTARIO, DEMOCRACIA.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, MINISTERIO PUBLICO, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), MOTIVO, TENTATIVA, SUSPENSÃO, LICITAÇÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF).

    O SR. JORGE KAJURU (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - GO. Para discursar.) – Brasileiros e brasileiras, minhas únicas vossas excelências, meus únicos patrões, senhoras e senhores, Sr. Presidente, também sempre atuante, exemplo do Distrito Federal, amigo Izalci Lucas, hoje, sexta-feira, o último dia desta semana, daqui a pouco terei o orgulho de comunicar à Pátria amada o que boa parte da mídia nacional já está dando destaque: a ação da justiça do bem, de um subprocurador do Ministério Público que vai impedir a licitação vergonhosa, a licitação nojenta do Supremo Tribunal Federal e que vai mostrar, Presidente, a meu ver, humildemente, a força deste Senado, que tem como papel fiscalizar, denunciar e mostrar, como seu empregado público, que estamos aqui para propor uma limpeza ética.

    E, por falar em ética, ontem estava relendo um livro de Baruch de Espinoza, chamado Ética, já li umas quatro vezes, é como rever o épico filme de Coppola: O Poderoso Chefão. Esse livro traz um retrato de que centenas de anos atrás a ética era o que é hoje para muitos e muitas em todos os Poderes.

    E aproveitando este interregno involuntário a que os Senadores e Senadoras presentes estamos submetidos, com um feriado no meio da semana e sem sessões deliberativas, assim como na Câmara Federal, quero fazer uma meditação com o País e com todos nós aqui, através da TV Senado e da sua abismal audiência, da Rádio Senado e de todas as redes sociais.

    Quer queiramos, quer não, estamos vivenciando uma crise política tão extensa quanto profunda. A prática política daqueles que deveriam dar o norte para o País e apontar rumos é errática. Às vezes, a população ouve afirmações dos principais líderes do País que mais parecem brincadeiras – brincadeiras de mau gosto, diga-se de passagem. Eu mesmo, acostumado à vivência política, fico literalmente estupefato, aturdido.

    Por sua vez, a nossa população se vê perdida no meio de uma crise econômica que lança cerca de 14 milhões de pessoas no desespero do desemprego. A descoberta de atos de corrupção, felizmente, não cessa. Juntando toda a visão de vida pública que trouxe para esta Casa, não tenho como negar que o conceito de ética tangencia qualquer reflexão que se faça sobre este momento brasileiro.

    De passagem – diga-se: não é fake news, não é fake news –, lembro que ontem foi o Dia Nacional da Ética. Entendo que o objetivo da ética é preservar e promover as liberdades pública e privada, de modo a possibilitar a maior realização possível das diversas singularidades humanas que não sejam contraditórias à própria promoção da liberdade. E a liberdade, longe de ser uma qualidade transcendental ou uma mera retórica de qualquer partido político, é exercício histórico situado em um contexto, em uma época, sob uma cultura permeada por relações de poder micro e macropolíticas.

    Igualmente, num momento de crise, não podemos perder de vista a importância da participação responsável do cidadão no processo eleitoral. E essa participação, Presidente Izalci, está longe de ser concretizada apenas pelo ato formal e burocrático de, a cada dois ou quatro anos, irmos depositar o nosso voto em nossa seção eleitoral.

    O voto em si é um símbolo das democracias representativas e é indispensável e insubstituível nas democracias contemporâneas. Mas se fizermos um ligeiro retrospecto histórico, verificaremos que, desde as revoluções burguesas do século XVIII, fica claramente demonstrado que as grandes conquistas da República e da cidadania, o voto popular e as eleições periódicas, não tornaram o povo, automaticamente, um participante ativo da vida política.

    A esse respeito, a Profa. Maria Victoria Benevides, da USP, em intervenção no último Fórum Social Mundial, ocorrido em Porto Alegre, assim se manifestou – aspas:

É sabido que o mecanismo de eleição de governantes não impede, por si só, que uma classe social, um estamento político, um partido político (como no clássico caso do PRI [...]) [na história recente do México e na conturbada situação vivida pela Venezuela] monopolizem o poder no que se refere ao processo decisório, sobre as questões fundamentais da vida política, incluídas aí decisões cruciais sobre a política econômica [fecha aspas].

    Com o que disse no último parágrafo, estou defendendo os institutos da democracia direta, concomitantemente à democracia representativa. Sendo tais institutos garantidos em nossa Constituição, eles devem ser implementados e até ampliados na nossa futura e tão adiada reforma política.

    Pensando nessa plena participação do cidadão na implementação das políticas públicas do País, encaminhei, Presidente Izalci, nesta Casa, um projeto de resolução que estabelece regras sobre a participação do cidadão nas proposições legislativas em trâmite aqui no Senado Federal.

    As grandes questões que afligem as sociedades contemporâneas deixam evidente que não existe oposição entre democracia direta e democracia representativa. Pelo contrário, elas devem ter convivência harmoniosa na construção da cidadania. Senão, vejamos: as formas de democracia popular – o referendo, a iniciativa popular legislativa, aos quais podem ser acrescentados o orçamento participativo, a ação popular, a revogação do mandato, os conselhos populares de gestão e fiscalização – podem servir de corretivos aos vícios e deturpações da democracia representativa, tão conhecidos entre nós, mas não substituem as eleições para cargos executivos e legislativos. Por outro lado, é evidente que a soberania popular não significa a participação integral do povo na vida pública.

    Por oportuno, quero relembrar aqui o art. 3º da Constituição de 1988, de belo acabamento jurídico, que reza o seguinte sobre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

    Ora, esses princípios, que se colocam dentre as mais belas construções dos nossos textos constitucionais, não saíram ainda do papel. É fácil concluir, então, que numa proposta de construção democrática, são esses princípios, afirmados e garantidos na Constituição, que deverão orientar a participação popular em ações de cobrança, fiscalização e, eventualmente, de exigência de punição dos responsáveis por omissão, negligência ou corrupção.

    Embora tenhamos partidos registrados desde 1981 – PMDB, PTB, PDT –, o atual sistema partidário só começa a definir-se com a Emenda Constitucional nº 25/85 e só se consolida com a definição das novas regras constitucionais de 1988. Esse sistema, mesmo pautando as eleições, não está definido nem jurídica, nem política, nem sociologicamente e, mais grave, não está assumido pela consciência coletiva nacional.

    É bem verdade que o nosso sistema partidário nos remete aos anos 80 do século passado, quando as matrizes europeias e norte-americanas têm vida partidária de mais de cem anos de existência.

    Superado, assim, o processo eleitoral, com todos esses vícios, o Deputado Estadual ou Vereador, o Deputado Federal ou Senador colocam-se acima do seu partido, de cuja legenda e de cujo consciente eleitoral dependeram para se eleger e sem nenhum respeito ao partido e aos seus eleitores, desfigurando o princípio do mandato popular. Eleito e liberto dos compromissos com o seu eleitorado, que não tem instrumentos para lhe cobrar, o Parlamentar comporta-se como uma instituição autônoma, inatingível pela disciplina partidária ou pela fiscalização do eleitor.

    Para concluir, aí está a explicação para proliferação, em nossos Parlamentos, de bancadas, as mais diversificadas, defendendo todos os interesses possíveis, menos o interesse do eleitor. Não há dúvida de que essa migração de partido em partido e a autonomia da ação parlamentar constituem uma verdadeira fraude contra a representação. Quando a atuação parlamentar deixa de respeitar seja a vontade do eleitor, seja o programa do partido com o qual se apresentou à sociedade, isso é grave. Essa combinação de variados interesses não tem respaldo nem ético, nem ideológico, mas, invariavelmente, determina a pauta dos nossos Parlamentos e, o que é pior, a sua pobreza política.

    Portanto, Presidente Izalci Lucas, neste momento conturbado da vida nacional, não há como negar que o primado do cidadão e a construção ética devem ser pontos absolutamente focais de qualquer reforma política séria que se queira fazer no País. É o momento, então, de atenção e reflexão para os rumos que queremos dar ao nosso Brasil amado.

    Concluo, pedindo sua permissão, Sr. Presidente, já que falei de ética, para, aqui da tribuna do Senado Federal, cumprimentar a postura do Subprocurador-Geral do Ministério Público, junto ao Tribunal de Contas da União – não sei se V. Sa. o conhece –, Lucas Rocha Furtado, daqui do Distrito Federal. Ele afirmou que a notícia aqui apresentada por mim, desta tribuna, do escândalo do edital, da última sexta-feira, para gastar quase R$1,3 milhão em compras desde medalhões de lagostas a vinhos importados e uísques, para ele, Lucas Rocha Furtado, Subprocurador-Geral do Ministério Público, essa notícia teve forte e negativa repercussão popular. Furtado também pediu a suspensão da licitação por meio de medida cautelar.

O Ministério Público pede medidas necessárias a apurar ocorrências de supostas irregularidades nos atos da administração do Supremo Tribunal Federal, que visam à contratação de empresa especializada para prestação de serviços de fornecimento de refeições [...] [para festas e coquetéis] por demanda, incluindo alimentos e bebidas.

    O Jornal O Estado de S. Paulo traz hoje que este Senador, eleito orgulhosamente por Goiás, seu empregado público Jorge Kajuru, veio a esta tribuna do Senado para criticar a proposta e informou que entregou duas representações ao Tribunal de Contas da União, uma, em que peço a suspensão desse contrato imediatamente, e outra, para fazer uma auditoria nos últimos dez contratos firmados pelo STF para essa "farra do boi".

    Quero aqui terminar citando – o Presidente Izalci é mais conhecedor do que eu do STF instalado aqui na Capital Federal – que, em tempos da Dra. Cármen Lúcia, é bom ser justo, esse tipo de exagero de mordomia, que agride a população brasileira, que lhe dá um tapa na cara, não acontecia. Então, precisamos separar gestões.

    O que o País comenta – funcionários aqui do Senado certamente ouviram em restaurantes, em bares, em supermercados, em aeroportos, em rodoviárias, em quaisquer lugares– hoje não é o futebol, é o cardápio exigido pela licitação, que vai desde brunch a coquetel. O menu exigido por 11 Ministros do Supremo Tribunal Federal inclui desde a oferta de café da manhã, passando pelo brunch, almoço, jantar, coquetel, coffee break e por aí vai. Na lista estão produtos para pratos como bobó de camarão, camarão à baiana e medalhões de lagosta. As lagostas, destaca-se, devem ser servidas com molho de manteiga queimada. Quem não se revoltou?

    A Corte exige ainda que sejam colocados à mesa pratos como bacalhau à Gomes de Sá, frigideira de siri, moqueca capixaba, baiana, arroz de pato. O cardápio ainda traz vitela assada, codornas assadas. Os vinhos exigiram um capítulo à parte nesse edital vergonhoso. Se for um vinho tinto tem de ser tannat ou assemblage, contendo esse tipo de uva de safra igual ou posterior a 2010, e que tenha ganhado, pelo menos, quatro premiações internacionais.

    Eu vou parar por aqui, porque ontem quase passei mal, pois minha pressão chegou a 23. Não há como qualquer pessoa de bem – e não de bens –, neste País, não se indignar com essa Suprema Corte, suas mordomias, seus privilégios, seus auxílios. E concluo, lá há, conforme já disse aqui e quase ninguém sabia, até o auxílio-funeral. Eu só não sei quando ele vai ser estreado no Supremo Tribunal Federal. Mas que há auxílio-funeral, há.

    Agradecidíssimo, Presidente. Ótimo final de semana, com paz, com saúde, especialmente com Deus, com os seus familiares.

    Nação brasileira, da mesma forma, os meus sinceros desejos.

    Se não puder amar o próximo, por favor, pelo menos não o prejudique.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/05/2019 - Página 7