Discurso durante a 72ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Relato sobre os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito de Brumadinho presidida por S. Exª.

Autor
Rose de Freitas (PODE - Podemos/ES)
Nome completo: Rosilda de Freitas
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE:
  • Relato sobre os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito de Brumadinho presidida por S. Exª.
Publicação
Publicação no DSF de 15/05/2019 - Página 79
Assunto
Outros > CALAMIDADE
Indexação
  • COMENTARIO, RELAÇÃO, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), MUNICIPIO, BRUMADINHO (MG), PRESIDENCIA, ORADOR.

    A SRA. ROSE DE FREITAS (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, eu hoje ocupo a tribuna para falar especificamente na condição de Presidente da CPI das Barragens e de Brumadinho também, instalada em 12 de março. Eu gostaria, aqui, de fazer um breve relato dos trabalhos da Comissão. É importante prestar conta aos brasileiros.

    Primeiro, eu considero indispensável, Srs. Senadores, apontar os antecedentes dessa tragédia anunciada que se abateu sobre o País, não apenas em Brumadinho, não, como antes, em Mariana. Eu quero destacar alguns pontos, a meu ver fundamentais, para entendermos o que realmente ali aconteceu.

    Nós sabemos que, no dia 26 de janeiro deste ano, o rompimento da Barragem B1 da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, Minas Gerais, provocou o maior desastre ambiental da história do nosso País, cujas terríveis consequências ainda não foram completamente apuradas.

    Por isso, eu peço a reflexão. Pensem bem: até agora, Senador Girão, 240 corpos foram identificados, e ainda existem tragicamente 30 desaparecidos. A par dessa dimensão humana dessa tragédia, têm que se colocar também, para que as pessoas tomem conhecimento, os danos ambiental e econômico, que são incalculáveis.

    Segundo a Fundação SOS Mata Atlântica, uma expedição feita pelas águas do Paraopeba, entre os dias 31 de janeiro e 9 de fevereiro, revelou que não há mais condições de vida aquática em mais de 300 quilômetros do rio. Indicadores de qualidade demonstraram que não há condições de uso da água. E, além disso, cálculo do Ibama, com base em imagens de satélites, mostra que o rompimento da barragem devastou 133,27 hectares de vegetação nativa da Mata Atlântica e 70 hectares de área de proteção permanente ao longo dos cursos d'água.

    Do ponto de vista econômico, Senadores, a Vale perdeu mais de R$70 bilhões em valor de mercado logo após a tragédia. O impacto gerou, Sr. Presidente, a maior perda da história do mercado de ações brasileiro em um dia, em apenas um dia. Da economia local nem podemos tratar, porque ela ficou arrasada. Muitas áreas agricultáveis foram afetadas, lavouras destruídas. A pecuária sofreu danos, principalmente em relação à perda de animais bovinos, aves e por aí afora. O comércio teve total impacto, sentindo os prejuízos de todos os estragos que foram ocasionados por essa tragédia. Lojas, estabelecimentos, pousadas de qualquer natureza, todos fecharam as portas. O setor hoteleiro municipal, que vinha crescendo e abrigava um nível de turismo, foi o que mais sofreu. Estabelecimentos tiveram 100% das reservas canceladas.

    Desde o desastre de Mariana, Sr. Presidente, em 2015, os responsáveis pela tragédia tentam nos fazer crer que tudo não passou de um acidente. E essa insensibilidade, essa tentativa de passar uma versão, aliás, uma mal contada relação dos fatos, nos deixa estarrecidos. Não foi um mero acidente.

    Sras. e Srs. Senadores, episódios como esse, com essa dimensão, não acontecem da noite para o dia nem por acaso. Na verdade, não foram fruto de acidente nenhum, mas da irresponsabilidade, da ganância, da incúria com que as barragens vêm sendo tratadas no Brasil e talvez, e isto é uma constatação triste, do descaso pela vida humana.

    Temos tantos fatos a revelar. Mesmo que se possa admitir que o desastre de Mariana tenha sido um simples acidente – coisa que, ressalto, eu não acredito –, as evidências nos mostram que o de Brumadinho não foi. Digo isso porque existem – presenciei e participei na condição de Presidente da CPI – relatórios que, muito antes do acontecido, já alertavam para a precariedade da situação das barragens.

    Primeiramente, eu quero mencionar aqui o Relatório de Segurança de Barragens da Agência Nacional de Águas (ANA), divulgado no final de 2018. Nele, a agência conclui que, entre os anos de 2016 e 2017, aumentou de 25 para 45 o número de áreas com risco de desabamento no País. Isso é o relatório. Das 45 barragens, 25 pertencem a órgãos e entidades públicas. No País, há um cadastro que reúne 24.092 barragens para diferentes finalidades, como de água, de rejeito de minério, industriais, e para geração de energia. Das 24.092 barragens registradas, pasmem, 3.545 foram classificadas pelos agentes fiscalizadores segundo Categoria de Risco, a CRI; e 5.459, quanto ao dano potencial associado. Das barragens cadastradas, 723 barragens, o equivalente a 13%, foram cadastradas simultaneamente como de categoria de risco e dano potencial elevados.

    Eu quero registrar um detalhe: no período coberto pelo relatório, foram identificados, Sr. Presidente, 14 episódios de acidentes e incidentes sem vítimas fatais. Vale lembrar, porém, que a barragem de Brumadinho, que se rompeu, não constava da lista. Isso é estarrecedor! O que sugere, inclusive, que esses dados, provavelmente, estão defasados ou carecem de maior precisão.

    No caso específico de Brumadinho, o Fórum Nacional da Sociedade Civil na Gestão de Bacias Hidrográficas constatou uma série de inconsistências no processo de licenciamento. Em vez de ter as licenças prévias de instalação de operação, a Vale conseguiu a chamada licença LAC 1, por meio de uma deliberação de governo, do Governo mineiro, que garantiu que empreendimentos de mineração de grande porte, antes de classe 6, fossem enquadrados como elementos de classe 4, que têm um procedimento bem mais simplificado.

    Além disso, Sr. Presidente, o estudo realizado por mais de um engenheiro geotécnico, que trabalhava há mais de 20 anos da Vale, apontou a possibilidade de liquefação da Barragem 1 da Mina de Brumadinho.

    A dissertação de Washington Pirete da Silva, defendida em 2010 na Universidade Federal de Ouro Preto, concluiu que os rejeitos presentes na estrutura constituem materiais que tendem a exibir susceptibilidade potencial a mecanismo de liquefação. E, explicando, tudo indica que foi exatamente a liquefação que provocou o rompimento da barragem.

    Então, Sr. Presidente, não foi por falta de aviso que a tragédia aconteceu. Destaco, ainda, que um dos documentos internos da mineradora, da Vale, obtidos pelo Ministério Público de Minas Gerais cita um cálculo que fixa a indexação por morte em R$9,8 milhões. É intitulado "Estabelecimento do Contexto e Identificação dos Eventos de Risco em Barramentos". O documento trabalha com cenários, procurando nortear as ações da Vale no caso de um eventual rompimento, e projeta que mais de cem pessoas perderiam a vida em Brumadinho caso a barragem da Mina Córrego do Feijão se rompesse sem prévio aviso e alertas sonoros.

    Um outro documento interno da mineradora comprova, segundo o Ministério Público de Minas Gerais, que a Vale tinha conhecimento de riscos na barragem que se rompeu em Brumadinho. Esse é o fato mais triste e que, a meu juízo, se configura em dolo. A estrutura estava classificada, em outubro do ano passado, como zona de atenção, de acordo com os depoimentos colhidos na própria CPI, muitos contraditórios e deixando sinais eloquentes de que havia a sinalização do risco dessa barragem. Além dela, outras nove barragens estavam na mesma situação.

    Então, bastaria à Vale, se responsabilidade tivesse, determinar a evacuação preventiva das áreas de risco em Brumadinho. Hoje nós não estaríamos aqui debatendo essa tragédia, e muito, muito mais importante: 270 pessoas estariam vivas, famílias não estariam, Senador Girão, dizimadas pela dor, sem caminho, se perdendo no objeto da vida, que é a luta pela vida, com as famílias se preservando por essa tragédia que consumiu a todos com uma dor imensa.

    Note ainda, Sr. Presidente, que, no início de março, houve um alerta para o rompimento iminente da barragem, situada em Barão de Cocais, também em Minas Gerais, deixando a população da localidade alarmada, mas sem ter o que fazer a não ser esperar, esperar por uma ordem de evacuação, o que mostrou o total despreparo das autoridades para lidar com a situação.

    Além disso, somente na região de Brumadinho, ao menos cinco cidades, à margem do Rio Paraopeba, emitiram alerta com o temor de que a lama pudesse atingi-los. As cidades são exatamente essas: Mário Campos, São Joaquim de Bicas, Betim, Juatuba e Florestal.

    Sr. Presidente, nós continuamos correndo o risco de novas tragédias. Por isso, os fatos apontados aqui, os fatos apontados na CPI são gravíssimos, as evidências são bastante fortes no sentido de que a Vale e mesmo os órgãos governamentais já teriam conhecimento da real situação da barragem de Brumadinho.

    Por isso, nós precisamos investigar; por isso, há a CPI; por isso, o Congresso Nacional, Sr. Presidente, não pode se omitir perante esses fatos tão graves, sob pena de serem coniventes com os responsáveis da tragédia. Reitero, nós não vamos nos omitir!

    Ninguém aqui quer acabar com a Vale do Rio Doce – uma empresa forte, uma empresa importante para o País –, mas a CPI das barragens, instalada no dia 12 de março, que eu presido e que tem como Relator o Senador Carlos Viana, tem por finalidade principal apurar as causas do rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, da empresa de mineração da Vale em Brumadinho, tem como objetivo identificar os responsáveis, quais foram as falhas dos órgãos competentes, quais foram os autores dos laudos técnicos e precisa adotar providências para mudar o comportamento.

    Nós estamos falando de vidas humanas, de comprometimento ambiental, que também trata de vidas humanas. Nós precisamos fazer tudo para que o comportamento da empresa, perante os seus laudos, os seus investimentos, mude e que a Vale possa ressurgir diante deste País inteiro, e fora dele, como uma empresa responsável, humana, que, antes de pensar tão somente no investimento, cuide da vida das pessoas, cuide do meio ambiente e faça tudo para que não aconteça nunca mais, na parte da sua história de empreendimento e investimento, uma tragédia como essa.

    Em sua primeira reunião, ocorrida em 19 de março, a CPI aprovou um plano de trabalho. Elencou quatro objetivos principais: investigar as causas da tragédia, identificar lacunas e falhas na atuação dos órgãos públicos... Porque, vale dizer, as licenças que são concedidas passam por uma licença que antes vem do Governo, passa pelo Município, portanto não é um papel qualquer que se assina, é uma autorização para aquele empreendimento. Quantas vezes foi perguntado, ao longo das nossas passagens em vários debates: quem autorizou construir aquele restaurante no leito daquela barragem não entendia da iminência de qualquer acidente. Quantas vidas poderiam ir embora pela falta de um planejamento, supervisão, fiscalização e laudos técnicos suficientes para alertar para os riscos de um empreendimento dessa natureza? Então, deve-se identificar essas lacunas e falhas da atuação dos órgãos públicos incumbidos de licenciar e de fiscalizar barragens; recomendar uma nova estrutura de fiscalização; propor mudanças na legislação – e isso estamos fazendo – que estabeleçam critérios técnicos de segurança adequados para a segurança das barragens.

    Quero dizer que é inadmissível pensar que uma empresa que constrói tecnicamente um parecer pela construção de uma estrutura daquela, ela contrata a firma que vai investigar, que vai fiscalizar, que vai produzir laudos técnicos. Isso não é possível! É só no Brasil!

    O plano de trabalho da Comissão aprovou diversos requerimentos, não apenas para a oitiva das testemunhas e pessoas implicadas, mas também para a realização das diligências em algumas barragens brasileiras, que vamos oferecer publicamente e trazer ao Plenário para que a gente possa diligentemente compartilhar essas informações.

    Então, na sequência também, Sr. Presidente, nós fizemos ofícios ao Ministério Público Federal, ao Departamento de Polícia Federal – que o nosso trabalho é todo acompanhado por eles – para que a gente compartilhe toda e qualquer informação, reservada ou sigilosa, especialmente quanto aos inquéritos e às investigações destinadas a apurar responsabilidades civis e criminais do rompimento da Barragem da Mina do Córrego do Feijão.

    Por fim, Sr. Presidente, concluindo, nós oficiamos a TÜV SÜD para entregar os relatórios de auditoria que realizou para a Vale e também a própria Vale, para que entregue as imagens das câmeras de monitoramento da Barragem B1 da Mina do Córrego do Feijão, bem como a íntegra do seu plano de segurança de barragem.

    O Brasil precisa conhecer, este Congresso precisa saber. Nós tomamos essas providências iniciais para que a CPI das barragens pudesse funcionar. Já começamos a fase final e a análise de documentos que nos chegaram à mão. Não é um trabalho fácil, Senador Girão – não é.

    Nós precisamos concluir o trabalho e precisamos do comparecimento dos membros à Comissão. Alguns, por excesso de trabalho, porque têm ao mesmo tempo, outras Comissões que presidem, em que relatam, de que fazem parte, cujos processos interessam discutir, mas nós temos que prestar contas à sociedade e ao País.

    No caso desta tragédia, Sr. Presidente, eu quero dizer que prestar contas é dizer o que fazer, sobretudo, para que nunca mais, nunca mais, pessoas sejam soterradas pela incúria, pela negligência, pela ganância, pela usura, pela irresponsabilidade, mas, sobretudo, pela indiferença e pelo desleixo das pessoas – perdoe-me a expressão – que, sem escrúpulos, produziram laudos que outras pessoas, sem escrúpulos, não quiseram ver e pessoas outras que não quiseram ver; tinham conhecimento, e não tiveram interesse de compartilhar.

    Portanto, Sr. Presidente, eu venho a esta tribuna para, primeiro, parabenizar...

(Soa a campainha.)

    A SRA. ROSE DE FREITAS (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODE - ES) – ... os meus colegas Parlamentares que fazem parte desta CPI – o Senador Carlos Viana, o Senador Kajuru, a Senadora Selma, o Senador Otto, o Senador Wellington Fagundes – e que, resistentemente, estão trabalhando, dia e noite, para que a gente não possa dizer: "Há uma CPI instalada. A CPI está fazendo uma audiência. A CPI está colhendo depoimento. Há mais uma oitiva". Não é isso. A minha história pública não precisa disso, mas eu preciso, como agente da sociedade, como Senadora da República, como mulher, como mãe, prestar contas do meu mandato. O que estou fazendo aqui? O que eu preciso fazer para hoje não só acolher o sentimento daqueles que foram derrotados por essa tragédia, mas aqueles que se preocupam que essa tragédia tenha responsabilidade?

    E já que falamos de escrúpulos, que a gente também tenha escrúpulos de não se omitir diante da necessidade de produzir a verdade para o Brasil, encontrar os culpados e fazer com que a Vale se reerga. Que a Vale possa, inclusive, responder humanamente às pessoas, pelo tamanho dela, por tudo que ela construiu. Ela está agora pautada pelos sentimentos humanos e comprometidos não só com as pessoas, mas com a questão ambiental deste País.

    Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/05/2019 - Página 79