Discurso durante a 77ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Indignação com o anúncio da empresa Taurus de que em breve estará apta a vender fuzis a cidadãos comuns no Brasil, e comentários sobre o que S. Exª considera retrocessos no Governo Bolsonaro.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Indignação com o anúncio da empresa Taurus de que em breve estará apta a vender fuzis a cidadãos comuns no Brasil, e comentários sobre o que S. Exª considera retrocessos no Governo Bolsonaro.
Aparteantes
Veneziano Vital do Rêgo.
Publicação
Publicação no DSF de 22/05/2019 - Página 20
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • REPUDIO, ANUNCIO, FABRICANTE, ARMA DE FOGO, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, GESTÃO, DECRETO EXECUTIVO, POSSE, PORTE DE ARMA, SOLICITAÇÃO, APOIO, CONGRESSO NACIONAL, REVOGAÇÃO, DECRETOS.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para discursar.) – Sr. Presidente, Srs. Senadores, Sras. Senadoras, pessoas que nos acompanham pela TV Senado, pela Rádio Senado, pelas redes sociais, nós estamos – pelo menos eu estou – todos estarrecidos com o anúncio de uma empresa privada de armamentos, a Taurus, que, chamando para si o papel de interpretar uma norma legal, afirmou que está apta a vender, em breve, fuzis a cidadãos comuns no Brasil. Sim, é essa a notícia de hoje.

    Com base no decreto inconstitucional, absurdo, eu diria até irresponsável, assinado pelo Presidente da República, que quadruplicou o poder de fogo de armas acessíveis à população, a empresa aguarda tão somente a regulamentação para disponibilizar o fuzil T4 a civis.

    Uma arma utilizada até hoje apenas por forças táticas militares estará, em breve, nas mãos de qualquer brasileiro ou brasileira que quiser adquirir uma. É a completa institucionalização da barbárie no Brasil.

    Já são cinco meses de governo e o Brasil só acumula retrocessos em todas as áreas: o desemprego estoura, o número de desalentados é o maior da história, a desigualdade de renda atingiu o mais alto nível de todos os tempos, o PIB foi revisado pela 12ª vez para baixo, os preços atingem patamares cada vez maiores, a inflação sobe, o País está à beira de uma depressão econômica. Todos os recordes negativos estão sendo batidos pelo Governo, e o que o Presidente da República faz? Abraça-se a uma pauta ideológica que em nada ajuda o Brasil a sair dessa situação. Ao contrário, acelera a nossa ida para o buraco e para o fundo do poço.

     Por meio de dois decretos assinados em menos de 120 dias, Bolsonaro facilitou não só a posse como também o porte de armas. Agora, não só o indivíduo pode ter até quatro armas em casa, como algumas categorias têm o direito de portá-las da forma como quiser.

     Na minha opinião, Sr. Presidente, é uma inconsequência, é um disparate, é uma loucura. Não se consegue entender, a não ser pelo que muitos levantam de que é uma forma de pagar a fatura do apoio na campanha eleitoral, permitir que o Brasil se assemelhe a um bando de lunáticos que se sentem como se estivessem num filme de Rambo. É uma inconsequência absoluta. E o povo não quer. Isto que é o mais importante: o povo não quer.

    Ainda hoje saiu uma pesquisa do Instituto Paraná, feita em todo o Brasil, em que 60% das pessoas dizem que não querem ter uma arma em casa. Imagine se a pergunta fosse sair por aí armado. Entre as mulheres, esse número é ainda maior: 70% das mulheres brasileiras não querem que haja uma arma na sua própria casa. E por que é que o Governo insiste numa proposta que o povo não quer, que não vai mudar em nada a realidade de vida da população e que só vai colocar ao alcance do crime organizado, da marginalidade, a possibilidade de terem acesso a novas armas de fogo?

    Essa medida traz reflexos até mesmo na economia.

    O decreto pode permitir a entrada de pessoas armadas nas aeronaves e, com isso, as companhias aéreas estrangeiras vão deixar de operar voos no Brasil por risco à segurança. Olhem o absurdo: a Organização Internacional de Aviação Civil, que congrega mais de 200 países, pode nos rebaixar por esse ato e a retirada de empresas aéreas provocará aumentos imediatos nas passagens aéreas.

     Vejam que contradição: desde 2001, quando houve o atentado das Torres Gêmeas em Nova York, internacionalmente, nos aviões, nem sequer se pode utilizar faca para fazer uma refeição.

    Quando você está no aeroporto e passa com a sua mala, se tiver uma tesourinha de unha, se tiver um canivete, você tem que deixar lá no raio X. E, agora, o Presidente da República quer autorizar uma pessoa a entrar no avião armada, armada. Tem lógica isso? Hoje nem policial entra armado. Ele tem que entregar a arma ao piloto, tem que deixar essa arma trancada. Agora, o avião vai virar um desfile de pessoas armadas. Eu não sei quem vai ter coragem de viajar de avião, sabendo que pode haver alguém armado. Veja que absurdo, que despautério que nós estamos vivendo no nosso País.

    Fora isso, há as imensas consequências sociais que esses decretos vão provocar. Depois de um sólido trabalho de longos anos, os índices de homicídios começaram a cair em vários Estados do País. Justamente agora, o Presidente da República se propõe a inundar o Brasil com armas, que, certamente, serão traficadas para aparelhar a criminalidade.

     Fora isso, num país onde nós já contabilizamos mais de 50 mil mortes violentas por ano, armar os cidadãos e cidadãs é estimular a resolução de conflitos do cotidiano por meio da bala. Uma briga de trânsito, uma discussão no bar, um bate-boca entre vizinhos, tudo isso poderá acabar numa imensa tragédia...

    O Sr. Veneziano Vital do Rêgo (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - PB) – Senador...

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... com essas armas à mão, fora o imenso risco...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... a que as crianças estarão expostas ao viverem no mesmo teto onde há armas de fogo.

    Eu ouço, com atenção, o aparte do Senador Veneziano do Rêgo, nosso companheiro paraibano.

    O Sr. Veneziano Vital do Rêgo (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - PB. Para apartear.) – Obrigado, Senador Humberto Costa. Obrigado pela atenção, particularmente a esse assunto. Eu espero, como nós estamos aqui diante de dois outros integrantes da Comissão de Constituição e Justiça – o Presidente, Senador Lasier Martins, o Senador Alvaro Dias e V. Exa., Senadora Zenaide Maia – que, amanhã, efetivamente, esta Casa se posicione de maneira firme, como tem sido o seu pronunciamento e como tem sido o sentimento identificado de todos aqueles que não toleram, não se convencem, não se resignam diante daquilo a que nós estamos assistindo.

    Essa é uma posição comum a todas as pessoas que bem sabem que esse tipo de comportamento, de decisão, que não regulamenta, que desconhece, inclusive, as ordens ou a ordem hierárquica das leis, desconhecendo, por exemplo, que nós temos o Estatuto do Desarmamento, de 2003, que foi debatido... Se as convicções de Sua Excelência o Presidente da República e daqueles que o seguem – e, diga-se de passagem, inclusive, não seguido por aquele que representa o Ministério da Justiça, S. Exa. o Ministro Sergio Moro, mas que termina limitado porque não pode contestar o Presidente da República principalmente por força daquele último anúncio que o Presidente fez que o agraciará com a vaga no STF, dificilmente o Ministro Sergio Moro ousará questionar esse decreto, que é esdrúxulo. Eu poderia e haveria e teremos nós a oportunidade até porque V. Exa. foi autor de um dos projetos de decreto legislativo... Amanhã nós vamos apresentar um voto em separado, Senador Humberto Costa. Antes de adentrarmos o mérito, V. Exa. falava dos fatos que se banalizam de Pernambuco, à Paraíba, ao Rio Grande do Norte, ao Paraná, ao Rio Grande do Sul. Inevitavelmente temos muito lastimavelmente a contar de episódios de simples discussões familiares que redundam em homicídios, de discussões de trânsito que ficavam – não que nós advoguemos – na má educação entre os seus atores para aqueles que sacam das suas armas em punho e quem sabe agora doravante como quer o Presidente até mesmo com fuzis, porque a restrição a armas se tornou desconhecida com esse decreto recente que foi editado pelo Governo Federal.

    Então, eu queria me somar à sua preocupação e dizer que é tão frágil, tão pobre de consistência que nós não vamos adentrar nem as questões de mérito. Nós temos que sustar efetivamente o decreto por força da sua completa ausência de fundamentos jurídicos e desconhecimento daquilo que deveria ser de conhecimento por parte dos que acompanham o Presidente da República; ou seja, não tem cabimento um decreto que não regulamenta. Não há qualquer regulamentação no decreto proposto, um decreto que faz com que as exigências postas no Estatuto do Desarmamento...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Veneziano Vital do Rêgo (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - PB) – ... sejam simplesmente desconhecidas, porque a necessidade de comprovar a presente e premente condição de poder requerer um registro para porte de arma hoje, com esse decreto, não mais é exigível. Então, precisamos nós dar uma resposta, mas não é uma resposta por força de ter sido uma iniciativa deste ou daquele Presidente; é porque se desconhece aquilo que foi por nós, pelo Congresso, debatido. Tomara que amanhã na pauta o item 1 seja a apreciação dos relatórios que virão a ser expostos. Que debatamos, mas que sustemos esse lastimável... Imagine V. Exa., que dizia: "Nós vamos ter a entrega de armas até mesmo aqui, porque o Presidente diz que todo agente político detentor de mandato... Seremos 81. Eu não. Tenho certeza de que V. Exa. também não. A Senadora Zenaide não se arma senão com as boas convicções que tem, assim como os Senadores Lasier e Alvaro Dias. Mas imaginemos nós, todos os Srs. Vereadores, Deputados Estaduais, Prefeitos, Governadores, Senadores, Deputados Federais. Esta Casa já foi palco lamentavelmente e a história conta. Que bom seria se nós pudéssemos simplesmente desconhecer essas passagens, aquilo que seja um debate de divergências de opinião, divergências partidárias, ideológicas pode quiçá levar alguém a sacar de uma arma e discutir na base em que nós não desejamos.

    Eu não estou exagerando, e V. Exa. bem o sabe. A população brasileira, com esse decreto que o Presidente da República fez editar, toda ela estará armada, porque, em qualquer uma daquelas inúmeras previsões, caso não tenha a oportunidade de ter o porte de arma, qualquer pessoa pode se alistar, pode se inscrever, pode se tornar sócia de um clube de tiros, pode se apresentar como caçadora, pode se apresentar como colecionadora de armas.

    Enfim, Senador Humberto Costa, é isso que a gente lamenta. E lamentamos muito mais quando o Presidente insiste em tentar levantar, incitar, instigar a opinião pública contra o Congresso quando nós queremos fazer o bom debate. E esse debate nós desejamos. Se o Presidente desejar propor a revisão do Estatuto do Desarmamento, que o faça através dos meios e dos instrumentos que, constitucionalmente, regimentalmente, são conhecidos de todos nós.

    Então, os meus parabéns por trazer de volta esse assunto. Nós o trouxemos há cerca de 15 dias, logo em seguida ao anúncio desse decreto. O lastimável é que ainda há alguns, em razoável número, a aplaudir, em sorriso, fazendo até as menções de armas, o que não é compreensível e aceitável.

    Muito grato pela sua generosidade de poder ter-me como aparteador de V. Exa.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Agradeço a V. Exa. pelo aparte. Integro ao meu pronunciamento a sua fala, com muito prazer. Vejo que concorda integralmente comigo.

    Mas, além de a maior parte da população não querer, metade dos Governadores do Brasil já assinaram uma carta pedindo ao Presidente da República a imediata revogação desse decreto, que vai fazer proliferarem as armas e munições em todo o País, favorecendo o tráfico ilícito e jogando todo esse arsenal para o uso dos criminosos, entre eles as chamadas milícias, que estão tão em voga nesses últimos meses.

    Todos sabemos dos gravíssimos problemas que enfrentamos na área da segurança pública. Todos sabemos dos riscos a que os brasileiros estão expostos diariamente nas ruas do País, o drama das vidas perdidas, das famílias destruídas por mortes provocadas por armas de fogo. Mas não é inundando o País com mais armas, não é autorizando cidadãos e cidadãs a terem acesso a fuzis e a 5 mil munições por ano... São 5 mil! Quem tiver quatro armas pode ter 16 mil balas por ano. Para fazer o quê? É uma guerra? E não será dessa maneira que nós vamos sair dessa calamidade social.

    Nós precisamos de políticas públicas sérias nessa área. As soluções para o enfrentamento da violência virão somente como uma coordenação efetiva entre a União, os Estados e os Municípios que articule os esforços de todos para o combate à criminalidade. As soluções virão com investimento em inteligência, que dê capacidade às forças da ordem de uma repressão qualificada aos criminosos, virão com o fortalecimento do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, para atuar nos gargalos, oferecer prevenção e combater a violência.

    Abarrotar o País de armas e vender isso como solução ao crime é enganar a população, que, aliás, já rejeitou essa fórmula. É um equívoco, é um estelionato. É uma terceirização inaceitável da responsabilidade do Estado, a quem cabe prover a segurança pública.

    Por isso é urgente que o Congresso Nacional aja em consonância com os Governadores e com o povo, para barrar esse quadro de atrocidade que se avizinha.

    A nossa Bancada já apresentou um projeto de decreto legislativo para sustar esse ato arbitrário do Presidente da República, que, de forma ilegal, instaurou um "estatuto do armamento" no Brasil.

    É função desta Casa legislativa...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Vou concluir... fiscalizar o Poder Executivo, e, no caso em que ele exorbita as suas atribuições, como este, é imperioso que nós restauremos a legalidade. E é urgente que o façamos ou estaremos concordando com uma rápida degradação do estágio civilizatório da nossa sociedade, com consequências irreversíveis para a segurança, a integridade e a vida de milhares de brasileiros.

    Muito obrigado pela tolerância, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/05/2019 - Página 20