Discurso durante a 83ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Observações acerca da manifestação a favor do Governo Federal, do último domingo. Críticas à forma de governar do Presidente da República. Alerta para a importância do respeito às instituições do Estado democrático. Posicionamento favorável à permanência do Coaf no âmbito do Ministério da Justiça.

Autor
Randolfe Rodrigues (REDE - Rede Sustentabilidade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Observações acerca da manifestação a favor do Governo Federal, do último domingo. Críticas à forma de governar do Presidente da República. Alerta para a importância do respeito às instituições do Estado democrático. Posicionamento favorável à permanência do Coaf no âmbito do Ministério da Justiça.
Publicação
Publicação no DSF de 28/05/2019 - Página 46
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • COMENTARIO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, FAVORECIMENTO, GOVERNO FEDERAL, CRITICA, FORMA, GESTÃO, GOVERNO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, JAIR BOLSONARO, IMPORTANCIA, RESPEITO, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA, DEMOCRACIA, POSIÇÃO, ORADOR, DEFESA, PERMANENCIA, CONSELHO DE CONTROLE DE ATIVIDADES FINANCEIRAS (COAF), AMBITO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ).

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP. Para discursar.) – Sr. Presidente, meu querido amigo Eduardo Girão, em primeiro lugar, se há algo mais característico de uma democracia, é a manifestação livre, democrática nas ruas, a manifestação livre do povo; essa é a maior manifestação de uma democracia. E eu prefiro um regime em que o povo vai às ruas de 15 em 15 dias manifestar suas posições, sejam elas quais forem, porque a democracia, inclusive, é isto, Presidente, Eduardo Girão: a democracia é o regime que permite que o povo fale mal dela própria. É Churchill que diz, não é? É o pior de todos os regimes, mas até hoje a humanidade não fundou nenhum outro melhor que esse. A democracia permite e possibilita isso. Aliás, a democracia não só permite e possibilita isso; isso revigora a democracia; isso se revigora quando o povo vai às ruas. Por isso, eu vou ficar aqui medindo qual foi a manifestação maior: se foi a do dia 15, se foi a de ontem? Eu acho que isso pouco importa neste momento. O povo tem o direito livre de se manifestar quando quiser, como quiser e sobre o que quiser, em que pesem algumas das manifestações de ontem.

    Embora alguns setores tenham dito que a tônica da manifestação era a reforma da previdência, vamos convir, a palavra de ordem em muitos locais era: "Fechem o Congresso!", "Intervenção no Supremo Tribunal Federal!". Apesar do excesso, é legítimo para qualquer um do povo assim se manifestar. O que não é legítimo é o Presidente da República, no uso de suas atribuições, de sua conta especial na sua rede social, atentar contra as instituições democráticas. A democracia resiste, possibilita até que os cidadãos se manifestem até contra ela e contra as instituições que a sustentam. A democracia não resiste, a democracia não aceita, a Constituição, inclusive, determina como crime de responsabilidade quando o mais alto mandatário da nação incita, conclama, provoca. E por que a democracia não aceita isso? Porque a história provou, a história do Estado de Direito e a história dos últimos anos provaram que não leva isso a bom termo.

    Há um precedente muito conhecido na história por volta do período 54 a 68 d.C., quando em Roma ascendeu ao trono romano um imperador chamado Nero. O episódio do atual Presidente da República e o de Nero têm muita similaridade. Senão, vejamos: a aventura que busca o atual Presidente da República é de uma espécie de Governo plebiscitário, que opõe o povo e suas instituições, que tenta forçar a mão em relação a isso. Ontem foi um ponto culminante disso. É, o que eu diria, uma espécie de chavismo de direita.

    Tão condenável quanto o chavismo na Venezuela é este a que estamos assistindo ter lugar aqui em torno de um tal cruzadismo moralista que se derrete à minha primeira constatação dos fatos. Alguns foram ditos pelo Senador Telmário, que me antecedeu na tribuna. Outros eu vou dizer: o cruzadismo bolsonarista ainda não foi possível demitir o Ministro do Turismo, com a sequência de escândalos de envolvimento e de financiamento laranja das campanhas do seu partido. Aliás, parece haver uma seleção de quem é demitido: o moço lá do Palácio, o Bebbiano, foi demitido rapidamente e foi demitido pelo filho do Presidente da República. Agora, o outro no Turismo se sustenta. É um cruzadismo moralista seletivo: "A corrupção que tem que ser punida é a do outro, a que está no meu Governo deve ser protegida."

    Então, esse tipo de comportamento – eu repito – tem um antecedente na história que eu digo que não pode ser repetido no Brasil. Nero, em Roma, achava-se um enviado dos deuses, um enviado dos deuses para refundar Roma, que estava abandonada por uma série de políticos inescrupulosos e corruptos. Nero queria promover uma grande reforma urbana. A ideia dele era pôr bairros inteiros abaixo para erguer construções mais modernas e adaptadas à sua estética peculiar. Para colocar em prática o seu plano de purificar Roma e reerguê-la à sua imagem e semelhança, provocou, entre 18 e 19 de junho do ano de 64 d.C., um grande incêndio, causando uma enorme quantidade de mortos, segundo historiadores, até os dias de hoje, com número desconhecido.

    Nero, apesar de sua total degradação moral, que deprimia o Império, após um período de ascensão econômica e de esplendor, acusava sempre os outros – qualquer semelhança não é mera coincidência – pelos fracassos: acusava os judeus, as instituições romanas pelo clima de pessimismo generalizado que cercava a cidade; perseguiu e matou intelectuais, entre eles Sêneca, um dos mais brilhantes historiadores e intelectuais da Antiguidade. Contam na história que, enquanto Roma era ateada por fogo, Nero ficou cantando e tocando lira. Culpava também os cristãos que se recusavam a venerá-lo como uma divindade. Em conta disso, ordenou que milhares de cristãos fossem sacrificados no Coliseu e levados ao espetáculo das feras, mas nem isso apaziguou a sua sanha.

    As manifestações – não as manifestações em si, eu repito, mas as manifestações em um regime democrático – sempre são legítimas, mas o Presidente da República buscava que as manifestações de ontem emparedassem as instituições do Estado de direito. Esse intuito, é importante dizer ao Presidente da República, fracassou. Esse fracasso está patente, embora, ao longo do dia de ontem, ele tenha – o próprio Presidente da República – se contradito: pela manhã, em um evento, disse claramente que todo o povo iria às ruas, num claro incentivo às palavras de ordem mais radicalizadas das manifestações; ao fim da tarde, para a imprensa, desdisse o que tinha dito anteriormente.

    Sr. Presidente, nunca foi tão necessário superar a polarização que nós temos hoje no Brasil. E essa polarização existe, de um lado – eu repito –, por parte do Presidente da República –, incentivada pelo Presidente da República –, e do outro, admito, incentivada até por setores da oposição. Este Fla-Flu não contribuirá com a sociedade brasileira, não nos ajudará a superar a gravíssima crise. Mais do que atiçar contra as instituições, o que se espera de um Presidente da República é que ele apresente as alternativas concretas para resolver o gravíssimo drama que nós temos de mais de 13 milhões de desempregados. O que se espera do Governo é que ele apresente as alternativas para que nós possamos entrar num ciclo de crescimento sustentável e sair dessa enrascada colocada nos últimos anos, que, claro, não é obra deste Governo, vem desde antes, mas que tem neste momento a cumplicidade deste Governo em não retomar a agenda política e ficar como um tal Nero da modernidade, tentando o incêndio de Roma para completar a sua loucura. É isto que nós esperamos de um Presidente da República: sensibilidade para unir a Nação, para juntar todos os diferentes.

    Ora, ainda ontem, eu ouvi um depoimento muito interessante de uma das pessoas sensatas deste Governo, que está no Palácio do Planalto e que é constantemente ofendida por aquele astrólogo que está lá, na Virgínia, nos Estados Unidos, e comanda o núcleo central deste Governo. Este integrante do Governo, o General Santos Cruz, fez uma declaração ponderada, dizendo que, após a reforma da previdência, o Presidente pretendia unir o Brasil e unir as instituições.

    Ora, Sr. Presidente, veja: eu quero aqui testemunhar como alguém, assim como V. Exa., como dois Senadores aqui que acham que existem questões nas instituições que têm que ser investigadas. Eu e V. Exa. subscrevemos uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar eventuais excessos no Poder Judiciário. Mas esse é o instrumento legal! Eu quero o Supremo Tribunal Federal funcionando, aberto, porque ele, bem ou mal, com os ministros que há hoje... E, se achamos que os ministros que há hoje têm que ter substituição, existem procedimentos a ocorrer no âmbito do Senado e no âmbito das regras do Estado de direito. Mas atacar a instituição Supremo Tribunal Federal... Eu posso concordar com ela ou divergir dela, eu posso subscrever Comissões Parlamentares de Inquérito em relação à atuação de membros de Judiciário, como assim nós o fizemos, mas desmoronar, destruir, desarticular as estruturas do Estado de direito não me parece um bom caminho para a nossa democracia.

    Eu tenho todas as críticas à atuação do Congresso Nacional, todas as críticas. Ninguém mais do que eu tem críticas; aliás, eu tenho mais críticas ao Congresso Nacional que o Presidente da República. Eu estou aqui desde 2011, nunca fui do centrão, e ele já foi. O Presidente da República se esquece de que, entre 2011 até ser eleito Presidente, era desse campo parlamentar que hoje tanto condena. E desse campo parlamentar que ele tanto condena, eu nunca fui; aliás, sempre me opus a ele, sempre estive no outro lado. Mas querer esgarçar, propor e incentivar o discurso do fechamento do Congresso, incitar a derrota das instituições, incitar a desestruturação – repito –, tal qual Nero, tocando fogo nas instituições ao todo... Para qual caminho e alternativa nós seguiremos? Isso não nos levará à recuperação. Quem está nos assistindo agora quer saber como o País vai fazer, como nós, aqui, no Congresso, faremos para recuperar empregos, para retomar o crescimento econômico.

    Amanhã – amanhã –, provavelmente, nós votaremos a MP 870 aqui. Amanhã teremos um bom momento para ver o Senhor Presidente da República diante de suas próprias contradições. Como o senhor sabe, Presidente Girão, sou Líder da oposição aqui na Casa. Não falo por toda a oposição, mas nós, da Rede, vamos apoiar o destaque para que o Coaf fique no Ministério da Justiça, não porque isso seja...

    Porque eu acho que o Coaf cumprirá o seu papel seja onde for. E, se o Ministro de Estado da Justiça quer que o órgão que combate a sonegação fiscal, o crime organizado, a evasão de divisas, fique sob a sua égide, se o Ministro da Justiça assim o quer, por que nós vamos divergir? Só irá divergir quem tem alguma coisa a temer da atuação do Coaf. Para mim, o Coaf fica no Ministério da Cultura, no Ministério da Fazenda, da Agricultura, seja onde for; eu não tenho operação indevida, então, não tenho por que temer ele ficar no Ministério da Justiça.

    Se o Ministro da Justiça disse para nós "não, para minha atuação, é mais justo e adequado que aqui ele fique", terá o nosso apoio.

    Não sei como se posicionará o Governo aqui, paradoxalmente, porque o Líder do Governo, claramente, pelas posições do Presidente da República, pode aqui sustentar o inverso disso.

    Não me venham dizer que não dará tempo. Essa medida provisória expira no dia 3 de junho. Hoje estamos no dia 27 de maio – 27, 28 e 29 –, podemos alterar aqui amanhã; na quarta-feira segue para a Câmara dos Deputados; na quarta mesmo, a Câmara ratifica a alteração feita aqui. Então, não venham com a história de que não dará tempo. Tempo dá.

    Só que, amanhã, é um bom dia para máscaras caírem, para aqueles que fazem jogo duplo com a opinião pública mostrarem a que intento de fato servem e de que lado também servem. Gostaria, amanhã, de ouvir a posição da Liderança do Governo aqui nesta Casa, de saber qual o seu desejo, porque a Liderança do Governo falará pela voz do Presidente da República, e aí saberemos qual a verdade com relação a isso.

    Portanto, eu considero que esses aspectos do debate, de nossa parte, não têm sido óbice para governar. Só estou dando um exemplo aqui. Se o Presidente da República ou o Ministro da Justiça quer o Coaf no Ministério da Justiça, lá estará no que depender da oposição – no que depender da oposição.

    Agora, não venha o Presidente tentar ensandecer, conspirar contra as instituições do Estado de direito, criar um discurso artificial, não responder ao óbvio: por que foi contingenciado mais da metade dos recursos da educação superior, das universidades públicas? Por que as universidades públicas estão sendo condenadas a fechar suas atividades até junho, julho deste ano?

    Volto, já para concluir, Sr. Presidente, à declaração do General Santos Cruz. O General Santos Cruz, na melhor das intenções – repito, acho que é um dos bons quadros deste Governo –, declarou e disse: após a reforma da previdência, o Presidente da República pretende dialogar. Pretende, em outras palavras, ser mais humilde, no seu comportamento. Mas qual a garantia que ele dá às instituições se, agora, ele se arvora a incitar, a tocar fogo, voltando ao paralelo em relação a Nero e a Roma, nas instituições? Qual é a garantia e segurança que se terá depois?

    Sr. Presidente, falo para concluir e repito algo que já disse aqui enésimas vezes, desta tribuna: eu não espero que a conduta de um Presidente da República seja a de um líder incendiário. Eu não espero de um Presidente da República que atue no Governo como se líder de oposição fosse. Eu não espero que o Presidente da República, pior que isso, atue no Governo como se líder de facção fosse. O Presidente da República não está no cargo de mais alto mandatário da Nação para governar para meia dúzia, para 15%, para 20%, mas para governar para todos os brasileiros, para, se houver divisão, unir todos, juntar, não para dividir, não para separar. O Presidente da República está nesse cargo de mais alto mandatário da Nação para se comportar com a serenidade que o cargo exige, para se comportar com a sobriedade que o cargo exige. Se ele quer, de fato, combater a corrupção, terá em nós aliados em relação a isso, mas que comece com a pasta do seu Governo, demitindo seu Ministro do Turismo. Se ele quer que o Coaf fique no Ministério da Justiça, terá aqui o nosso apoio, mas que ele não crie falsos discursos, falsos discursos de uma cruzada moralista hipócrita, e, na prática, não tente tocar fogo nas instituições, tocar fogo e dividir a sociedade brasileira. Não é aceitável.

    Eu falo isto com a autoridade de alguém que esteve neste... Eu estou aqui diante de dois colegas, Alvaro Dias e Eduardo Girão. Alvaro está há mais tempo aqui. Sempre fomos minoritários. Eu e Alvaro nunca fomos de centrão nenhum aqui. Nunca fomos de centrão nenhum. Eu e você sabemos muito bem as críticas que temos à atuação do Congresso. Tenho muita honra de ter sido o Relator da PEC do Fim do Foro Privilegiado, de sua iniciativa, de sua autoria. Sustentamos isso. É com essa autoridade que eu digo: eu prefiro o Congresso com todas as suas vicissitudes – e estas palavras não são minhas; são de Ulysses Guimarães –, com todos os seus defeitos, com todos os seus problemas, mas emanado da vontade popular, a um Congresso fechado, como havia no arbítrio; a um Congresso achincalhado; a um Congresso desmoralizado; a um Congresso em chamas, como o quer o Senhor Presidente da República.

    Nós, os três que aqui estamos – falo isto para concluir...

(Soa a campainha.)

    O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - AP) – ... subscrevemos uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o Judiciário, mas neste momento eu me solidarizo com o Supremo Tribunal Federal. Não é solidariedade para com seus membros, mas para com a instituição, porque é um princípio indissolúvel, indissociável da existência da democracia, e assim preceitua a Constituição já no art. 2º, a existência de Poderes independentes e harmônicos. Aliás, nenhum país do mundo onde não foi respeitada a separação dos Poderes, onde não foi respeitada a institucionalidade, o funcionamento democrático das instituições, nenhum país do mundo em que isso não foi respeitado deu em bom termo.

    Então, que o Senhor Presidente Jair Bolsonaro recolha seu chavismo de direita, não tente tocar fogo em Roma, respeite as instituições do Estado democrático de direito e, na prática, combata a corrupção, passe do argumento para os gestos concretos. Demitir o seu Ministro do Turismo já seria uma boa medida.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/05/2019 - Página 46