Discurso durante a 88ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a intolerância no cenário atual mundial e brasileiro.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CIDADANIA:
  • Reflexão sobre a intolerância no cenário atual mundial e brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 04/06/2019 - Página 34
Assunto
Outros > CIDADANIA
Indexação
  • ANALISE, AUSENCIA, TOLERANCIA, BRASIL, MUNDO.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Para discursar.) – Presidente Petecão, eu vou falar hoje sobre intolerância. O tema da minha fala de hoje é sobre a intolerância devido aos tempos que o Brasil está vivendo.

    A intolerância deixa a alma ferida. A intolerância é a ausência do conviver com as diferenças, de não aceitar as pessoas como elas são, de não aceitar o ponto de vista dos outros.

    E por que o ser humano é intolerante? Porque a sociedade caminha, nestes tempos tão conturbados, para o extremo da intolerância, ou seja, para a violência mental e física. A intolerância tem como base o preconceito, a discriminação. Isso leva, consciente ou inconscientemente, à busca pelo controle, à busca pelo poder, à busca pela supremacia e se dá através do racismo, do sexismo, do antissemitismo, da homofobia, do etarismo, da intolerância religiosa, da intolerância política e da intolerância social.

    Existem vários estudos que explicam a intolerância ou pelo menos tentam explicar quais motivações levam a esse comportamento. A coletividade e a solidariedade saem de cena e dão lugar ao individualismo, ao imediatismo. Não há mais o "nós", só o "eu" é que prevalece.

    Segundo o estudioso Zygmunt Bauman, o ritmo incessante das transformações gera angústias e incertezas e dá lugar a uma nova lógica pautada pelo individualismo e pelo consumo. Isso é o que ele chama de modernidade líquida. Fluidez é a qualidade de líquidos e gases. Os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade. Os fluidos se movem, segundo ele, facilmente. Eles fluem, escorrem, esvaem, respingam, transbordam, vazam, inundam. A modernidade líquida para ele é o momento histórico que vivemos atualmente em que as instituições, as ideias e as relações estabelecidas entre as pessoas se transformam de maneira mais rápida e imprevisível – e prevalece, infelizmente, o ódio. A modernidade líquida traz consigo a intolerância.

    Conforme o Dossiê Intolerâncias, as crises políticas e econômicas também motivam comportamentos intolerantes na linha do ódio. Quando um país enfrenta uma crise, é comum que grupos políticos busquem culpados. É aí que surgem figuras políticas de posicionamentos radicais com propostas simples para problemas profundos.

    No mundo inteiro, temos visto o surgimento de partidos tanto de extrema direita como de extrema esquerda. Isso é fato, é realidade. Por isso, temos que ficar de olhos bem abertos, fazendo a vigilância necessária.

    O crescimento das redes sociais contribui para que a intolerância fique mais visível. Segundo a ONG SaferNet, nos últimos anos, as denúncias contra páginas que divulgam conteúdos racistas, xenófobos, misóginos, homofóbicos, neonazistas e de intolerância religiosa cresceram mais de 200%.

    Tudo é muito rápido, tudo é liquido. As informações circulam em segundos, num estalar de dedos. Há um enorme distanciamento. Tudo contribui para a polarização política. Tudo vira intolerância.

    É claro que não é fácil conviver com opiniões, crenças, valores e contextos diferentes, mas o mínimo que temos que fazer é respeitar o outro. Eu posso não concordar, mas tem o meu respeito.

    Quantas e quantas vezes escutamos relatos de agressões verbais, agressões físicas, desrespeito e intolerância em razão de opinião – opiniões muitas vezes políticas –, orientação sexual, religião, futebol, nacionalidade, raça ou mesmo pela cor da pele.

    Eu já citei aqui, neste Plenário, alguns escritos do Prêmio Nobel de 1986 Elie Wiesel. Tendo perdido, aos 15 anos, a mãe, o pai e uma irmã nos campos nazistas de extermínio, afirmou esse pensador – abre aspas:"Eu jurei nunca ficar em silêncio onde os seres humanos estiverem passando por sofrimento e humilhação. Devemos sempre tomar partido. Neutralidade ajuda o opressor, nunca a vítima. O silêncio encoraja o torturador, nunca o atormentado" – fecha aspas.

    O cenário do mundo e do Brasil atual é de muita intolerância, de todos os tipos.

    Os Estados Unidos querem construir, por exemplo, um muro na divisa com o México. Ora, o muro de Berlim caiu há 30 anos, todos nós lutamos para que ele caísse, para que não houvesse mais separação.

    Imigrantes e refugiados são alvo de intimidação, racismo, violência e ódio. No ano passado, a ONU emitiu nota preocupada com a violência contra imigrantes e refugiados venezuelanos no Brasil.

    Há poucos dias, o Governo alemão aconselhou os judeus a evitarem o uso do quipá, um acessório religioso, em público, devido ao aumento do número de incidentes antissemitas e contra estrangeiros.

    Em maio deste ano, membros de um terreiro de candomblé localizado na Bahia foram vítimas de intolerância religiosa. Recentemente, segundo a imprensa, traficantes e milicianos impediram um terreiro de umbanda e candomblé de funcionar em Duque de Caxias, Baixada Fluminense, Rio de Janeiro.

    O Brasil registrou em 2019, até o momento, 141 mortes de pessoas LGBTs, mais de uma morte por dia. Esse número mantém o País entre os que mais matam LGBTs no mundo, seguindo a tendência de anos anteriores.

    As mulheres são alvos de feminicídio, violência moral, patrimonial, psicológica, sexual, obstétrica, institucional. A média mensal de casos de violência contra a mulher cresceu 24% de 2017 para 2018. Tentativas de assassinato mais do que dobraram. Entidades internacionais alertam para o enfraquecimento de política destinada a esse público – leiam: as mulheres. Desde o início do ano, uma média de cinco ocorrências de feminicídio foi registrada no Brasil por dia. O levantamento foi realizado pelo professor Jefferson Nascimento, doutor em direito internacional pela Universidade de São Paulo. Há registro de ocorrências em pelo menos 94 cidades, distribuídas por 20 Estados e no DF.

    Há também intolerância contra pobres, contra negros, contra índios, contra idosos, contra aposentados, contra crianças, contra adolescentes. Há intolerância contra posicionamentos políticos, por se ter esta ou aquela opinião, por se ser deste ou daquele partido, intolerância por ser governo, intolerância oposição.

    O que fazer contra a intolerância? Contra esse mal que amarga a vida...

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – ... das pessoas? O que devemos fazer para termos uma sociedade saudável, fraternal?

    A intolerância traz o radicalismo, o extremismo, a discórdia, o rancor, o ódio – repito –, a violência, a frieza, o desânimo, o desamor, a morte.

    A desumanidade do homem para com seus semelhantes não pode ser a marca do nosso mundo. Pelo contrário, o ser humano deve ser o centro, a nascente do rio, o porto seguro nos mares bravios.

    Ah, meu Brasil brasileiro! Ah, meu Brasil brasileiro! Nós o queremos generoso, liberto, democrático, igual, solidário, fraterno, conciliado e plural, sem intolerância. Somente assim, podemos ser felizes.

    É preciso cultivar a tolerância, banir a intolerância. Ela é o esteio da vida, é o sacrifício da evolução da condição humana, mas tolerar também é praticar e, por isso, vira uma virtude. Tolerar é ensinar às crianças que todos somos iguais. O segredo da tolerância está no poder da palavra, do bom senso, do diálogo. Só assim, podemos transformar o mundo e o nosso País. Não há alternativa, não há plano "a" ou plano "b". Há tão somente a existência de sempre seguir o caminho do bem – fazer o bem sem olhar a quem. Sim, é possível pintar o Planeta com as cores da paz, com as cores do amor, com as cores da justiça, com as cores da liberdade, com as cores da igualdade, com as cores da solidariedade.

    Muito obrigado, Sr. Presidente, pela tolerância.

    Este meu pronunciamento no dia de hoje é sobre a intolerância no Brasil e no mundo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/06/2019 - Página 34