Discurso durante a 93ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas à Operação Lava Jato ante os recentes episódios divulgados na imprensa que apontam possível conluio entre o Ministro Sérgio Moro e o Procurador Deltan Dallagnol na condução da operação. Destaque para a suposta interferência dos Estados Unidos no curso da Operação Lava Jato.

Autor
Rogério Carvalho (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: Rogério Carvalho Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:
  • Críticas à Operação Lava Jato ante os recentes episódios divulgados na imprensa que apontam possível conluio entre o Ministro Sérgio Moro e o Procurador Deltan Dallagnol na condução da operação. Destaque para a suposta interferência dos Estados Unidos no curso da Operação Lava Jato.
Publicação
Publicação no DSF de 11/06/2019 - Página 20
Assunto
Outros > CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Indexação
  • CRITICA, OPERAÇÃO LAVA JATO, FATO, NOTICIARIO, DIVULGAÇÃO, IMPRENSA, POSSIBILIDADE, CONLUIO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), SERGIO MORO, RELAÇÃO, PROCURADOR, TRABALHO, OPERAÇÃO, COMENTARIO, INTERFERENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DURAÇÃO, OCORRENCIA.

    O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, Senador Kajuru, Senador Alvaro Dias, Presidente Senador Marcos Rogério, querido amigo, todos os que nos assistem, todos os brasileiros e brasileiras que nos assistem pela TV Senado, antes de mais nada, eu quero me solidarizar com aqueles que formam as instituições republicanas brasileiras, quero me solidarizar com o Judiciário, quero me solidarizar com o Ministério Público Estadual, Federal, do Trabalho, com a instituição Ministério Público.

    Como médico, a gente sabe que, quando o nosso corpo é invadido, ele procura se defender. E tem um esquema altamente preciso de defesa, que ataca o elemento estranho ou a parte estragada que se degenerou do próprio corpo, eliminando-a para preservar o corpo. Então, quando uma célula se degenera, o nosso sistema imunológico vai lá e, para evitar que aquilo se transforme num tumor, num câncer, que mate o próprio corpo, destrói aquelas células. E assim a gente vive 70, 80, 90 anos. E é assim que o corpo vai expurgando as degenerações que vão surgindo ao longo de toda a nossa existência.

    E nós construímos, no Brasil, alguns instrumentos para dar conta disso, no Governo do Presidente Lula, por exemplo, o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público. E eles agora têm uma tarefa muito importante, que é a preservação dos corpos do Judiciário e do Ministério Público, expurgando a parte que se degenerou, circunscrevendo aquilo que se degenerou – coisa que a Lava Jato não fez quando acabou destruindo empresas importantes para a nossa economia e importantes para o nosso País. Deveria ter preservado o corpo, ter pego a parte degenerada das empresas, ter punido, retirado, mas ela colocou como se tudo... E atacou como uma quimioterapia violenta que não separa célula boa de célula ruim, e nos levou para um caos econômico de desemprego e de desalento na nossa sociedade.

    Estava aqui ouvindo o Senador Marcos Rogério, e, de ontem para cá, nesse final de semana a gente teve muitas notícias. E me chama a atenção que não me parece só que a Lava Jato tenha uma função exclusiva de resolver o problema da corrupção, porque a solução e o combate à corrupção não começaram com a Lava Jato. Aliás, foi no Governo do PT que mais se fez operações de combate à corrupção; foi no Governo do PT que se criou ou que se aprovou a lei das delações; foi no Governo do PT que se respeitou, por exemplo, a lista tríplice do Ministério Público; foi no Governo do PT que se deu autonomia à Polícia Federal. Então, nós não podemos falar de combate à corrupção como algo exclusivo de uma operação de combate à corrupção, como a Lava Jato.

    Mas é importante dizer que as revelações demonstram o que todos já sabiam, mas não tinham como provar cabalmente: a condenação de Lula é uma gigantesca farsa jurídica! Em qualquer país minimamente civilizado, o processo contra Lula bem como boa parte da Lava Jato já teriam sido anulados há muito, em face dos gigantes atropelos da presunção da inocência e do devido processo legal.

    E aqui nós estamos diante do que nós vimos revelado pelo The Intercept, que não é nada nem nenhum instrumento desconhecido, legítimo no mundo inteiro. A gente viu o devido processo legal sendo agredido, quando o juiz, que é o árbitro, coordena, manda, define como o Ministério Público deve agir, como a Polícia Federal deve agir. Não há cidadão por mais probo, por mais correto, por mais digno, que resista à perseguição do Estado. É impossível a qualquer cidadão resistir à perseguição do Estado.

    De fato, a Lava Jato implantou verdadeiro vale-tudo contra o PT e Lula, o que inclui conduções coercitivas ilegais, tortura psicológica de testemunhas, indução de delações direcionadas, vazamentos ilegais e escutas telefônicas ilegais, como a da Presidente da República, uso equivocado de vazamentos e um oceano de convicções políticas num deserto de provas que foi a condenação de Lula no processo do tríplex. Até mesmo o escritório dos advogados do Lula foi grampeado pelos justiceiros convictos.

    Nos Estados Unidos, Senador Marcos Rogério, país que inspira nossos justiceiros, o grampeamento de um escritório de advocacia é um crime gravíssimo que anula automaticamente qualquer processo e leva à cadeia os seus autores. Sabe por quê? Porque o advogado, no Brasil, é o único profissional que tem prerrogativas de Estado sem ser funcionário público e sem ter delegação do voto. Sabe por quê? Porque, no sistema jurisdicional – e olhe que eu sou médico –, é o juiz, o promotor e o advogado que compõem, e eles não podem se combinar, senão é conluio, senão a ação se transforma numa ação criminosa, que é o que parece ser o que estamos vendo ser denunciado neste momento.

    Mas, com o apoio dos verdadeiros donos do poder, os nossos justiceiros convictos tornaram-se heróis, heróis da causa do antipetismo e de um protofascismo galopante, que acabou triunfando em eleições manipuladas pelas fake news e pela fake justice, ou pela Justiça falsa. Assim, o jogo combinado entre juiz e os promotores serviu a um grande propósito político, além das meras ambições pessoais. Contudo, isso é apenas uma pequena parte da história à qual a gente precisa ficar atento.

    A Lava Jato, distorcida e politicamente motivada, não foi criada e conduzida por Moro ou Dallagnol. Ela foi criada e instruída pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos. Isso é público e notório. A influência dos Estados Unidos nas procuradorias brasileiras é objeto de várias mensagens diplomáticas norte-americanas vazadas pelo WikiLeaks e amplamente divulgadas em outras reportagens. Essas mensagens mostram como a Lava Jato foi criada basicamente pelo Departamento do Estado e por ele conduzida conforme os seus próprios métodos.

    É fato que os Estados Unidos se utilizam de suas próprias leis e do seu sistema jurídico para impor seus interesses no mundo. Nota-se a esse respeito que a Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), lei norte-americana que busca coibir que companhias façam pagamentos a funcionários de governos em troca de vantagens a seus negócios, tem nítido caráter extraterritorial. De fato, para o Departamento de Estado de Justiça norte-americano, os atos de corrupção investigados podem ter ocorrido em qualquer país desde que a empresa mantenha vínculos ainda que mínimos com os Estados Unidos. Assim enquadram-se nessa lei empresas que tenham ações em bolsas americanas, investimentos ou mesmo contas bancárias nos Estados Unidos. Na visão do Governo norte-americano, essa lei teria lhe propiciado uma espécie de jurisdição internacional para investigar casos de corrupção em todo o mundo. Como dificilmente uma empresa internacionalizada não tem interesse nos Estados Unidos, isso submete todas as empresas de alguma relevância ao crivo jurídico e político da lei norte-americana. Dessa maneira, o combate aparentemente neutro à corrupção em nível internacional pode ser facilmente desvirtuado para beneficiar interesses geopolíticos e geoeconômicos específicos.

    Em seu recente livro The American Trap, A Armadilha Americana, Frederic Pierucci, ex-executivo da companhia francesa Alstom, denuncia que os Estados Unidos usavam suas leis e seu sistema de cooperação jurídica internacional como arma econômica para eliminar concorrentes de empresas norte-americanas. Haveria assim uma espécie de imperialismo jurídico que contribui decisivamente para reforçar os interesses econômicos e políticos dos Estados Unidos em todo o mundo. Pierucci foi preso pelo FBI, em Nova York, com base na citada lei dos Estados Unidos, sob a alegação de que havia participado de um pagamento de propina na Indonésia. Independentemente da consistência ou não da acusação, o absurdo salta aos olhos. Um executivo de uma empresa francesa que teria cometido um suposto crime na Indonésia é preso pelos Estados Unidos em território norte-americano, com base numa lei norte-americana. O fato concreto é que o Departamento de Estado dos Estados Unido exerceu uma pressão sobre Alstom e resultou na aquisição de boa parte dessa empresa pela General Eletric dos Estados Unidos, que estava de olho na firma francesa há muito tempo. Coincidência?

    O mesmo acontece agora com a chinesa Huawei, que os Estados Unidos querem destruir. E prenderam a sua CEO em Vancouver, sob a alegação de ter violado sanções econômicas dos Estados Unidos ao Irã. Coincidência?

    Outro fato concreto é que a operação de Moro e Dallagnol contribuiu para destruir a cadeia de petróleo e gás, ensejou a venda a preços aviltados das reservas do pré-sal, solapou a nossa competitiva construção civil pesada e comprometeu projetos estratégicos na área da defesa, como a construção do submarino nuclear.

    Conforme estudo da consultoria GO Associados, a Lava Jato teria ocasionado uma diminuição do PIB da ordem de 2,5% apenas em 2015, contribuindo para desempregar centenas de milhões de brasileiros e brasileiras. Coincidência? Duvido.

    Objetivamente, a Lava Jato distorcida acabou beneficiando os interesses geoeconômicos e geopolíticos dos Estados Unidos no Brasil e em toda a América do Sul, inclusive fragilizando o recém-criado bloco econômico dos Brics. Já os interesses objetivos que foram fortemente prejudicados foram os brasileiros.

    A perseguição a Lula e ao PT foi apenas um meio para se alcançarem fins maiores. E Moro e Dallagnol foram apenas peões no jogo de poder mundial, do qual eles não têm consciência ou serviram de forma proposital, o que seria muito pior. Prefiro acreditar na nossa hipótese de que eles não tinham consciência.

    E há também coisas que ainda não sabemos. Por exemplo, o que levou a Embraer a aceitar tão prontamente ser comprada pela Boeing? Foram apenas considerações de negócios do Departamento de Estado norte-americano? Salientamos que a Embraer foi acusada pelo mesmo departamento de ter praticado propina em compras de aeronaves na República Dominicana e na Índia. Coincidência? Talvez não.

    Num país soberano, isso tudo seria investigado a sério, e os eventuais culpados, exemplarmente punidos. No Brasil de Bolsonaro, no País de submissão total aos Estados Unidos, e no qual Moro e Dallagnol são tratados como heróis, isso dificilmente ocorrerá. Neste triste País, já praticamente transformado numa colônia, o imperialismo jurídico do Departamento de Estado norte-americano fincou raízes profundas em nosso Judiciário, através da Lava Jato.

    É provável que uma investigação sobre o assunto, se vier, se restrinja a participações pessoais de Moro e Dallagnol, o que poderia até beneficiar Bolsonaro, que aparentemente quer se livrar de Moro. Uma operação de contenção de danos para preservar o Executivo e parte do Judiciário já está em andamento. Se assim ocorrer, sequer a superfície do problema será arranhada. Moro, Dallagnol e até o próprio Bolsonaro são meros peões. Suas eventuais ilegalidades são apenas instrumentos para a grande ilegalidade de se destruir a democracia, a soberania e a economia do País.

    Lula já tinha avisado que a questão central é da soberania. E o que nós estamos vendo aqui é que esse castelo de cartas que foi montado através da Lava Jato para fragilizar as nossas empresas, para diminuir o nosso papel estratégico no mundo e o papel na geopolítica universal do Brasil e do Mercosul, logrou êxito. Mas a verdade vai triunfar e nós vamos ver o nosso País de novo nos trilhos.

    E eu faço aqui este pronunciamento não com o intuito de gerar divisão, não com o intuito de a gente esgarçar as relações, mas com o intuito de a gente colocar o foco naquilo que é o principal, preservar os interesses do nosso País...

(Soa a campainha.)

    O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) – ... encontrar aquilo que, de fato, está por trás de tanta produção de desentendimento e de destruição do nosso País.

    E, para concluir, Sr. Presidente, isso só é possível se, mesmo tendo a nossa visão, mesmo acreditando que tenham ocorrido perseguições, como ocorreram no caso de Lula, o que ficou provado com a ida do Moro para o Ministério da Justiça como prêmio por ter tirado Lula da eleição, mesmo com tudo isso, há algo maior: o Brasil, o emprego, os brasileiros. E nós temos de estar dispostos a abrir um campo de debate envolvendo todos aqueles que têm projeto para o Brasil, mas precisamos ir a fundo e, talvez, precisemos fazer como faz o nosso sistema imunológico: criar um instrumento que possa separar...

(Soa a campainha.)

    O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE) – ... a parte podre, que tem destruído o nosso País, e preservar as nossas instituições, o nosso patrimônio público, a dignidade e a soberania do Brasil.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/06/2019 - Página 20