Discurso durante a 98ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas ao acórdão do STF que tipifica o crime de homofobia como racismo. Registro de projeto apresentado por S. Exª que susta a decisão.

Autor
Marcos Rogério (DEM - Democratas/RO)
Nome completo: Marcos Rogério da Silva Brito
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODER JUDICIARIO:
  • Críticas ao acórdão do STF que tipifica o crime de homofobia como racismo. Registro de projeto apresentado por S. Exª que susta a decisão.
Aparteantes
Eduardo Girão, Elmano Férrer.
Publicação
Publicação no DSF de 18/06/2019 - Página 45
Assunto
Outros > PODER JUDICIARIO
Indexação
  • CRITICA, ACORDÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ASSUNTO, TIPICIDADE, CRIME, HOMOFOBIA, RACISMO, REGISTRO, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTOR, ORADOR, OBJETIVO, SUSPENSÃO, DECISÃO JUDICIAL.

    O SR. MARCOS ROGÉRIO (Bloco Parlamentar Vanguarda/DEM - RO. Para discursar.) – Sr. Presidente, nobre Senador Izalci, cumprimento V. Exa., cumprimento os demais Senadores aqui presentes, agradecendo penhoradamente o Senador Elmano Férrer, nosso sempre Líder. Saúdo a todos que nos acompanham pelo sistema de comunicação do Senado Federal.

    Senhoras e senhores, ocupo esta Tribuna para tratar de um tema que a mim muito me preocupa e seguramente a milhões de brasileiros, Sr. Presidente. Refiro-me aos rumos que têm sido dados à discussão da homofobia em nosso País.

    Aqui no Senado, tramita o Projeto de Lei 672, de 2019, que altera a Lei 7.716, de 1989, para tornar crime a discriminação ou preconceito de orientação sexual ou identidade de gênero. A Lei 7.716, de 1989, é conhecida como Lei do Racismo. Foi editada para criminalizar o preconceito em decorrência de raça ou cor. Um grande avanço, uma conquista das sociedades modernas.

    Minhas divergências passam a existir, Sr. Presidente, quando se pretende igualar opção sexual e raça, porque não reconheço que a homofobia e a transfobia se enquadrem como racismo no conceito ontológico constitucional. É por isso que tenho como totalmente incabível sua tipificação no bojo da Lei 7.716, de 1989, a Lei do Racismo.

    O que mais me preocupa, todavia, não é nem a proposição legislativa que tramita neste Senado, porque aqui já estamos construindo um acordo para produzir uma legislação justa, que atenda realmente à necessidade de proteção de direitos da comunidade LGBT dentro daquilo que é razoável. O que mais me preocupa é a recente decisão do Supremo Tribunal Federal proferida, na última quinta-feira, no julgamento conjunto da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, a ADO 26, e Mandado de Injunção 4.733, que, por oito votos a três, decidiu por considerar a condição homossexual como equivalente à raça para fins de proteção penal, o que tenho como uma inadequada exegese que perpassa naturalmente por questões ontológicas de conhecimento geral.

    Não tenho dúvida de que a recente decisão do Supremo Tribunal Federal e também o teor do Projeto 672 não espelham o pensamento e a vontade da grande maioria da sociedade brasileira e também não expressam, nem de longe, a vontade do legislador constituinte, quando incluiu, na Carta de 1988, a criminalização do racismo.

    Sr. Presidente, a legislação penal vigente já protege todos os cidadãos brasileiros, independentemente de opção sexual. Por essa razão, a pretensão legislativa em tramitação busca, a meu sentir, assegurar uma proteção superior a uma parcela da sociedade, como se fosse uma nova raça, e isso em decorrência da manifestação distinta de emoções ou desejos por pessoas do mesmo sexo ou por ambos os sexos, conforme a própria conceituação dada pela comunidade LGBTI ao que seja orientação sexual ou diversidade de gênero.

    São os Princípios de Yogyakarta, elaborados por representantes do segmento LGBT de diversos países do mundo, que dizem: orientação sexual – "capacidade de cada pessoa de experimentar uma profunda atração emocional, afetiva ou sexual, por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero, assim como ter relações íntimas e sexuais com essas pessoas"; identidade de gênero – "experiência interna, individual e profundamente sentida que cada pessoa tem em relação ao gênero, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo-se aí o sentimento pessoal do corpo".

    Sim, Srs. Senadores, são os Princípios de Yogyakarta que reconhecem que tanto orientação sexual como identidade de gênero são questões definidas a partir de emoções, sentimentos, daí não se poder, por ser muito evidente, elevar essa questão ao nível de raça. Ninguém é de uma ou outra raça em função desse ou daquele sentimento. Raça é uma questão inata, definida pela biologia, por características genéticas, ligadas ao fenótipo, à morfologia, ao desenvolvimento e a propriedades bioquímicas ou fisiológicas.

    Trago, Srs. Senadores, trechos do voto proferido pelo eminente Ministro do Supremo – histórico voto – Moreira Alves, no julgamento do HC, do habeas corpus 82.424, caso Ellwanger, que contribui muito para o entendimento do conceito de raça e seu alcance. Abre aspas:

Embora entre antropólogos, no decorrer dos tempos, tem havido divergência sobre a conceituação de raça, especialmente quando utilizado o termo para finalidades políticas, como ocorreu com o nazismo e o mito do arianismo, essas divergências modernamente, se existentes, se reduziram a ponto de Nicola Abbagnano acentuar:

"O conceito de raça é hoje unanimemente considerado pelos antropólogos como um expediente classificatório (...) do qual podem ser situados os diferentes grupos do gênero humano. Portanto, a palavra deve ficar reservada somente aos grupos humanos assinalados por diferentes características físicas que podem ser transmitidas por herança. Tais características são principalmente: a cor da pele, a estatura, a forma da cabeça e do rosto, a cor e a quantidade dos cabelos, a cor e a forma dos olhos, a forma do nariz e a estrutura do corpo." – fecho aspas.

    Reconheço que, no plano jurídico e também em estudos antropológicos e sociológicos de outras vertentes, entende-se, sim, a existência de conceitos sociais mais amplos; mas nada se assemelha a considerar a raça por questões de emoções, de sentimentos ou desejos, e muito menos por opção a essa ou aquela prática sexual. É isso que estou a dizer.

    Ora, seria possível considerar a condição de homossexual a constituição de uma raça distinta dos heterossexuais? Não vejo possibilidade alguma, seja no campo da Antropologia, seja no campo dos direitos.

    Ademais, todo avanço alcançado com o estudo do gênero humano não produz mais do que meras e isoladas teses no que diz respeito ao homossexualismo e herança genética. Não há associação entre homossexualismo e herança genética. A prática homossexual não é herdada ou definida pela transmissão de cromossomos, como é a definição de homem ou mulher. Assim, não há qualquer suporte jurídico ou científico para conceituar opção, ou orientação, ou diversidade de gênero como condição racial. Esse é o ponto.

    O que o Supremo fez, e no mesmo teor é o Projeto 672, é elevar uma classe de pessoas a um nível distinto, superior aos demais, por uma questão de comportamento sexual.

    E isso se reveste ainda de maior gravidade, Sr. Presidente, quando vemos que o crime de racismo é um crime imprescritível. Logo, a se incluir a homofobia na Lei do Racismo e considerá-la equivalente, como fez o Supremo e pretende fazer o Projeto de Lei 672, torna-se também imprescritível qualquer ato que seja considerado intolerância, preconceito ou discriminação a alguém por sua condição homossexual.

    Srs. Senadores, Nação brasileira, os crimes mais bárbaros tipificados no Código Penal e na legislação esparsa prescrevem, inclusive os hediondos – sequestro, estupro, homicídio qualificado –, crimes hediondos reprováveis, mas não são imprescritíveis.

    A homofobia será considerada imprescritível, ou seja, o processo criminal poderá ser iniciado a qualquer tempo: 20, 30, 40, 50 anos depois de uma conduta que seja considerada homofóbica. Isso decorre da previsão contida no inciso XLII da Constituição Federal, que diz que "a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível (...)".

    O Ministro Moreira Alves foi quase profético em seu voto proferido em 2003, quando disse, abro aspas:

(...) se se der ao termo constitucional "racismo" a amplitude que agora se pretende dar no sentido de que ele alcança quaisquer grupos humanos com características culturais próprias, vamos ter o crime de racismo como um tipo de conteúdo aberto, uma vez que os grupos humanos com características culturais próprias são inúmeros, e não apenas, além do judaico, o dos curdos, o dos bascos, o dos galegos, o dos ciganos, grupos esses últimos com reação aos quais não há que se falar em holocausto para justificar a imprescritibilidade.

    Fecho aspas.

    Sim, a imprescritibilidade, Srs. Senadores, teve lugar justamente pela alta reprovabilidade do holocausto praticado durante a Segunda Guerra Mundial. Por isso, na Alemanha, racismo é considerado imprescritível. Estamos equiparando homofobia ao holocausto? É isso que estamos fazendo? É isso que fez o Supremo Tribunal Federal?

    Outro ponto muito bem lembrado pelo Ministro Moreira Alves diz respeito à vontade do Legislador Constituinte ao incluir no texto da Constituição de 1988 o inciso XLII por emenda de autoria do Deputado Carlos Alberto Oliveira dos Santos, conhecido como Caó, um militante do movimento negro. Na justificativa da emenda, o Deputado Caó escreveu – abro aspas:

Passados praticamente 100 anos da data da abolição, ainda não se completou a revolução política deflagrada e iniciada em 1888. Pois imperam no País diferentes formas de discriminação racial, velada ou ostensiva, que afetam mais da metade da população brasileira constituída de negros ou descendentes de negros, privados do exercício da cidadania em sua plenitude.

    Fecho aspas.

    Sim, Sr. Presidente, a Lei do Racismo visou assegurar proteção à raça negra; hoje se pretende conferir aos homossexuais o mesmo status de proteção, tornando imprescritíveis e inafiançáveis os eventuais crimes que contra eles sejam praticados.

    Se pudessem, os líderes da abolição brasileira estariam se revolvendo nos túmulos. Além de Moreira Alves, eis o que disse na época o Ministro Marco Aurélio – abro aspas:

Quando da criação de inciso na Assembleia Constituinte, procurava-se combater um comportamento específico reprovável em nossa história. Refiro-me à discriminação racial, ao preconceito contra o negro. Outra não era a intenção do Constituinte quando previu a imprescritibilidade do crime de racismo e quando fez constar esse significado no sistema constitucional. Assim, considerando que o Supremo Tribunal Federal ou qualquer intérprete da Constituição não é democraticamente legítimo ampliar ou tornar abertas as cláusulas restritivas de eficácia dos direitos fundamentais, deve-se dar ao sentido mínimo possível para o conteúdo do inciso XLII do art. 5º da Constituição Federal.

    Fecho aspas.

    A questão da imprescritibilidade, aliás, foi duramente repelida pelo Ministro Marco Aurélio, que disse que – aspas –"conflita com a corrente das garantias fundamentais do cidadão, pois o torna refém, eternamente, de atos ou manifestações, gerando um ambiente de total insegurança jurídica, porquanto permite ao Estado condená-lo décadas e décadas após a prática do ato" – fecha aspas. Marco Aurélio lembrou que somente os crimes considerados gravíssimos, como crimes de guerra ou de genocídio, foram caracterizados como imprescritíveis na história mundial.

    Vejam, Sras. e Srs. Senadores, a gravidade do que está a acontecer em nosso País.

    Como alternativa a isso, que considero a construção de um erro histórico de interpretação e aplicação da nossa Constituição, apresentei o Projeto de Lei nº 3.032, de 2019, que altera o Código Penal e estabelece, na Lei Penal Geral aplicável a todos os brasileiros, a proteção ao segmento LGBT como qualificadora no caso de crime contra a vida e também para os casos de lesão corporal e qualquer tipo de violência que seja comprovadamente em razão da condição homossexual.

    Ao Projeto de Lei nº 672 apresentei emenda resguardando as garantias constitucionais para o caso de eventual aprovação da matéria, e, como já disse, estamos construindo acordo para a sua alteração.

    Não se pode criar tipo penal aberto, que criminaliza a opinião e qualquer tipo de manifestação contrária às questões relativas à orientação sexual ou identidade de gênero. Todos nós sabemos que o conceito geral de homofobia não admite qualquer expressão dissonante do pensamento esposado pelo segmento LGBT, inclusive as que sejam de natureza científica, como é o caso dos díspares entendimentos sobre a discussão de gênero.

    Ademais, como justifiquei na emenda apresentada, para além das questões científicas está o pensamento conservador de grande parcela da sociedade, que, por razões morais, filosóficas ou de crença, tem posição diversa sobre esse assunto.

    Não podemos pretender proteger um segmento cerceando as liberdades de outros.

    As eminentes Senadoras Juíza Selma e Daniella Ribeiro também apresentaram emendas importantes e esperamos ter o apoio de nossos pares na CCJ para aprová-las, caso o PL 672 tenha seguimento da maneira em que se encontra.

    Precisamos, como legisladores, exercer o nosso papel com o mais amplo respeito à vontade do povo brasileiro, evitando que o Judiciário continue seu ativismo e substitua este Parlamento em sua missão constitucional precípua. Aliás, como disse o Ministro Marco Aurélio, criar tipo penal por decisão judicial é novidade e revela visão autoritária, o que não queremos e não podemos admitir em nosso País.

    A decisão do Supremo violou expressamente um direito fundamental assegurado pela Carta Maior, a saber, o previsto no inciso XXXIV do art. 5º: "Não há crime sem lei anterior que o defina". Crime não é definido por decisão judicial. Tipo penal não é desenhado por decisão judicial. Cominação legal não é desenhada por decisão judicial. A Constituição dá o caminho, dá o desenho, dá o formato, dá o modelo. O tipo penal deve vir decorrente de lei discutida, votada e aprovada pelo Parlamento e sancionada pelo Presidente da República.

    Ademais, a Lei Maior é altissonante em estabelecer como competência exclusiva deste Congresso Nacional legislar em matéria penal como previsto no art. 22, inciso I, c/c 48.

    Veja, Sr. Presidente, nobre Senador Izalci, nem mesmo o Presidente da República, pelo legítimo instrumento da medida provisória pode propor inovação no campo penal, no campo processual. Só o Parlamento pode fazê-lo por meio de lei.

    É de interpretação simples, é de hermenêutica simples compreender as limitações formais e materiais que há no campo da inovação, seja em matéria penal, direito material ou processual. Só por lei! Só por lei!

    Convenhamos, Srs. Ministros do Supremo Tribunal Federal, que Constituição estão interpretando? Que Constituição estão consultando? Ou estariam reescrevendo a Carta? É isto que estão passando ao povo brasileiro: que a Corte é um Poder acima dos demais Poderes, que no Brasil há um superpoder. A separação dos Poderes está ferida de morte, os papeis institucionais soberanos delimitados pela Carta de 88 estão sendo postos de lado, porque a Suprema Corte, que deveria dar o exemplo, se pauta a descumprir a Constituição Federal. Ou não é disso que estamos tratando? Ou não é isso que estamos a observar neste momento, lamentavelmente?

    Sr. Presidente, nobre Senador Izalci, não é a primeira vez. Ao argumento de omissão legislativa, pautam e decidem. Decisões jurisdicionais, com efeitos legislativos, extrapolam os limites da legística, do devido processo legislativo. Parece que fugiram da escola. Parece que não é uma Corte Constitucional. Preocupam-me muito os movimentos que observo hoje, Sr. Presidente. Preocupam-me muito os movimentos, as escolhas que estão sendo feitas no nosso Judiciário.

    Lamento ter que apresentar, neste Senado Federal, um projeto de decreto, que não gostaria de fazer. Mas, por mandamento constitucional, para garantir as prerrogativas deste Parlamento, para garantir o papel do Poder Legislativo, é preciso que enfrentemos essa decisão, esse ativismo judicial, com a veemência que o deslize requer.

    Apresentei um projeto de decreto legislativo, protocolado na Casa no dia de hoje, que diz assim:

    O Congresso Nacional decreta:

    Art. 1º. Ficam sustados os efeitos legislativos do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 26, e do Mandato de Injunção (MI) nº 4.773, por contrariar o disposto no inciso XXXIX do art. 5º, no art. 22, inciso I, e no art. 48, caput, todos da Constituição Federal.

    Art. 2º – Este decreto legislativo entra em vigor na data de sua publicação.

    Sr. Presidente, o Supremo Tribunal Federal extrapola os limites constitucionais. E veja que as observações que faço aqui, nobre Senador Elmano Férrer, não são observações isoladas ou pensamento conservador deste Parlamentar, não. Ministros da Suprema Corte fizeram o mesmo alerta, mas foram ignorados, inclusive pela grande mídia. Quando exploraram a decisão do Supremo Tribunal Federal, verbalizaram, vocalizaram, publicaram as falas dos favoráveis, mas silenciaram a eloquência dos argumentos dos contrários, escolheram rasgar a Constituição Federal, escolheram desrespeitar o Parlamento brasileiro. E, vez ou outra, há, do outro lado da Praça dos Três Poderes, quem se incomode com iniciativa deste Parlamento, que, às vezes, desafia o papel do outro, mas quem quer respeito também deve se dar ao respeito.

    Não é dado ao Supremo Tribunal Federal superar o Poder desta Casa, do Poder Legislativo. Aliás, Ministros do Supremo Tribunal Federal nunca foram às ruas pedir voto. Ministro do Supremo Tribunal Federal não enfrenta a accountability vertical – não, senhores – e nem a horizontal. Eles se acham acima de tudo e de todos para fazer o que bem entendem, para decidir como querem, se esquecem de que estão vinculados a uma Constituição Federal.

    Perdoe-me a veemência, mas o tema nos conclama todos não pelas paixões que envolvem a defesa desse ou daquele tema relacionado, mas a defesa das prerrogativas constitucionais do Poder Legislativo.

    A partir de agora, senhores, o Supremo Tribunal Federal abriu a porteira para a inovação sem limites. Podem fazer tudo ao argumento de que estão interpretando os direitos fundamentais insculpidos na Carta de 1988. Veja, senhores, o Parlamento passa a não ter mais o seu papel na tripartição de Poderes, porque, se, pela via da interpretação constitucional, fundada nos direitos e garantias fundamentais, eles podem criar um tipo penal, o que mais pode fazer o Supremo Tribunal Federal?

    Perdoem-me, Srs. Ministros. Perdoem-me, Srs. Ministros, mas, se querem legislar, abram mão da toga, vão disputar eleição e venham ocupar espaço no Senado Federal ou na Câmara dos Deputados. Deixem a toga.

(Interrupção do som.)

    O SR. MARCOS ROGÉRIO (Bloco Parlamentar Vanguarda/DEM - RO) – Ruy Barbosa estava certo...

(Soa a campainha.)

    O SR. MARCOS ROGÉRIO (Bloco Parlamentar Vanguarda/DEM - RO) – ... de tanto ver triunfar as mazelas, as nulidades, o juízo dos maus e tantas outras coisas, as pessoas corretas, probas, honestas sentiriam vergonha de serem honestas, de cumprir o seu papel.

    O lamentável é observar a Suprema Corte, que deveria ser a guardiã da nossa Carta republicana, fazer dela um papel inócuo, sem valor, tornando-a simplesmente letra morta.

    E me perdoem: eu quero pedir aqui aos nobres Senadores que encaremos esse projeto de decreto legislativo com a seriedade que o tema requer. O Supremo está reescrevendo a Constituição, e a própria Constituição vai assegurar ao Parlamento a possibilidade de resguardar a sua própria competência.

    Agora veja: nós podemos sustar os decretos do Presidente da República, legitimamente eleito pelos cidadãos brasileiros – e há quem esteja do outro lado da Praça dos Três Poderes, no prédio inatingível, que vai dizer: "Não, mas o Poder Judiciário está fora desse..." Espera aí! Que conversa é essa? Quer dizer: nós podemos controlar os atos que exorbitem do poder regulamentar do Presidente da República, mas não podemos com relação ao Supremo Tribunal Federal, que não recebeu um voto sequer, mas que anula o Parlamento, mas que anula o Poder Executivo. Convenhamos, senhores, vamos devagar! Nós vivemos numa democracia, num sistema de tripartição de Poderes: Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário. Não há superpoder, não há poder moderador. Isto aqui é uma democracia; não é um império. O único império que temos aqui é o império da lei, é o império da Constituição Federal, que a todos vincula.

    Eu vou encerrar meu pronunciamento na tarde de hoje para não ser indelicado, para não ser desrespeitoso, porque eu quero permanecer no debate no campo das ideias, das teses, da percepção da gravidade do momento que estamos a viver na nossa recente democracia. E faço um apelo aos magistrados de bom senso: respeitar os limites significa...

(Soa a campainha.)

    O SR. MARCOS ROGÉRIO (Bloco Parlamentar Vanguarda/DEM - RO) – ... resguardar a existência do Estado democrático de direito.

    Senador Elmano, ouço V. Exa. com muito prazer.

    O Sr. Elmano Férrer (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODEMOS - PI. Para apartear.) – V. Exa. faz um contundente e profundo pronunciamento na tarde de hoje.

    A constitucionalidade das leis é um dos temas fundamentais no nosso Direito, e, muitas vezes, esta Casa e o próprio Poder Executivo recorrem ao Supremo Tribunal com relação à constitucionalidade de determinadas leis. De outra parte, eu tenho verificado aqui no Congresso Nacional que, quando se discute um projeto de lei na Câmara ou no Senado, muitos deles –por exemplo no caso nosso – chegam à Câmara e morrem. E assim existem muitas leis nesse quadro.

    E eu creio – posso estar enganado – que muitos casos registrados no Supremo decorrem do vácuo legal. E nós no Parlamento – é bom que façamos esta autocrítica – muitas vezes não legislamos. Nós pecamos. Aí fica a vacância, daí porque, muitas vezes, a última instância a que se recorre em casos de litígio é o Supremo Tribunal Federal.

    Eu creio que o discurso de V. Exa. procede, é um discurso profundo e corajoso, sobretudo por esse tema específico da homofobia, mas nós temos que nos penitenciar, porque muitas vezes nós pecamos por omissão. Nós somos responsáveis. Nós tivemos, há 15 dias, exatamente, definida uma questão com relação à tramitação de medidas provisórias, que têm efeito de lei, após o prazo para sua aprovação nesta Casa. Então, eu creio que é preciso que nós também analisemos e façamos uma autocrítica da nossa atuação, da atuação do Congresso Nacional, tanto na Casa Baixa como aqui na Casa Alta. Enfim, eu me solidarizo com V. Exa. com relação ao mérito do discurso de V. Exa., em relação ao caso trazido aqui. Eu me solidarizo com V. Exa. e comungo dos mesmos ideais de V. Exa.

    O SR. MARCOS ROGÉRIO (Bloco Parlamentar Vanguarda/DEM - RO) – Muito obrigado. Agradeço a V. Exa., nobre Senador Elmano Férrer.

    O SR. PRESIDENTE (Izalci Lucas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PSDB - DF) – Senador Marcos Rogério, antes de V. Exa. concluir, eu só quero registrar aqui a presença dos nossos alunos e do professor do Centro Educacional nº 6, da Ceilândia. Sejam bem-vindos à nossa Casa.

    O SR. MARCOS ROGÉRIO (Bloco Parlamentar Vanguarda/DEM - RO) – Agradeço a V. Exa. e cumprimento nossos visitantes, visitantes do Senado Federal.

    Senador Girão, agradeço a V. Exa. pelo aparte que faz e...

    O Sr. Eduardo Girão (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODEMOS - CE) – Senador Marcos Rogério...

    O SR. MARCOS ROGÉRIO (Bloco Parlamentar Vanguarda/DEM - RO) – ... peço que seja incorporado ao pronunciamento que faço na tarde de hoje.

(Soa a campainha.)

    O SR. MARCOS ROGÉRIO (Bloco Parlamentar Vanguarda/DEM - RO) – Nobre Senador Girão, ouço V. Exa. com o maior prazer.

    O Sr. Eduardo Girão (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODEMOS - CE. Para apartear.) – Eu gostaria, rapidamente, de fazer um aparte.

    Eu estou aqui, nesta Casa, há mais ou menos quatro meses. Eu já admirava V. Exa. desde a Câmara dos Deputados. Como ativista, muitas vezes, eu fui falar com V. Exa. sobre causas sobre as quais o Supremo Tribunal Federal teima em legislar. Eu acho que isso já fica, Presidente Izalci, Senador Elmano Férrer, até repetitivo, chato. Inclusive, a população brasileira foi para as ruas, e uma das suas pautas principais, na última vez em que o brasileiro foi para as ruas, foi a questão da CPI da Lava Toga. E esse é um dos motivos que vão deixando o povo brasileiro legitimamente chateado por essas invasões de competência. O que nós estamos fazendo aqui?

    Aborto, que é debatido nesta Casa – eu já participei de debates de alto nível nesta Casa, tanto na Câmara dos Deputados como aqui, no Senado, de audiências públicas –, vai avançando, mas o Supremo recebe uma ADPF e dá sequência para liberar aborto.

    Aí vem droga, maconha, que não é uma droga leve, que é uma droga pesada, que afasta a criança da escola – Senador Izalci, que é um apaixonado por educação, sabe disso. Evasão escolar, vicia, potencializa a esquizofrenia, tudo isso a maconha faz. Aí o Supremo Tribunal Federal inicia um julgamento para liberação do porte, com a gente debatendo o assunto aqui...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Eduardo Girão (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PODEMOS - CE) – ... e eles insistindo em julgar lá.

    É algo que eu já disse aqui algumas vezes, Senador. E o senhor é um dos que, nesses quatro meses em que eu estou aqui, usa a palavra com muita eloquência, com muita... O senhor tem uma paixão, mas usa da ciência, das estatísticas. O senhor vai profundamente ao tema e é um conhecedor, é um jurista. Eu lhe digo que nós aqui no Senado estamos olhando. Parabéns por essa iniciativa. Parabéns por essa iniciativa, porque é algo proativo esse decreto, para tentar sustar. Então, nós precisamos mostrar quem é que foi aqui eleito para representar os Estados, para defender os pensamentos da população. É este o nosso papel: legislar.

    E nós estamos tentando isso aqui. O Supremo não deixa, o Supremo não deixa! O Supremo não respeita. É por isso que eu assinei a CPI da Lava Toga. Acredito que vai acontecer, mais cedo ou mais tarde. Acho que a verdade sempre vem à tona, e o brasileiro está querendo que a justiça realmente aconteça.

    E já foi investigado – só para encerrar – o Senado, que tem que continuar sendo investigado, assim como a Câmara dos Deputados, o Poder Legislativo; o Poder Executivo, com dois impeachments de Presidentes, tem que continuar sendo investigado. Agora, o Supremo também precisa ser investigado, assim como os outros tribunais superiores. Ninguém está acima da lei. E esta é uma prerrogativa do Senado: fazer CPI do Poder Judiciário. E há muitos bons ministros, eu quero deixar isso claro. Há ministros cumpridores das suas tarefas, corretos, éticos, mas há denúncias lá robustas, com fatos determinados, que precisam de esclarecimento. Isso está parado. E esse assunto já chegou ao conhecimento, graças a Deus, da população brasileira.

    Parabéns pelo pronunciamento de V. Exa.

    O SR. MARCOS ROGÉRIO (Bloco Parlamentar Vanguarda/DEM - RO) – Agradeço a V. Exa., Senador Girão, e fico extremamente tocado com as palavras e o reconhecimento de V. Exa., que já acompanhava realmente os trabalhos deste Parlamento muito antes de aqui chegar, junto à Câmara dos Deputados, nas tratativas que tivemos nos temas ligados ao Plano Nacional de Educação, nos projetos em defesa da vida e em tantos outros. V. Exa. já se fazia presente ali. E, quando V. Exa. chegou a este Senado Federal, eu fiquei extremamente feliz, porque tinha a convicção de que estava chegando a esta Casa alguém talhado, pronto, combativo e...

(Soa a campainha.)

    O SR. MARCOS ROGÉRIO (Bloco Parlamentar Vanguarda/DEM - RO) – ... sem temor para enfrentar as causas que são causas da sociedade. V. Exa. acrescenta muito ao Senado Federal e à família brasileira, à defesa da vida, da família, dos valores fundamentais da nossa sociedade.

    Sr. Presidente, concluo a minha fala apenas fazendo uma referência aqui para fechar o raciocínio na tarde de hoje.

    Vejam que os atos e decisões do Poder Executivo têm um limite: a Constituição Federal. Os atos e as decisões do Poder Legislativo também têm um limite: a Constituição Federal. Pela mesma lógica, é claro, os atos e decisões do Poder Judiciário também têm um limite: a Constituição Federal. Por isso, é o nosso apelo veemente para que o Supremo não rasgue a Constituição, para que o Supremo não desfaça a Constituição. Nenhum Poder – nenhum Poder –, nem mesmo o Supremo, está acima da Constituição Federal.

    Na verdade, Sr. Presidente, este projeto de decreto legislativo tem como missão, como objetivo sustar, afastar, banir os efeitos legislativos da decisão judicial. Só isso! No caso concreto, o Supremo, como há a previsão constitucional da inafastabilidade da jurisdição – se alguém a pediu, num caso concreto... Agora, o Supremo Tribunal Federal não pode, numa interpretação que extrapola os limites constitucionais, criar um tipo penal – não pode!

(Soa a campainha.)

    O SR. MARCOS ROGÉRIO (Bloco Parlamentar Vanguarda/DEM - RO) – Este Parlamento não pode se manter inerte diante de visceral afronta ao Texto Constitucional. E é justamente nessa linha de defesa da Constituição Federal, de defesa das prerrogativas legítimas do Parlamento, que é a de legislar, que faço o pronunciamento no dia de hoje.

    Sr. Presidente, agradecendo a tolerância de V. Exa. e dos meus colegas Senadores, eu encerro meu pronunciamento.

    Muito obrigado.

    O SR. PRESIDENTE (Izalci Lucas. Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PSDB - DF) – Parabenizo V. Exa. É um assunto que merece realmente um grande debate. Quem pode mais pode menos. Nós que podemos aqui sabatiná-los e indicá-los temos também a prerrogativa de fazer menos, de poder realmente fazer cumprir a Constituição. Então, parabéns a V. Exa.!

    O SR. MARCOS ROGÉRIO (Bloco Parlamentar Vanguarda/DEM - RO) – É isso. Agradeço a V. Exa.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/06/2019 - Página 45