Discurso durante a 98ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Continuação do discurso sobre análise da história da educação no Brasil, da Velha República de 1945 até o período militar de 1964.

Autor
Confúcio Moura (MDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Confúcio Aires Moura
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO:
  • Continuação do discurso sobre análise da história da educação no Brasil, da Velha República de 1945 até o período militar de 1964.
Publicação
Publicação no DSF de 18/06/2019 - Página 80
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO
Indexação
  • CONTINUAÇÃO, DISCURSO, ANALISE, HISTORIA, EDUCAÇÃO, PAIS, BRASIL, PERIODO, REPUBLICA, GOVERNO, MILITAR.

  SENADO FEDERAL SF -

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17/06/2019


    O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, continuo, nesta oportunidade, o ousado projeto a que me propus de visitar a história da educação no Brasil, desde o Império até os nossos dias, com o fito de contribuir para o debate, dentro e fora do Parlamento, acerca dos problemas que enfrentamos hoje.

    Recomeçamos a caminhada no fim do Estado Novo. A retomada democrática levava Eurico Gaspar Dutra à Presidência da República em eleição direta, em dezembro de 1945. Pela primeira vez na história do Brasil, as mulheres exerceram o direito ao voto conquistado havia mais de uma década.

    Na Europa, as profundas feridas deixadas pela Segunda Guerra Mundial curavam-se lentamente. Estados Unidos e União Soviética, novos líderes internacionais, passaram a disputar o engajamento dos demais países em seus campos ideológicos, capitalismo e comunismo, respectivamente. Era a Guerra Fria.

    O governo brasileiro escolheu o lado capitalista e adotou uma política de importação de bens de consumo que sangrou as reservas cambiais rapidamente. Uma guinada, já em 1948, materializou-se no Plano SALTE, que redirecionava investimentos públicos para as áreas da saúde, alimentação, transporte e energia, origem da sigla.

    A ausência da educação no acrônimo que nomeava o plano é indício da (ir)relevância do tema para Dutra. Ainda que a Constituição de 1946 tratasse o ensino de forma bastante mais generosa que a carta anterior, os avanços práticos na área foram exíguos.

    Cumprindo determinação constitucional, criou-se uma comissão para elaborar o anteprojeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. O grupo era majoritariamente composto por defensores da Escola Nova, tais como Fernando de Azevedo e Almeida Júnior.

    Liberal e descentralizador, o documento foi arquivado em 1949, após ser severamente criticado em parecer de Gustavo Capanema na Comissão Mista de Leis Complementares do Congresso.

    Mas nem tudo estava perdido! O direito de todos à educação primária pública e gratuita estava assegurado na lei maior do País, que estabelecia também percentual fixo dos impostos a serem investidos. Felizmente, o passar dos anos viu esse direito se concretizar e ampliar até chegar às universidades federais de hoje.

    Mas, retomemos nosso passeio histórico!

    O crescimento do PIB em torno dos 8%, a partir de 1948, veio acompanhado de inflação, que corroeu o poder de compra das famílias, vítimas também do significativo rebaixamento do salário mínimo que ocorreu no período.

    Ao final do governo de Eurico Gaspar Dutra, a educação pública tinha qualidade apenas em alguns Estados - São Paulo, principalmente - e ainda era para uma elite urbana, especialmente se considerarmos o ensino secundário. Algo acima de 50% da população de 15 anos ou mais era analfabeta.

    Getúlio Vargas volta à Presidência da República, dessa vez alçado pelo voto popular, em 31 de janeiro de 1951. Iniciando um processo que ficaria conhecido como nacional-desenvolvimentismo, seu governo buscaria o crescimento econômico e a industrialização, com intervenção do Estado e auxílio do capital internacional.

    Boa parte dos investimentos públicos foram direcionados para a área de infraestrutura, para o transporte rodoviário e a produção de energia a base de carvão, mas também para portos e ferrovias.

    Autarquia fundamental para a execução da política nacional de desenvolvimento, o Banco Nacional de Desenvolvimento, atual BNDES, foi fundado em 1952. A luta pelo domínio estatal do petróleo, ponto alto do governo Vargas, culminou com a criação da Petrobras, em 1953. O país se uniu em torno do lema "O petróleo é nosso".

    A população urbana aumentava rapidamente com a mão de obra ociosa que vinha do campo, em busca de melhores condições de vida. Mas, eram trabalhadores sem formação para o trabalho na indústria. Na verdade, não tinham formação alguma.

    Lamentavelmente, a educação básica não era prioridade para o Governo, como de costume. Não havia escolas suficientes sequer para quem já vivia há muito nas cidades. A precariedade da oferta de ensino no País precisava ser compreendida e combatida.

    Em 1952, Anísio Teixeira assume a direção do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP). Com o objetivo de "fundar em bases científicas a reconstrução educacional do Brasil", cria o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), no Rio de Janeiro, estimulando a criação centros regionais. Os primeiros surgem em São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Salvador e Porto Alegre.

    Porém, os avanços reais se restringiram aos níveis mais avançados de educação. Em 1951, nasce o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), como resposta ao imperativo de fomentar a capacidade produtiva do País por meio da pesquisa científica e tecnológica. No mesmo ano, foi criada também a Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES).

    Mais tarde, o Decreto n° 34.638, de 14 de novembro de 1953, instituía a Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES). O objetivo era formar professores para ampliar a oferta e melhorar a qualidade do ensino secundário.

    Os resultados da iniciativa foram positivos e se fizeram sentir alguns anos mais tarde. Dos 18.815 postulantes ao magistério formados nos cursos da CADES entre 1955 e 1960, 7.506 foram considerados aptos e obtiveram o registro profissional.

    De volta ao cenário político, os Estados Unidos, aliados de primeiro momento, já não viam o nacionalismo de Vargas com bons olhos, especialmente depois que as remessas de lucros para o exterior foram restritas a 10%, estabelecidos em lei de janeiro de 1952.

    Partidários da entrada de empresas e capital estrangeiro no País engrossavam a oposição a Vargas, capitaneada por Carlos Lacerda, dono do jornal Tribuna da Imprensa e membro da União Democrática Nacional, a UDN, adversária histórica do trabalhismo varguista.

    Os trabalhadores, premidos pela inflação e pelos baixos salários do período Dutra, partiram para a greve geral. Com o intuito de resgatar seu prestígio popular, o Presidente convoca João Goulart para o Ministério do Trabalho.

    O novo ministro aumenta o salário mínimo em 100%. O empresariado nacional e internacional, inconformado, avaliou o movimento como uma virada ao comunismo.

    Um atentado contra a vida de Carlos Lacerda, por iniciativa do chefe da guarda de Vargas, Gregório Fortunato, resultou na morte do major-aviador Rubens Florentino Vaz, em agosto de 1954. Poucos dias depois, o Exército, em manifesto, pedia a renúncia do Presidente.

    Sitiado no Palácio do Catete, achacado pela imprensa, abandonado pelo empresariado e pelas forças armadas, Getúlio Vargas tira a própria vida em 24 de agosto de 1954.

    Houve imensa comoção popular. O velório foi acompanhado por multidões. O povo prestava as últimas homenagens ao líder populista que "saía da vida para entrar para história".

    Órfão do "Pai dos Pobres", ao Brasil cabia esperar pelo porvir com uma taxa de analfabetismo na casa dos 40% da população acima de 15 anos. A oferta de vagas na educação básica era insuficiente e a evasão escolar, altíssima. Apenas um quinto dos estudantes que ingressavam no primeiro ano concluía os estudos.

    No Ensino Médio, a situação não era melhor. Apenas para os filhos das elites, capazes de passar pelo funil dos exames de admissão, havia a possibilidade de chegar à universidade.

    Entre agosto de 1954 e 1956, o Brasil teve três presidentes. Café Filho sucedeu Vargas, mas entregou o cargo por problemas de saúde. Carlos Luz, Presidente da Câmara, ocupou o posto por apenas 3 dias até que Nereu Ramos assumiu para concluir o mandato.

    Em janeiro de 1956, Juscelino Kubitscheck era empossado Presidente do Brasil, após manobra conhecida como Golpe preventivo, do Marechal Lott, que frustrou a tentativa da UDN de anular as eleições legítimas do ano anterior.

    Apesar dos embaraços do início do mandato, o governo transcorreu em clima de razoável tranquilidade. A economia orientava-se pelo Plano de Metas, um complexo programa de modernização e industrialização baseado em audaciosos objetivos setoriais.

    A promessa era avançar "50 anos em 5". Esperava-se que o desenvolvimento econômico trouxesse, automaticamente, benefícios para toda a população.

    No afã de aprofundar o modelo de substituição de importações e superar o subdesenvolvimento, de deixar a posição de país agrícola exportador de matérias-primas, o Brasil se abre, sem limites, ao capital estrangeiro.

    As multinacionais fabricantes de bens de consumo duráveis, como automóveis e eletrodomésticos, alastraram-se principalmente pela região sudeste, nas cidades de São Paulo e do ABC (Santo André, São Caetano e São Bernardo).

    Meta Síntese do Plano de Juscelino Kubitscheck, a transferência da Capital para o interior foi possível graças a empréstimos vultosos vindos do exterior.

    Se, por um lado, houve a criação de milhares de empregos com a política econômica, e o eixo de decisões políticas foi deslocado com sucesso para o centro-oeste, trazendo progresso para uma região antes desdenhada, o legado do período JK foi de forte dependência do capital internacional associada a uma vultosa dívida externa.

    Os investimentos, direcionados à indústria, faltaram no campo, o que exacerbou o êxodo rural e inchou as grandes capitais, gerando pobreza e violência.

    Um dos cinco setores contemplados no Plano de Metas, a educação recebeu escassos 3,4% dos investimentos totais. Boa parte dos recursos foi empregada para estímulo à formação técnica.

    Em defesa da educação, em 1959, publica-se o manifesto "Mais uma vez convocados", reafirmando muitas das idéias dos pioneiros da educação nova, de 1932. O novo documento contava com a chancela de 189 intelectuais brasileiros do quilate de Anísio Teixeira, Sérgio Buarque de Holanda, Fernando Henrique Cardoso.

    Na mesma época, recomeçava o debate acerca da Lei de Diretrizes e Bases - LDB. Os partidários da escola pública agrupavam-se em torno de três vertentes diversas.

    Júlio Mesquita Filho liderava o pensamento liberal-idealista, com base na liberdade dos indivíduos independentemente da sua posição social ou de classe. Anísio Teixeira e Almeida Júnior advogavam pelos princípios da Escola Nova. Florestan Fernandes levantava a bandeira socialista e chamou para a mesa de discussão os movimentos operários, sindicais e trabalhadores.

    Do lado das escolas particulares, a igreja católica e os proprietários das instituições de ensino privadas construíam seus argumentos em torna da premissa de que "às famílias deveria ser dado o direito de escolher que educação queriam dar aos seus filhos."

    O fim da querela e a publicação da LDB só viriam em 1961.

    Vale mencionar, porém, alguns avanços concretos que houve durante os anos JK e que se mantiveram e ampliaram nos governos posteriores, até a ruptura institucional de 1964.

    Inicia-se, em 1958, a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo - CNEA e a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos - CEAA. Em Pernambuco, a Prefeitura de Recife, sob a batuta de Miguel Arraes, lança o Movimento de Cultura Popular - MCP, em 1960, com o objetivo de "conscientizar as massas através da alfabetização e educação de base".

    Timidamente, surgiam no horizonte os primeiros sinais da mudança na educação, que experimentaria um breve período de ebulição nos anos iniciais da década de 1960.

    Após campanha pautada pelo compromisso com a moralidade pública - mote que rende votos até hoje - Jânio Quadros, do Partido Trabalhista Nacional (PTN), é eleito Presidente.

    Nas ondas do rádio, ecoava o jingle "Varre, varre, varre vassourinha!", em cuja letra se dizia que o Brasil estava cansado de sofrer com a bandalheira da política, e que Jânio era a esperança do povo abandonado, a certeza de um Brasil moralizado!

    A melodia alegre logo esmaeceu diante da realidade, com a inflação na casa dos 25% e a pesada dívida externa. O primeiro presidente a tomar posse e a governar de Brasília optaria por uma política econômica conservadora, submissa à cartilha do Fundo Monetário Internacional. Com o Congresso, manteria uma relação pouco amistosa.

    No plano internacional, ações arriscadas, como a condecoração de Che Guevara e a reaproximação com a União Soviética renderam-lhe críticas veementes.

    Jânio Quadros logo perdeu o apoio da UDN, partido que o conduzira ao poder, ao nomear ministros e governar sem atender aos interesses dos correligionários. Angariava inimigos por toda parte devido a seu comportamento ambíguo, considerado temerário por muitos no alto escalão das forças armadas.

    Em agosto de 1961, renuncia à Presidência. Após grave crise institucional, João Goulart assume, em setembro, graças à campanha da legalidade capitaneada por seu cunhado, Leonel Brizola, governador do Estado do Rio Grande do Sul.

    Instaurado pelo Congresso Nacional, o novo sistema de governo era o parlamentarismo. O poder real passava às mãos do Primeiro-Ministro, Tancredo Neves.

    Em dezembro de 1961, finalmente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação é promulgada, sob o número 4.024. Assinavam a norma Tancredo e Jânio, ao lado de Virgílio Távora, André Franco Montoro e Ulisses Guimarães.

    Primeiro instrumento legal a tratar exclusivamente da Educação, a LDB ordenava o sistema de ensino, regulamentava os conselhos estaduais de educação, estabelecida a formação mínima para professores e o ensino religioso facultativo. Para os detratores, o projeto era prejudicial às classes baixas, orientado pelo desejo elitista de formar mão de obra para a indústria.

    Surge, da mente brilhante de Darcy Ribeiro, em parceria com o também genial Anísio Teixeira, o Plano Orientador da Universidade de Brasília, que seria fundada em abril de 1962. Era preciso uma instituição autônoma, planificada em bases flexíveis, para que se promovesse a renovação do Ensino Superior no Brasil.

    Nos prédios que iam sendo construídos junto com a nova Capital da República, professores, artistas e cientistas se dedicavam a plantar e cultivar, nos corações e nas mentes dos pensadores do futuro, a sabedoria e a consciência social e política.

    Em meio a grande instabilidade, o povo, em plebiscito, decide pela restauração do presidencialismo e devolve a João Goulart plenos poderes para comandar a nação. Era janeiro de 1963.

    As reformas de base, de claro viés socialista, ganhavam ainda mais corpo. No campo, pretendia-se democratizar o acesso à terra; na educação, a valorização dos professores, melhoria do ensino público em todos os níveis e o fim do analfabetismo; nas cidades, o justo uso do solo e moradia digna para as famílias.

    Com o intuito de legitimar as mudanças, o Presidente as anuncia em comício histórico na região da Estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1964, para um público de quase duzentas mil pessoas.

    Os meses prévios à implantação do Regime Militar foram de intensa mobilização das massas, que buscavam, entre outras demandas, a extensão dos direitos trabalhistas ao campo. Nesse contexto, surgem as Ligas camponesas por todo o país, especialmente no nordeste, que promoviam a conscientização política do povo.

    Inspirado no método de alfabetização criado por Paulo Freire, que coloca o indivíduo como "sujeito da história", capaz de transformar a realidade, no campo e na cidade, por meio da educação e da luta política, surge, em janeiro de 1964, o Plano Nacional de Alfabetização. Queria-se alfabetizar 5 milhões de brasileiros até 1965.

    A reação conservadora ao que se chamou de ameaça comunista veio na forma das "Marchas da Família com Deus pela Liberdade", que se desdobraram em sucessivas manifestações em São Paulo, no Rio de Janeiro e em outras cidades, levando milhares às ruas.

    O Governo de João Goulart já não tinha sustentação. Em 31 de março de 1964, os militares assumem o poder e instauram um Regime ditatorial que se prolongará por 21 anos, até 1985.

    A ruptura democrática reverberaria de forma avassaladora em todos os níveis da educação. Novas regras, instituições e parâmetros viriam. Paulo Freire partiu para o exílio no Chile, Darcy Ribeiro, no Uruguai, e tantos outros também se foram para escapar da perseguição político-ideológica.

    Dispersava-se a elite do pensamento nacional. Enterrava-se, no nascedouro, um ousado projeto de educação emancipadora e inclusiva, cujos princípios guiam, até hoje, as mais avançadas iniciativas de ensino pelo mundo.

    Para poupá-los de mais palavras, farei, em outro momento, a recapitulação da história da educação durante o Regime Militar.

    Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/06/2019 - Página 80