Discurso durante a 104ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Exposição sobre a história da educação do Brasil no período dos governos militares. Destaque para experiências bem sucedidas na área da educação em alguns municípios brasileiros.

Autor
Confúcio Moura (MDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Confúcio Aires Moura
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO:
  • Exposição sobre a história da educação do Brasil no período dos governos militares. Destaque para experiências bem sucedidas na área da educação em alguns municípios brasileiros.
Publicação
Publicação no DSF de 28/06/2019 - Página 14
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO
Indexação
  • EXPOSIÇÃO, HISTORIA, EDUCAÇÃO, BRASIL, PERIODO, GOVERNO, MILITAR, COMENTARIO, EXPERIENCIA, APROVAÇÃO, AREA, POLITICA EDUCACIONAL, MUNICIPIOS.

    O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO. Para discursar.) – Sr. Presidente, Senadora Juíza Selma, Senador e Governador Jayme Campos, Senador Izalci, todos os demais que estejam nas Comissões – eu estou vendo que as Comissões estão trabalhando –, Senadores que estão dentro da Casa, servidores do Senado e telespectadores, estou fazendo uma série de discursos – este aqui é o penúltimo – sobre a história da educação do Brasil, porque a gente fica reclamando que a educação não está bem, não está bem, que a educação não tem qualidade, e eu fui levantar a história da educação.

    Eu vim lá do Pedro Alves Cabral e vou falar hoje da educação nos Governos militares. Estou chegando perto dos dias de hoje. E depois desse consolidado, nós vamos trabalhar, agora para frente, nas alternativas para a gente reagir a essa situação dramática da educação brasileira, pois eu sempre tenho falado aqui que pode-se fazer todas as reformas – vamos fazer a reforma tributária, vamos fazer a previdenciária, vamos fazer outras e outras, abrir comércio, redução de burocracia e tudo o mais –, mas se a gente não tiver uma base para assentar, é igual a construir uma casa, se não houver uma base para assentar a construção, tudo desmorona; e assim também as reformas, sem uma educação, sem essa base, esse lastro, francamente nada vai valer, nem previdência, nada disso. Temos que, primeiro, fazer esse lastro educacional para melhorar.

    E hoje eu falo, nessa série de discursos... E eu não canso de, a cada um deles, agradecer, porque eu não fiz aqui uma vírgula nesse discurso; ele foi feito pela assessoria, nossa consultoria do Senado, por sinal extremamente competente. Quero agradecê-los por terem redigido. Os outros discursos, eu os faço de improviso, tal e tal; mas este aqui, como é uma série histórica, não há como a gente inventar acontecimento histórico; tem que ser contado à luz dos relatos e dos livros.

    Então, eu continuo hoje com o meu projeto ousado, mas, a meu ver, necessário, de fazer um apanhado histórico da educação em nosso País, avaliando especialmente o impacto e o legado que as políticas educacionais do passado tiveram na educação do Brasil de hoje.

    Encerramos o último pronunciamento com a renúncia de João Goulart e a chegada dos militares ao poder, na virada de março e abril de 1964.

    Aqui, talvez mais do que em qualquer outro período da história recente do Brasil, os temas da economia, da política e da educação estão mais imbricados um no outro do que nunca.

    Com a queda de Jango e o final do populismo que marcou o seu Governo, foi subitamente interrompido um projeto educacional que vinha sendo colocado em prática por educadores como Paulo Freire e Darcy Ribeiro. Iniciou-se, então, uma política intervencionista que marcaria o Brasil por duas décadas seguintes, com reflexos positivos e negativos também que nos acompanham até os dias atuais.

    Iniciemos por uma contextualização global. Em 1964, o mundo vivia o auge da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética – os mais velhos se lembram muito bem disso. A relutância de João Goulart em se alinhar aos Estados Unidos foi um dos principais fatores que precipitaram a queda de Jango. O Governo norte-americano contribuiu, inclusive, com o financiamento de instituições que participaram da derrubada do Presidente brasileiro.

    O interesse norte-americano se baseava no receio – jamais saberemos se infundado ou não – de que Jango estava prestes a implantar uma ditadura comunista no País. As inclinações políticas de Paulo Freire e Darcy Ribeiro seriam, por exemplo, indícios de que suas políticas educacionais seriam uma das formas de disseminar as ideias comunistas no seio da população.

    Logo que tomaram o poder, os militares trataram de inverter essas tendências, fossem elas reais ou imaginárias. Assim como na política, na economia e em outras áreas da vida pública, a educação foi também tocada pelos militares com dureza, com rigidez, e a política educacional do período refletiu a visão de mundo e o projeto de País que os militares julgavam adequado aos problemas do Brasil naquele momento.

    O Instituto de Estudos Políticos e Sociais, entidade fundada em 1961 por empresários do Rio de Janeiro e de São Paulo que apoiaram a instauração do regime militar, foi uma das instâncias na qual foi gestado o projeto educacional dos militares. Dirigido pelo Gen. Golbery do Couto e Silva, o Instituto de Estudos Políticos e Sociais realizou, ainda em 1964, um simpósio no qual se desenharam as diretrizes dos militares para a educação: o vínculo produtivista entre mercado e escola, do primário à universidade, com o retorno do investimento em educação sendo computado em termos de aumento de produtividade e renda, e não de formação moral ou intelectual do indivíduo; a profissionalização do ensino médio; e a precedência do Ministério do Planejamento sobre o da Educação no planejamento educacional, entre outras coisas.

    Efetivamente, o Método Paulo Freire foi o primeiro a cair. O Plano Nacional de Alfabetização, de Paulo Freire e Jango, que tinha o objetivo de alfabetizar 2 milhões de adultos, foi cancelado em abril de 1964. Como o analfabetismo era um dos maiores flagelos do País naquela época, os militares não poderiam simplesmente dar as costas ao analfabetismo, que era um problema grave. Três em cada dez brasileiros adultos não sabiam ler nem escrever, e o tempo médio de escolaridade era de míseros dois anos – a média, no Brasil, era de dois anos de escola.

    Assim, no lugar do Plano Nacional de Alfabetização, foi instituído, em 1968, o Mobral. O Mobral é de 1968 – Movimento Brasileiro de Alfabetização –, e tinha uma meta bem audaciosa do que a do programa anterior: os militares queriam alfabetizar 11 milhões de brasileiros em três anos e erradicar o analfabetismo até o ano de 1975. Esse era o plano do Mobral.

    Curiosamente, a metodologia do Mobral devia muito ao eficiente método de Paulo Freire. As diferenças entre os dois métodos, porém, eram enormes. Enquanto Paulo Freire advogava um ensino baseado na realidade vivida pelos alunos, com uma seleção vocabular que refletisse o seu cotidiano e, ao mesmo tempo, desenvolvesse seu senso crítico em relação ao contexto socioeconômico brasileiro em que viviam, os militares empregavam um método totalmente controlado, baseado em escolhas vocabulares e temáticas inofensivas, que não suscitassem qualquer tipo de crítica ao regime militar.

    Apesar de suas nobres intenções e de suas metas ambiciosas, o Mobral falhou na sua proposta fundamental. Não alfabetizou os 11 milhões de adultos até 1971: a bem da verdade, foi somente naquele ano de 1971, que o Mobral foi implantado de verdade, porque ele foi criado em 1968, três anos para ser implantado. Então, ele tinha uma meta de 11 milhões em três anos. Não deu nada e passou longe da meta de erradicar o analfabetismo em 1975. Pelo contrário: o censo de 1980 apontou um aumento de 540 mil brasileiros no mundo do analfabetismo. Piorou. Foi, portanto, um programa fundamentalmente ineficiente, com taxas altíssimas de evasão e regressão ao analfabetismo. Foi extinto em 1985, ainda no primeiro ano da redemocratização.

    O regime militar foi mais eficiente na melhoria do perfil educacional da população, porque a alfabetização de crianças foi ampliada, assim como o acesso ao ensino fundamental. Essa, pelo menos, é a sensação que temos com base nos escassos dados disponíveis sobre o período, já que a principal entidade de estudos estatísticos da área, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, atual Inep, teve o seu funcionamento bastante cerceado pelos militares.

    Apesar disso, tudo indica que houve avanços no ensino fundamental. Em 1960, o censo apontava que 40% das crianças entre 10 e 14 anos ainda não sabiam ler, 40% de meninos grandes, 10 a 14 anos. Em 1970, esse percentual caiu para 33%, já foi uma grande melhora. Em 1980, caiu para 25%. E, em 1990, o analfabetismo estava em 19%. Então, houve uma melhora, houve uma melhora nesse período por outros meios, mas conseguimos reduzir o analfabetismo.

    Senadora Juíza Selma, no ano de 1900, nós tínhamos 65% de analfabetos no Brasil; em 1920, 65%; em 1940, nós tínhamos 55% de analfabetos. Então, veio andando esse período todo com o analfabetismo humilhando o povo brasileiro, até ao final dos anos 90 que a gente caiu significativamente, mas criando um outro tipo de analfabeto, que é o analfabeto funcional. Esse está alto. Rabisca mal e mal, não sabe ler, quando lê não entende. Essa é a grande realidade.

    Muito bem, as estatísticas similares, ou seja, que registram o aumento da frequência escolar, aumentaram no que diz respeito à frequência na escola, foram abrindo devagarzinho. Chegou-se ao ponto de que, por exemplo, em 1970, nós tínhamos 67% das crianças matriculadas. E isso foi avançando aos poucos, até chegar em 2015, com 98,5%. Isso já é uma felicidade. Nós jogamos a meninada na escola, as crianças foram para a escola; agora, nós temos que ensiná-las. As matrículas aumentaram; agora, temos que aumentar a qualidade.

    O ensino obrigatório foi instituído no Brasil pela Constituição de 1934. Em 1934, a Constituição estabeleceu a obrigatoriedade do ensino. Mas só foi regulamentada essa obrigatoriedade 27 anos depois, em 1961, com a LDB, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. A LDB já vinha de muitos anos, mas em 1961 é que realmente foi regulamentada a educação por essa lei. À época, os quatro anos iniciais do ensino fundamental eram obrigatórios. Os quatro anos conhecidos como ginásio, além de não serem obrigatórios, exigiam aprovação para o ingresso do aluno. Havia o exame de admissão. Eu só me lembro de admissão. Era terrível. Era um vestibular para passar do primário para o ginasial.

    Em 1971, o regime militar promulgou a segunda LDB, 1971, com duas mudanças importantes para o ensino fundamental: instituiu a obrigatoriedade de oito anos – obrigatoriedade de oito anos –, incorporando o ginásio, e extinguiu o exame de admissão. Essas mudanças foram extremamente importantes para o aumento da frequência na escola.

    As nomenclaturas de "primário" e "ginásio", aliás, durariam pouco tempo. Os militares introduziram as nomenclaturas "1º grau", com a duração de oito anos, que fundia primário e ginásio, e o "2º grau" depois. Mas essas mudanças foram introduzidas no Brasil por intermédio de 12 acordos que ficariam conhecidos como acordos MEC-Usaid, MEC e Estados Unidos, nos anos 1970, firmados entre o Ministério da Educação e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional e Acordos, que é o MEC-Usaid. Promoveram mudanças profundas na educação brasileira e a língua inglesa passou a ser obrigatória desde a 1ª série aqui no nosso País.

    Foram retiradas do currículo algumas disciplinas obsoletas pelos militares: filosofia, latim, sociologia, educação política – deixaram de ser ensinadas. Introduziram depois a educação moral e cívica e outras disciplinas na época. A lei da reforma universitária de 1968 implantou uma visão estabelecida pelo instituto de pesquisas para adequar o ensino universitário às demandas do mercado, embora nesse mesmo período tenha sido introduzida a pós-graduação no Brasil.

    As universidades foram de fato por longo tempo, na ditadura militar, no período militar, um foco permanente de resistência às mudanças impostas pelos militares à educação. A estratégia dos militares para lidar com essa resistência foi qualificar os movimentos estudantis como subversivos. Aí veio uma série de atos institucionais, 17 atos institucionais, e o mais grave deles, o mais enérgico, o mais forte foi o Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968.

    Com a morte do estudante Edson Luís de Lima Souto, velado por 50 mil pessoas, que precipitou a passeata dos 100 mil em 1968 e outras tantas manifestações de protesto contra o regime militar, sempre com a participação de peso pelos estudantes, tanto na organização, quanto nas manifestações, os estudantes estiveram entre os primeiros a resistir ao regime militar.

    Qual foi o legado que nos deixou a educação no regime militar? A primeira observação que podemos fazer é a de uma ausência. O período não nos legou nenhum grande pensador da educação, nenhuma voz cultuada até os dias de hoje. Mas, antes o contrário, vozes importantes foram caladas: Anísio Teixeira foi cassado, Darcy, Florestan Fernandes, e assim o Paulo Freire também – foram todos exilados, não é?

    Mas outro legado que nos foi deixado pelo regime militar foi um forte ensino privado, um estímulo à privatização do ensino. Foi tanto uma forma de desafogar as contas públicas, transferindo à iniciativa privada o encargo de construir e manter escolas, quanto uma consequência do dispositivo da Constituição de 1967 que eliminou a vinculação de percentual mínima de investimento na educação.

    Na última herança do período militar, o que vale ser mencionado é a departamentalização das universidades, a instituição do regime de créditos semestrais, que mantemos até hoje.

    Muito bem, mas nós vimos que o regime militar foi importante na ampliação do acesso às escolas. A redução do analfabetismo não foi pelo Mobral, mas por outros meios não estatisticamente aqui citados. Mas aconteceu também todo esse... Aumentou também a qualidade relativa da educação nesse período; foi muito importante.

    Mas com a redemocratização em 1985, muitas coisas mudaram. Algumas se mantiveram as mesmas do regime militar. E a história da educação brasileira seguiu seu curso. Isso, porém, é um assunto para o meu próximo e último pronunciamento sobre a história da educação.

    Espero que esses discursos sensibilizem os Senadores, as Senadoras, os governantes, todos os brasileiros e brasileiras para a questão da educação no Brasil. Temos uma trajetória riquíssima de ideias, riquíssima de realizações.

    E o mais interessante, Senador Jayme Campos, é que as maiores experiências bem-sucedidas do Brasil não nasceram do Governo Federal, nasceram da iniciativa dos Municípios e dos Estados. O Estado do Ceará, o Estado de Pernambuco, o Estado de São Paulo, o Sudeste brasileiro, isoladamente os Estados do Nordeste, o Piauí, e outros tantos Estados brasileiros conseguiram... Eu quero dizer para os senhores que, dessas iniciativas hoje na educação brasileira, houve cinco ou seis – não sei se foi o Senador Izalci que falou aqui, ele citou exemplos – de Institutos Federais de Educação, agora, recentemente em que, de acordo com uma análise do Pisa, nós nos saímos melhor do que qualquer país da Europa, da Ásia e de qualquer lugar do mundo.

(Soa a campainha.)

    O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) – Então nós temos exemplos pontuais de excelência. Temos cidades... A gente pensa assim: "Está ruim demais". Não! Por exemplo, Altamira, um dos maiores Municípios do Brasil, talvez o maior – tanto que, de uma ponta a outra de Altamira, são mais de mil quilômetros –, e Altamira, com essa dimensão toda, esse universo, esse continente que é o Município, é um dos Municípios em que a educação tem reagido positivamente, e muito.

    Das capitais brasileiras, a que está reagindo mais positivamente é Teresina; e o Estado do Espírito Santo, no Governo de Paulo Hartung, foi o Estado que mais desenvolveu a qualidade na educação no Brasil.

    Então, as experiências estaduais, as experiências de escolas isoladas têm sido um sucesso, inclusive das escolas privadas, como o Instituto Dom Barreto, lá em Teresina, e o Instituto Bandeirantes, em São Paulo, que é clássico. É impressionante o desempenho dessa instituição.

    Então, o que nós temos de fazer, Senador Jayme Campos, é sermos bons copiadores de bons exemplos. Devemos copiar os bons exemplos e ampliar esses bons exemplos Brasil afora.

    Eram essas as minhas palavras.

    Muito obrigado, Sr. Presidente, Senador Izalci.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/06/2019 - Página 14