Discurso durante a 120ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Alerta para a usurpação de competências entre os Poderes, o que representa uma ameaça à democracia brasileira.

Autor
Acir Gurgacz (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RO)
Nome completo: Acir Marcos Gurgacz
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODER JUDICIARIO:
  • Alerta para a usurpação de competências entre os Poderes, o que representa uma ameaça à democracia brasileira.
Publicação
Publicação no DSF de 13/07/2019 - Página 11
Assunto
Outros > PODER JUDICIARIO
Indexação
  • REGISTRO, USURPAÇÃO, COMPETENCIA, PODERES CONSTITUCIONAIS, COMENTARIO, AMEAÇA, MUNDO, DEMOCRACIA, CRISE, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, REPUDIO, INJUSTIÇA, IMPORTANCIA, DIREITOS HUMANOS.

    O SR. ACIR GURGACZ (Bloco Parlamentar Senado Independente/PDT - RO. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, meu amigo e colega Kajuru, que acaba de fazer o seu belo pronunciamento, meus cumprimentos a V. Exa., nossos amigos que nos acompanham através da TV Senado, da Rádio Senado, eu trago à tribuna hoje um assunto que entendo ser da maior importância, Senador Kajuru, que é a democracia brasileira.

    A separação dos Poderes é o princípio fundamental para o funcionamento das instituições na democracia brasileira – não só brasileira, mas em boa parte do mundo. Essa separação está prevista na Constituição de 1988, como uma das cláusulas pétreas. Ela evita que o Executivo, o Legislativo ou o Judiciário cometam abusos e tentem se sobrepor às competências uns dos outros.

    Para essa separação funcionar, assegurando o funcionamento da democracia, existe o sistema de freios e contrapesos consagrado pelo pensador francês Montesquieu, em sua obra O Espírito das Leis, e presente também em nossa Constituição. Com base nessa obra, podemos dizer que quem formula as leis não pode ser responsável pela sua execução. E quem que responsável pela sua execução não pode mudá-las e ser o único responsável por decidir se essas leis são constitucionais ou não. Quem formula as leis, evidentemente, é o Poder Legislativo, formado por Deputados e Senadores, os representantes diretos da população aqui, no Congresso Nacional, tanto na Câmara quanto no Senado Federal.

    O funcionamento do sistema democrático, com seus pesos e contrapesos, pode ser exemplificado pelo processo de tramitação de um projeto de lei aqui, no Congresso Nacional. Para uma lei ser aprovada é preciso a maioria de voto nas duas Casas Legislativas, Câmara e Senado. E para que ela entre em vigor é necessária a homologação do Poder Executivo.

    Ora, vejam, se o Congresso legislasse sozinho ele poderia se tornar um órgão soberano. Seria o órgão mais influente de todos, mesmo no sistema presidencialista. É justamente para evitar que o poder do Congresso seja excessivo que existe a figura do veto presidencial ou da sanção presidencial. O Poder Executivo pode vetar leis que vêm do Poder Legislativo. Essa é a forma clássica de freios e contrapesos. O Congresso Nacional ainda pode se manifestar sobre o veto presidencial, mas, para reverter a decisão do Presidente da República, precisa-se da maioria absoluta dos votos tanto na Câmara quanto no Senado Federal. Se o Presidente ainda entender que aquela legislação é inadequada, ele pode levá-la para o próprio Supremo Tribunal Federal, que decidirá se a lei extrapolou o poder do Congresso para aprová-la.

    Cabe ao Poder Judiciário julgar, com base nessas leis, garantindo direitos humanos, direitos individuais, coletivos e sociais, bem como resolver conflitos entre cidadãos, entidades e o Estado. O Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição, mas não pode mudar uma vírgula da nossa Carta Magna. É assim que funciona a nossa democracia.

    Faço essa introdução básica e didática sobre o funcionamento do nosso sistema político para lembrar, aos Srs. Senadores, às Sras. Senadoras e à população brasileira, que ainda vivemos em uma democracia, mesmo que ela seja ameaçada quase que diariamente, quando vemos um Poder avançando sobre as atribuições do outro. Isso pode até ser considerado normal, pois já vimos, inúmeras vezes, o STF e parte do Judiciário querendo investigar, julgar, executar e também legislar; o Poder Executivo querendo governar por decretos e medidas provisórias, e o Legislativo apresentando propostas que são de competência do Executivo.

    Como eu já disse, esse avanço sobre a competência de outro Poder pode ser considerado normal, desde que o sistema de freios e contrapesos esteja funcionando, assegurando-se a autonomia de cada Poder, mesmo que controlado por outro. O que não é normal, numa democracia, é quando um desses Poderes não reconhece mais esse sistema de freios e contrapesos e se considera superior aos outros, se autoproclama o senhor da razão, tentando resolver tudo sozinho: quer legislar, julgar e executar as medidas que impactam na vida dos cidadãos e de toda a Nação brasileira.

    O mais grave ainda é quando, dentre desses Poderes e suas instituições, surgem salvadores da pátria, justiceiros, profetas das próprias verdades ou super-homens que, de forma monocrática e autoritária, decidem o que é certo e o que é errado, acobertados pelo manto da legalidade ou do bem comum e, muitas vezes, ao arrepio da lei.

    Em uma democracia, os fins nunca justificam os meios. Para ser mais claro, não se podem usar meios ilegais em nome da legalidade. Não se pode combater a corrupção de forma corrupta, não se pode fazer o bem com o mal, violando as normas legais e a Constituição.

    Como bem disse, recentemente, o Papa Francisco: "Os juízes devem seguir o exemplo de Jesus, que nunca negocia a verdade. Rezemos para que todos aqueles que administram a justiça operem com integridade, para que a injustiça que atravessa o mundo não tenha a última palavra." Ainda nas palavras do Papa Francisco: "Dos juízes dependem decisões que influenciam os direitos e os bens das pessoas. Sua independência deve ajudá-los a serem isentos de favoritíssimos e de pressões que possam contaminar as decisões que devem tomar." Ainda ao ensejo das palavras do Papa, podemos usar a máxima popular de que a Justiça dos homens pode falhar, mas a justiça divina não falha e não tarda.

    Eu confio em Deus e na Justiça. Tenho fé inquebrantável de que o que é justo prevalece e de que o bem sempre vencerá o mal. Por isso, acredito que vamos superar este momento de crise política e econômica, que vamos superar este momento de turbulência na política nacional e as diferenças entre os Poderes. Vamos superar a crise institucional, a ameaça à nossa democracia e vamos restabelecer, com plenitude, o Estado democrático de direito em nosso País.

    É verdade que estamos assistindo a ameaças aos regimes democráticos em todo o mundo. O relatório Liberdade no Mundo, produzido anualmente pela organização independente Freedom House, avaliando a qualidade e o apoio à democracia no mundo, apresenta um declínio global da liberdade pelo 13° ano consecutivo.

    Dos 195 países analisados, 44% foram classificados como livres; 30% como parcialmente livres; e 26% como não livres. O estudo aponta que, em 2018, o declínio da liberdade global atingiu diversos países, desde democracias de longa data, como os Estados Unidos, até regimes autoritários consolidados, como a China e a Rússia.

    Na América Latina, a Freedom House destaca a crise humanitária na Venezuela como reflexo do regime autoritários do Presidente Nicolás Maduro. No Brasil, classificado como democracia livre, o relatório cita os casos de corrupção, a eleição de 2018 como uma grande divisão política no País, e a luta contra a violência nas favelas do Rio de Janeiro como ameaças à liberdade e à democracia.

    Segundo o relatório da Freedom, em uma classificação máxima de 100 pontos, o Brasil consegue 78, assinalando que tanto as liberdades civis como os direitos políticos estão garantidos, mas com certa fragilidade. Nessa mesma análise, os Estados Unidos assinalam 87 pontos; a França, 90; a Alemanha, 94 pontos; Portugal, 96; e o Canadá, 98 pontos. Vejam que o Brasil ainda está longe de ser considerado uma democracia sólida e sofre ameaças constantes.

    Ao contrário do que muitos possam pensar, o relatório da Freedom House aponta que democracia ainda é o melhor caminho para o desenvolvimento das nações, visto que a economia cresceu mais, nesses últimos 13 anos, nos países onde a democracia também se fortaleceu.

    A comprovação dessa verdade também foi estudada pelo economista indiano Amartya Sen, Prêmio Nobel de economia de 1998. Ele escreveu em seu livro Desenvolvimento como Liberdade que a expansão das liberdades e da democracia é a principal maneira para promover o desenvolvimento dos indivíduos e das nações.

    Esse economista diferencia as liberdades em liberdade constituída e instrumental. A primeira refere-se à participação política e à liberdade de expressão; a segunda diz respeito à liberdade que as pessoas têm de viverem do modo como bem desejarem. Para ele, o crescimento econômico não pode ser tratado com um fim em si mesmo, mas deve referir-se à promoção da vida que construímos, às liberdades de que usufruímos e à paz que conquistamos por esse caminho.

    Nesse contexto, lembro o que disse o Papa João XXIII em sua Carta Encíclica de 1963. Ele disse: "A justiça é o novo nome da paz". Ainda vivíamos sob a cortina de ferro da guerra fria quando o Papa João XXIII deixou essa linda mensagem, exortando que aos homens de boa vontade cabia a imensa tarefa de restaurar as relações de convivência humana na base da verdade, da justiça, do amor e da liberdade na busca da paz.

    Entendo que a justiça tem que ser praticada na sua forma mais nobre e com retidão. Só assim servirá de caminho para a paz, a cidadania e o desenvolvimento humano e das nações. Justiça e cidadania são essenciais para que os direitos humanos sejam assegurados tanto no ordenamento jurídico, como na participação política. Só assim, respeitando-se esses princípios, alcançaremos a verdadeira paz e o desenvolvimento econômico, humano e sustentável.

    Dito isto, eu prefiro seguir pelo caminho da boa política, buscando a justiça social e o desenvolvimento sustentável. Aquela política voltada para o bem coletivo, com compromissos e responsabilidades sociais, transparência e a correta aplicação dos recursos públicos. A política que não abre espaço para a corrupção, a política voltada para resultados, voltada para a educação, para a saúde e para a segurança pública. A política que traga benefícios diretos para a população. Uma política comprometida com o povo e com a coisa pública. Esta é a política que defendo e pratico, na esperança de que possamos fortalecer nossa democracia, pois só assim mostraremos ao mundo que o Brasil é um lugar seguro para se investir.

    Estamos num momento importante da história do nosso País, o mundo inteiro nos assiste e é importante nós afirmarmos que o Brasil é um país seguro para investir. Estamos mostrando isso com o trabalho no Congresso Nacional, tanto na Câmara, quanto no Senado Federal, e seguiremos assim para que nós possamos reviver a economia brasileira e recuperar todos aqueles empregos que foram perdidos ao longo dos anos, para que a gente possa atender a população brasileira, principalmente os que mais precisam.

    Essas eram as minhas colocações.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/07/2019 - Página 11