Discurso durante a 135ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Contentamento pela aprovação, no Plenário da CCJ, do Projeto de Lei nº 600 de 2019, de autoria de S.Exª, que trata dos crimes de homicídio culposo ou lesão corporal culposa, praticados na direção de veículo automotor.

Autor
Fabiano Contarato (REDE - Rede Sustentabilidade/ES)
Nome completo: Fabiano Contarato
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL:
  • Contentamento pela aprovação, no Plenário da CCJ, do Projeto de Lei nº 600 de 2019, de autoria de S.Exª, que trata dos crimes de homicídio culposo ou lesão corporal culposa, praticados na direção de veículo automotor.
Publicação
Publicação no DSF de 15/08/2019 - Página 27
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
Indexação
  • COMENTARIO, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTOR, ORADOR, LOCAL, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, ASSUNTO, CRIME, HOMICIDIO CULPOSO, LESÃO CORPORAL, ATIVIDADE, DIREÇÃO, AUTOMOVEL.

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES. Para discursar.) – Obrigado, Sr. Presidente. Boa tarde a todos!

    Senhoras e senhores, hoje eu quero falar de um tema bastante delicado no Brasil e que infelizmente vem sendo banalizado pelo Poder Público, mais uma vez. Mas, ao final, vou dar uma boa notícia. Trata-se da violência no trânsito.

    O Brasil ostenta a terceira colocação em nível mundial de mortes em acidentes de trânsito. São mais de 50 mil pessoas morrendo por ano, vítimas de acidente de trânsito, e mais de 400 mil mutiladas. Só quem tem um filho paralítico ou tetraplégico sabe o que é. Eu não tenho dúvida em afirmar que, com o atual Código de Trânsito Brasileiro, que é a Lei nº 9.503/97, que ali prevê 11 crimes e, desses 11 crimes, nove são dolosos, ou seja, praticados com o elemento subjetivo da conduta que é o dolo, a intenção ou assumir o risco de produzi-lo, e apenas dois a título de culpa, que é quando praticado por imprudência, negligência ou imperícia. Trata-se dos crimes de homicídio culposo ou lesão corporal culposa, praticados na direção de veículo automotor.

    Eu não tenho dúvida de falar para a população brasileira, Sr. Presidente, que hoje, com a atual legislação, o Código de Trânsito Brasileiro, o único condenado é a família da vítima, que sofre pela dor da perda e pela certeza da impunidade.

    O custo desses acidentes ultrapassa a cifra de R$50 bilhões por ano. Mais de 80% dos leitos do setor de ortopedia e traumatologia são ocupados por vítimas de acidentes de trânsito, quando deveriam estar sendo ocupados por quem tem uma moléstia decorrente do envelhecimento natural.

    Nós temos que entender que, infelizmente, quem está pagando... Se você traçar um perfil socioeconômico e até do impacto dessas mortes na economia do País, as pensões por invalidez, por morte, auxílio-doença, isso tudo está indo para a população brasileira, mais uma vez, a população menos favorecida.

    Nesse sentido, em 2017, o legislador alterou o Código de Trânsito nos arts. 302 e 303, que tratam de homicídio culposo, e estabeleceu... Porque se envolver num acidente de trânsito, meus amigos, todos nós estamos sujeitos. Agora, fere a razoabilidade, a proporcionalidade você falar que o motorista embriagado, quer seja pelo álcool, quer seja por qualquer substância de efeito psicoativo que determine dependência, que mate um chefe de família, um jovem ou uma jovem... Foge à razoabilidade você colocar todos no mesmo nível.

    Para corrigir essa injustiça, o legislador brasileiro introduziu, no art. 302, o §3º, estabelecendo pena de reclusão, ou seja, deixa de ser uma pena de detenção, que é uma pena privativa de liberdade, mas reclusão de cinco a oito anos se o motorista matar alguém e estiver sob a influência do álcool ou de qualquer substância de efeito psicoativo que determine dependência.

    Muitos poderiam achar assim: "Poxa, que bom, que avanço, que coisa positiva".

    Só que isso foi um engodo praticado pelo Legislativo para a própria população, porque, no Brasil, com a atual lei, mesmo se condenado à pena máxima, ele não vai ficar nenhum dia preso. Por que não vai ficar nenhum dia preso? Porque, em que pese a lei estabelecer, no art. 302, "praticar o homicídio culposo na direção de veículo automotor. [...] §3º A pena será de cinco a oito anos se o motorista estiver embriagado", o legislador esqueceu da norma contida no art. 44, inciso I, do Código Penal, que diz que as penas restritivas de direito são autônomas, mas elas vão substituir as penas de prisão qualquer que seja a pena se o crime for culposo.

    Então, não importa a pena aqui, de cinco a oito. Podia ser de 10 a 30, como ele manteve na essência que o crime é culposo, mesmo se condenado à pena máxima, os juízes no Brasil têm de substituir a pena.

    Aí, eu quero dar um depoimento como delegado da Delegacia de Trânsito. Eu era responsável, no Espírito Santo, por liberar todas as vítimas fatais de acidentes de trânsito. Foge à lei natural uma mãe sepultar um filho. Quando eu fazia a liberação, a mãe e o pai questionavam: "Doutor, carro foi devolvido ao motorista, a carteira de habilitação foi devolvida, o delegado fixou R$1 mil de fiança; a vida da minha filha vale R$1 mil"?

    Eram perguntas que me doíam, e quem deveria responder somos nós políticos.

    Passavam três meses, vinha só a mãe. Eu perguntava: "Cadê seu esposo"? Ela falava: "Nós nos separamos".

    O Estado não dá um apoio psicossocial para essas famílias, e eles começavam a se culpar pela morte do filho ou da filha. A morte do matrimônio era um desdobramento do acidente de trânsito. O avô sente a falta da neta, entra num processo de depressão. Aquela morte ou aquela depressão é uma morte decorrente do acidente de trânsito. O irmão sente a falta da irmã. Aí, ele entra num processo de introspecção, rendimento escolar cai, começa a usar o cigarro, drogas lícitas e ilícitas.

    Essas mortes simbólicas doem tanto quanto ou mais que uma morte real. Toda a família adoece.

    Só quem já perdeu alguém muito próximo – e todos nós temos – sabe do que estou falando.

    Eu não defendo prisão aleatoriamente para qualquer motorista que se envolve em acidente de trânsito, mas nós temos de tratar igualmente os iguais na medida em que eles se desigualam.

    Ao fato de se envolver num acidente de trânsito com vítima, seja de lesões corporais, seja de vítima fatal, todos nós estamos sujeitos.

    Agora, admitir que o motorista, deliberadamente, após ter feito uso de crack, cocaína, maconha, álcool, não importando o tipo de embriaguez, se foi proveniente do álcool ou de qualquer substância de efeito psicoativo que determine dependência, não irá ficar sequer um dia preso é subestimar a capacidade intelectual de todos nós, é condenar mais uma vez a família da vítima.

    Por isso, eu, nesses dez anos, só à frente da Delegacia de Trânsito do Estado fiquei dez anos, constatei essas mortes simbólicas, essas mortes reais.

    Trabalha a autoestima de uma jovem que ficou paralítica, de uma jovem que perdeu um membro superior, um braço, que está com uma deformidade permanente; trabalha a autoestima de uma mãe que perdeu as duas únicas filhas em um acidente de trânsito por um motorista embriagado, e nós vamos falar que foi uma mera fatalidade? Não, isso fere o princípio da isonomia, da razoabilidade.

    Nesse sentido, o meu primeiro projeto de lei enquanto Senador aqui foi o Projeto de Lei nº 600, e hoje eu dou a grata notícia de que foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça esse projeto de minha autoria, proibindo a substituição de pena nas hipóteses de motorista embriagado, culpado no acidente, que ocasione a morte ou lesão corporal de natureza grave ou gravíssima. Fica vedado a todos os juízes o cumprimento do disposto no art. 44, inciso I, do Código Penal, que diz que as penas restritivas de direito são autônomas e substituem as penas privativas de liberdade, qualquer que seja a pena, quando o crime for culposo.

    Não, vai ter a substituição por um simples homicídio culposo, por uma mera fatalidade, por um acidente de trânsito, mas não vai ter a substituição, se depender de mim e se depender deste Senado, como já foi aprovado hoje na Comissão de Constituição e Justiça, quando eu contei com a grata presença e voto do Relator, Senador Marcos do Val, do Senador Rodrigo Pacheco e do Presidente Senador Antonio Anastasia...

    Eu fico muito feliz, porque só quem passa por aquilo que eu passei lá, sabe do que eu estou falando, as famílias de vítimas de acidente de trânsito sabem que no Brasil o único condenado...

(Soa a campainha.)

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) – ... são elas.

    Por isso que, nesse sentido, mesmo quando era Delegado, eu consegui sensibilizar os Deputados Estaduais e foi instituído no meu Estado o Dia em Memória às Vítimas de Acidentes de Trânsito. Quero ver se nós podemos instituir aqui um dia nacional em memória às vítimas de acidentes de trânsito, porque eu entendo que o Poder Público tem que ser mais humanizador, tem que se colocar na dor do outro e entender que essas 50 mil pessoas que morrem vítimas de acidente de trânsito, que as estatísticas têm rosto, têm voz, têm história, têm vida, têm toda uma família, que sofre pela dor da perda e pela certeza da impunidade.

    Então, a minha satisfação em subir a esta tribuna hoje, Presidente, é falar da minha gratidão, do meu agradecimento aos meus pares, que aprovaram o Projeto de Lei 600, que determina que, nos casos de homicídio culposo na direção de veículo automotor e lesão corporal culposa, se o motorista estiver embriagado, não caberá a substituição de pena, ou seja, nada de cesta básica, nada de prestação de serviço à comunidade.

    O que nós temos de fazer é dar tratamento igual a comportamento igual. E isso está sendo ferido com a atual lei, por isso que nós estamos corrigindo.

    Neste sentido, eu quero agradecer a compreensão dos Senadores e falar que esse período de vivência, a sensibilidade... Porque a eficiência no serviço público é um princípio constitucional. Está no art. 37. São princípios que norteiam a Administração Pública. Estão lá a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência.

    Eu ficava até envergonhado, Sr. Presidente, quando eu via, por exemplo, pessoas falando assim, elogiando o meu trabalho. Por quê? Porque eu falava assim: eu sou um servidor público e eu não estou fazendo nada mais que minha obrigação.

(Soa a campainha.)

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) – Eu acho que o que falta é os servidores públicos se sensibilizarem, o Poder Público se colocar na dor do outro, o Estado ser mais humanizador, é humanizar a dor. Nós temos que instituir núcleos de atendimentos psicossociais para as vítimas de lesões corporais, para as famílias que perderam alguém, para trabalhar o luto, para os motoristas infratores, porque às vezes eles também têm dificuldade para voltar à sua rotina. Toda a família adoece em hipótese de acidente de trânsito.

    Volto a falar, a minha gratidão aqui é pela aprovação do Projeto de Lei de minha autoria, o 600, de 2019. Nesse sentido, eu agradeço, mais uma vez, a todos os Senadores, e espero a sensibilidade de aprovação, indo para a Câmara, e que seja sancionado, porque nós estaremos corrigindo uma desigualdade. E nós estamos aí lutando para a preservação do principal bem jurídico que tem que ser protegido por todos, mas principalmente pelo Estado, que é a preservação da vida humana.

    Não é à toa que o abre alas...

(Interrupção do som.)

    O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar Senado Independente/REDE - ES) – ... é o homicídio, são os crimes contra a vida.

    Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/08/2019 - Página 27