Discurso durante a 143ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Lembrança dos 65 anos da morte de Getúlio Vargas.

Insatisfação com o Governo Federal em razão da disposição em privatizar a Petrobras até 2022.

Cobrança de uma posição política das Forças Armadas em razão do papel decisivo do Exército na criação da empresa.

Autor
Jean-Paul Prates (PT - Partido dos Trabalhadores/RN)
Nome completo: Jean Paul Terra Prates
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Lembrança dos 65 anos da morte de Getúlio Vargas.
GOVERNO FEDERAL:
  • Insatisfação com o Governo Federal em razão da disposição em privatizar a Petrobras até 2022.
DEFESA NACIONAL E FORÇAS ARMADAS:
  • Cobrança de uma posição política das Forças Armadas em razão do papel decisivo do Exército na criação da empresa.
Publicação
Publicação no DSF de 23/08/2019 - Página 54
Assuntos
Outros > HOMENAGEM
Outros > GOVERNO FEDERAL
Outros > DEFESA NACIONAL E FORÇAS ARMADAS
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, MORTE, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, MOTIVO, POSSIBILIDADE, PRIVATIZAÇÃO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS).
  • COBRANÇA, POSIÇÃO, POLITICA, FORÇAS ARMADAS, REFERENCIA, EMPRESA, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS).

    O SR. JEAN PAUL PRATES (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN. Para discursar.) – Presidenta Zenaide, ouvintes da Rádio Senado, espectadores da TV Senado, Srs. Senadores, Sras. Senadoras, os que acompanham aqui a atividade do Congresso, o Brasil relembra, neste sábado agora, os 65 anos da morte de Getúlio Vargas.

    O Presidente da República mais influente e popular do Brasil no século XX tirou a vida na madrugada de 24 de agosto de 1954. O gesto dramático – um tiro no peito – foi o último esforço para barrar uma sanha golpista que varria o Brasil naquele período.

    Sua morte mudou o curso da história do Brasil, adiou o golpe por quase dez anos e alterou radicalmente a cena política brasileira.

    Não há paralelo para a importância de Getúlio Vargas na história do País. Foi ele quem criou o Estado brasileiro moderno, ao fundar a Petrobras, a Eletrobras, criar a Companhia Siderúrgica Nacional, estabelecer um marco legal para a relação entre capital e trabalho. Foi ele quem criou as bases do Brasil democrático, mesmo tendo sido um ditador na década de 30. A história do Brasil é realmente paradoxal.

    O ideário de Vargas de tornar o Brasil uma Nação moderna, com justiça social e oportunidade para todos, parece hoje distante. A sensação é agravada pelos retrocessos do presente, Sra. Presidente. Vivemos um presente de queimadas, de desmatamento, de fome nas cidades, de violência nas ruas. O presente das privatizações e da entrega do patrimônio público.

    O Brasil assiste atônito, extasiado, a um Governo cujo propósito é destruir a débil política de bem-estar social desenhada lá na Carta de 1988, a Constituição Cidadã de 1988, e golpeada em 2016 pelo impeachment fraudulento de Dilma Rousseff. Entregar as nossas reservas e nos colocar numa posição subalterna ante outras nações parece ser a missão atual.

    Um Governo que ataca a soberania, ignora o sofrimento do povo, arranca do orçamento qualquer investimento em saúde, educação e cultura. Em nome do mercado, promete entregar empresas como a Eletrobras, a Petrobras, os Correios, os bancos públicos. É preciso ter clareza. O Brasil, no caso do petróleo, acumula mais de US$1 trilhão em reservas de petróleo apenas no pré-sal. Em maio, bateu recorde de produção diária de quase 3,5 milhões de barris de óleo equivalente, petróleo e gás igualados.

    Mesmo com todos os problemas recentes e sofrendo toda a sorte de ataques, a Petrobras consta ainda entre as dez maiores empresas petrolíferas do mundo, é patrimônio do povo brasileiro. Essa política de desinvestimento da Petrobras, com a entrega de subsidiárias, essa desverticalização, esse desmantelamento, é um erro, e não apenas estratégico, mas porque os valores são ridículos e etéreos.

    O Congresso é ignorado, as vendas são anunciadas sem discussão no Parlamento. Assim, venderam redes de gasodutos, toda a rede de gasodutos do Nordeste e do Sudeste, por US$15 bilhões. A do Sudeste já devolveu o dinheiro para os compradores na forma de pedágio para usar os dutos. Entregaram o controle da BR Distribuidora US$8,6 bilhões, aliás R$8,6 bilhões. E pretendem imolar oito refinarias por US$20 bilhões. É pouco.

    Pior: Paulo Guedes, o nosso Ministro da Economia, já fala abertamente na privatização da empresa, coisa impensável poucos anos atrás. Roberto Castello Branco, Presidente da empresa, o Presidente da empresa já solicita o fim do regime de partilha do pré-sal. A própria empresa, regulada, pedindo que tipo de sistema regulatório quer que tenha para ela.

    Não é possível que o agronegócio, a indústria e os militares não vejam o potencial destrutivo do desmanche promovido na Petrobras. Fala-se pouco, mas é preciso ter clareza. A disputa por petróleo é o que define a geopolítica no mundo. É por causa do petróleo e do pré-sal que Dilma Rousseff e a Petrobras foram alvo de espionagem de NSA, a agência de segurança dos Estados Unidos. É por causa do petróleo e do pré-sal que a Lava Jato, sob a desculpa de travar guerra contra a corrupção, atacou a própria Petrobras, induzindo-a a forjar um acordo com o Departamento de Justiça americano – lembram-se? –, obrigando-a a pagar R$2,5 bilhões para um fundo privado, além da multa de US$682,5 milhões a investidores americanos.

    Imaginem, ouvintes, telespectadores da Rádio e da TV Senado, Srs. Senadores, Sras. Senadoras, Presidenta, o ouro negro é o que mantém girando a roda da economia mundial. A cada ano o mundo bate recordes no consumo de petróleo. Em 2019, o consumo vai superar a marca diária de 100 milhões de barris, e poucas nações têm reservas para enfrentar um futuro que assegure o caminho do desenvolvimento econômico e social. Este é um tabuleiro de guerra assimétrica: países com grandes reservas versus países que esgotaram suas reservas ou que nada têm. Guerra assimétrica que o Brasil enfrenta. Nada mal para quem, nos anos 50, tinha poucos poços de petróleo em regiões do Sertão nordestino e em Cubatão. Hoje está entre as dez maiores produtoras de petróleo do mundo.

    Tal resultado não é banal. Veio com o esforço, empenho de homens e mulheres, pesquisadores, geólogos, geofísicos, engenheiros, trabalhadores, patriotas e Chefes de Estado idealistas, como Getúlio, como Lula, como Dilma, gente com visão de país e projeto para o povo. Isso tudo é fruto da ação do Estado brasileiro, esse mesmo Estado que hoje sonham em destruir de maneira afrontosa.

    O futuro que se avizinha com este Governo é sombrio, e isso ocorre ironicamente com um Governo com o maior número de autoridades egressas das Forças Armadas – e o próprio Presidente da República é um capitão do Exército. Esse mesmo Exército que foi vital para tirar a Petrobras do papel, ainda nos anos 40, e transformá-la em maior empresa do Brasil e numa das mais importantes do mundo. Explico: o sonho da Petrobras nasceu dentro do Exército. Em 1938, o Estado-Maior das Forças Armadas foi quem primeiro apontou a necessidade de uma política para o petróleo, propondo o monopólio estatal. Em 29 de abril de 1938, Getúlio Vargas criou o Conselho Nacional do Petróleo, restringindo o refino de óleo a empresas formadas por brasileiros natos. O primeiro Presidente do Conselho foi o Gen. Horta Barbosa. Foi quando o petróleo jorrou pela primeira vez, em 1939, em Lobato, na Bahia. Também foi sob a liderança desse militar que foram iniciados os estudos para a refinaria de Mataripe, também na Bahia.

    O que hoje é a realidade palpável em reservas robustas de petróleo parecia uma miragem há 70 anos, Senador Elmano. Em novembro de 1942, o Brasil só se convenceu de que havia farto petróleo no País quando o jornalista Samuel Wainer, na revista Diretrizes – ele que também trabalhava e era dono de vários outros veículos –, entrevistou o geólogo Glenn Rugby, e esse americano, responsável pela descoberta de petróleo na Terra do Fogo, abriu o jogo, aspas: "Existe muito petróleo no Brasil" – em 1942. E advertiu: "Só as nações que controlam sua energia podem controlar seu destino".

    Entre 1945 e 1953, quando Getúlio criou a Petrobras, foi pela ação dos militares que o sonho de o Brasil desenvolver uma indústria de petróleo deixou de ser miragem e passou a ser possível. Em 1947, o Clube Militar deflagrava um movimento contrário à abertura do mercado de petróleo ao capital estrangeiro. Nos debates, o General Horta foi quem fez a defesa fervorosa do monopólio estatal de então.

    Em 21 de abril de 1948, um ato no Automóvel Clube do Rio marcava a ampla rejeição dos brasileiros ao projeto do Estatuto do Petróleo, que abria o mercado. Nascia ali o Centro de Estudos e Defesa do Petróleo, uma entidade civil que reuniu militares, civis, intelectuais, estudantes e trabalhadores em torno da campanha "O petróleo é nosso". O Centro era presidido pelo Gen. Felicíssimo Cardoso, chamado de General do Petróleo, tio do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso.

    Quando Getúlio Vargas iniciou seu segundo Governo, em 1951, o movimento de opinião pública tinha preparado o terreno para o projeto de lei que viria a dar vida à Petrobras. Entre 1951 e 1953, o País assistiu a um intenso debate sobre a conveniência de se criar uma empresa para explorar e refinar o petróleo. Até que, em 21 de setembro de 1953, a Câmara aprovou o projeto. Nascia a Petrobras, empresa de capital misto, com controle da União. A Lei 2.004 foi sancionada por Getúlio em 3 de outubro de 1953.

    Seis meses depois, em 10 de maio de 1954, a Petrobras entrava em atividade. Herdava do Conselho Nacional do Petróleo, criado nos anos 30 pelo Exército, poucos campos de petróleo, com capacidade de produção diária de 2,7 mil barris, além da refinaria de Mataripe, que processava 2,5 mil barris por dia.

    Quando Getúlio se suicidou, dali a três meses, pressentia que estava em jogo o destino da Nação, cujas reservas de petróleo já eram alvo da cobiça de interesses. Na sua carta de despedida, em que diz sair da vida para entrar na história, aponta, aspas: "Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras; mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobras foi obstaculizada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre, não querem que o povo seja independente", aspas.

    Nos anos 70, em plena ditadura militar, sob a liderança do Gen. Ernesto Geisel, a Petrobras deu outro salto. Além de prospecção, produção e refino, transformou a insuficiência em superávit. Geisel implementou a política de conteúdo nacional, por meio do fortalecimento das compras internas. Com isso, milhares de empresas nacionais se desenvolveram. Na administração deste general, construiu-se mais refinarias e começou a exploração em águas profundas, que resultou, nos anos 2000, na descoberta do pré-sal pelo Governo Lula.

    A amarga ironia dos nossos tempos é que os militares, defensores da criação da Petrobras e que lutaram – dentro e fora do Governo e do Brasil – em defesa dos interesses nacionais, hoje estão calados quanto ao destino do País e da empresa. Não se sabe o que generais pensam da venda de ativos da Petrobras – das refinarias aos gasodutos, passando pela distribuidora – ou do desmanche da empresa, cuja política de preços, com paridade no dólar, é uma afronta à soberania e joga fora, joga por terra a autossuficiência em petróleo conquistada. Nem mesmo o que pensam da venda da Eletrobras, que é a holding das holdings do setor elétrico.

    O Presidente Jair Bolsonaro, que nos anos 90 era crítico à quebra do monopólio do petróleo, aprovada por Fernando Henrique Cardoso, hoje tem o neoliberalismo – mais propriamente eu prefiro chamar de neoconservadorismo – como bandeira. O Capitão do Exército é quem mantém no seu ministério um grupo de economistas que aposta apenas nesse neoliberalismo tardio, moldado pela Escola de Chicago, incapaz de acenar com dias melhores para o povo. O mesmo Governo mantém inalterado o status quo, remunerando os mais ricos, mantendo o País com a maior concentração de renda do Planeta e as mais elevadas taxas de desigualdade entre todas as democracias.

    É triste que seja assim. É difícil encarar o fato de que o Exército do Gen. Horta Barbosa, do Gen. Felicíssimo, do Gen. Geisel, de tanto nacionalismo, esteja silente ante os desmandos e ataques à soberania nacional. Nos 65 anos da morte de Getúlio, o Brasil parece retroceder no tempo.

    Nesse dia 24 de agosto, sábado próximo, o mais notório sucessor e herdeiro de Getúlio, o metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, hoje o mais influente político brasileiro no mundo, está preso injustamente, condenado sem provas, em um processo, que se sabe agora, por conta das revelações da imprensa, repleto de ilegalidades, vícios e fraudes.

    Daí que é preciso denunciar os ataques à soberania e dizer que a saída para o País está numa cela. Lula está preso, mas não está morto, muito menos sua sensibilidade e suas realizações.

    Em setembro, o País assistirá a um grande ato em defesa da soberania nacional, como em outros momentos da nossa história, quando os democratas estarão mais uma vez reunidos, líderes políticos, partidos, Parlamentares, estudantes, trabalhadores, militantes sociais, representantes das entidades da sociedade civil e vão lançar a Frente em Defesa da Soberania Nacional, a frente das frentes, a luta contra os desmandos que nos obrigam a nos mantermos alertas e firmes e apresentar críticas democráticas a tudo o que está acontecendo.

    Não percamos a esperança! Viva Getúlio! Viva Lula! Viva o povo brasileiro!

    Obrigado, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/08/2019 - Página 54