Discurso durante a 135ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre a reforma da Previdência Social.

Leitura da Carta de São Paulo, aclamada no Seminário Nacional Estado Social e Liberdade Econômica.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL:
  • Comentários sobre a reforma da Previdência Social.
ECONOMIA:
  • Leitura da Carta de São Paulo, aclamada no Seminário Nacional Estado Social e Liberdade Econômica.
Publicação
Publicação no DSF de 15/08/2019 - Página 109
Assuntos
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL
Outros > ECONOMIA
Indexação
  • COMENTARIO, REFORMA, PREVIDENCIA SOCIAL.
  • LEITURA, CARTA, ORIGEM, SEMINARIO, ESTADO, LIBERDADE, ECONOMIA.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, vários atos acontecem hoje pelo país contra esta reforma da Previdência Social que tramita no Senado, contra o desmonte da educação, por emprego e renda e direitos sociais e trabalhistas.

    Trabalhadores, estudantes, mulheres, indígenas, movimentos sociais, sindicatos estão nas ruas do nosso país protestando e exigindo melhorias sociais e econômicas. A mobilização acontece em todos os estados.

    Também estão levando seus gritos e cantos em defesa da liberdade, da democracia e da justiça.

    Esta reforma da Previdência será o caos.

    O direito a aposentadoria vai acabar. O caminho está sendo aberto para que todos ganhem apenas 1 salário mínimo.

    A reforma trabalhista já foi um tsunami, um terror na vida dos trabalhadores. Agora tem a MP 881, sacrificando ainda mais os direitos trabalhista.

    Há mais de 13 milhões de desempregados no país, 34 milhões de trabalhadores sem direito algum, 7 milhões de subocupados, 5 milhões de desalentados. O país não cresce, a economia está estagnada.

    Desde que os cortes na educação foram anunciados, as universidades e os institutos federais sofreram a perda de R$ 6,1 bilhões em verbas.

    Em todos o país, há diversas instituições de ensino superior que estão com contas atrasadas e dificuldades para o pagamento de salários do corpo docente e de funcionários.

    Também no dia de hoje a Marcha das Margaridas está chegando em Brasília, em defesa da soberania e da democracia. Serão mais de 100 mil trabalhadoras do campo, da floresta e das águas. O encontro ocorre desde o ano de 2000, a cada quatro anos. A marcha este ano tem o lema "Margaridas na Luta por um Brasil com Soberania Popular, Democracia, Justiça, Igualdade e Livre de Violência".

    As mulheres lutam por conquistar visibilidade, reconhecimento social, político e cidadania plena. Elas lutam contra toda forma de exploração, dominação, violência e em favor de igualdade, autonomia e liberdade.

    E, no dia de amanhã, se encerra, também aqui em Brasília, a primeira Marcha das Mulheres Indígenas, com a presença de lideranças de todo o país.

    A marcha, organizada pela Articulação Brasileira dos Povos Indígenas, tem o objetivo de discutir o que é ser mulher nas comunidades indígenas, empoderamento político, saúde, violação de direitos.

    Era o que tinha a dizer.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, leio a Carta de São Paulo aclamada por ocasião do "Seminário Nacional Estado Social e Liberdade Econômica - os vícios jurídicos da MP 881/2019:

    Ao tempo em que se desdobra uma enorme campanha midiática em torno da aprovação da MP nº 881/2019, ora vertida como PLV 17/2019, sob o alarde de que promoverá, enfim, a liberdade econômica essencial para tirar o país da crise, é curial tornar públicas as seguintes objeções de forma e de fundo:

    1 - A exemplo do que se passou com a "reforma trabalhista" (Lei 13.467/2017), a MP n° 881/2019 aposta em estratégias que iludem as suas maiores finalidades e dificultam a sua compreensão.

    A população em geral e muitos que a defendem desconhecem, neste momento, o que exatamente está dito na MP.

    E, de dezenove artigos originalmente encaminhados ao Congresso Nacional, o PLV em discussão termina por introduzir ou alterar mais de cinquenta dispositivos legais.

    2 - Nada do que existe no texto da MP 881 está abarcado pela hipótese do artigo 62 da Constituição Federal, a justificar a regulação da matéria por meio de desse instrumento jurídico.

    Aliás, é mais razoável sustentar a inviabilidade jurídica de uma medida provisória com esses conteúdos, conforme previsão expressa do parágrafo 1º do mesmo artigo, do que fundamentar a sua adoção.

    3 - As alterações propostas pela MP 881 constituem alteração profunda na ordem jurídica como um todo, perpassando vários ramos do Direito e pretendendo, inclusive, modificar a própria lógica estrutural constitucional. Em todas as searas há entraves sensíveis a serem redimidos, consoante ponderações de especialistas das mais diversas áreas.

    De outra parte, os termos da proposta, no que sacrificam direitos fundamentais, estão distantes de gerar os efeitos pretendidos de melhora da economia.

    O que se antevê, caso a MP em questão seja convertida em lei com os termos atuais, é um novo ciclo de enormes complicações jurídicas, com profunda insegurança para os cidadãos em geral e mesmo para quem vislumbre dela se beneficiar.

    O viés de redução de direitos sociais, outrossim, é claramente anticíclico e recessivo.

    4 - Ainda que se projete uma liberdade de atuação empresarial sem qualquer interferência do Estado, ao se ter que assumir respeito à Constituição, acaba-se fragilizando o próprio objetivo do projeto.

    Com efeito, diz expressamente o art. 1º que a proteção "à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica", objeto central da MP, está submetida ao disposto no inciso IV do art. 1º, no parágrafo único do art. 170 e no "caput" do art. 174 da Constituição Federal.

    A referência, porém, revela bem os ímpetos do texto, uma vez que não cabe ao legislador infraconstitucional eleger quais artigos da Constituição serão respeitados: a submissão da lei à Constituição é plena.

    Assim, p. ex., não se concebe que o texto em debate não se subordine ao valor social do trabalho (art. 1º. IV) e à função social da propriedade, p. ex. (art. 5o, XXIII).

    5 - Com efeito, depois de tantos debates e experiências históricas firmou-se o pacto constitucional de 1988, com a qual o Estado Democrático de Direito constrói-se como Estado Social, com limites claros e inequívocos aos interesses econômicos individuais, sendo certo que dentre os preceitos e valores limitadores estão os direitos trabalhistas assegurados no Capítulo dos Direitos e das Garantias Fundamentais, integrados ao conceito de cláusula pétrea ou protegidos pelo princípio da vedação do retrocesso social.

    6 - A MP nº 881 tenciona nitidamente desconsiderar a autoridade constitucional, reportando alguns poucos artigos constitucionais e olvidando outros tantos, como se fosse ela - e não a própria Constituição - a determinadora dos sentidos de todas as demais leis do país.

    Esse ímpeto de usurpação hermenêutica revela-se bem no art. 1º, § 1º, da proposta, pelo qual "[o] disposto nesta Lei será observado na aplicação e na interpretação de Direito Civil, Empresarial, Econômico, Urbanístico, e do Trabalho, nas relações jurídicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação, e na ordenação pública, inclusive sobre o exercício das profissões, comércio, juntas comerciais, a autorização irrestrita para o trabalho aos domingos e feriados, com o requisito do pagamento de remuneração em dobro, em claro aceno à monetização da saúde humana; a autorização para, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, formalizar-se o registro de ponto "por exceção" à jornada regular de trabalho, expandindo os horizontes já dilatados de sonegação de horas extraordinárias; obrigatoriedade de anotação do horário de trabalho apenas para os estabelecimento com mais de 20 trabalhadores, aumentando imensamente as hipóteses de dispensa do controle formal de jornada; as objeções à participação dos sindicatos na atividade de Inspeção do Trabalho; e a incompreensível figura dos contratos de trabalho "híbridos", com remuneração mensal acima de 30 (trinta) salários mínimos, regidas ao mesmo tempo pelo direito civil e pelo art. 7º da Constituição da República [...]

    8 - Nos arts. 3º incisos IV, XIV, XVI, XVII (§ 2°, III e § 3°), 9º, 19 e 28 da MP 881 é possível identificar também graves ataques à Auditoria Fiscal do Trabalho.

    As alterações propostas nos arts. 161, 163, 635 e 637 da CLT, entre outras, são violadoras das garantias do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho que estão constitucional e internacionalmente garantidas...

    Violam o art. 21, XXIV, da Constituição, que atribui à União competência para "organizar, manter e executar a inspeção do trabalho", bem como os comandos da Convenção nº 81 da OIT, ratificada pelo Brasil, o que pode trazer enorme prejuízos para a classe trabalhadora.

    9 - O Direito do Trabalho, cumpre recordar, rege-se pelos princípios da progressividade e do não retrocesso social.

    O dirigismo contratual e a função social do contrato estão adquiridas, no âmbito do Direito Civil - e especialmente em searas como as do Direito Agrário e do Direito do Consumidor -, há pelo menos um século.

    O intervencionismo estatal para assegurar o bem comum em contextos de crises de abastecimento e afins é encontradiço em todo o mundo civilizado.

    Não se harmonizam com a Constituição da República quaisquer ímpetos legislativos que tendam à agressão de direitos fundamentais, à irresponsabilidade do Estado e à desproteção deliberada dos mais vulneráveis.

    10 - Conclamamos, por isso, o Congresso Nacional a suspender a votação do PLV 17/2019 e a abrir o necessário e amplo debate a seu respeito, por meio de audiências públicas e diálogos interinstitucionais que busquem construir a efetivação das liberdades seguindo os preceitos e valores constitucionais, sem se lançar a experimentos que flertem com as premissas do anarcocapitalismo.

    São Paulo, 12 de agosto de 2019.

    Assinam: Jorge Luiz Souto Maior (USP), Guilherme Guimarães Feliciano (USP), Marilane Oliveira Teixeira (UNICAMP), Celso Campilongo (USP), Noemia Garcia Porto (ANAMATRA), Gilberto Bercovici (USP), Estela Waksberg Guerrini (Defensora Pública), Carolina Zancaner Zockun (PUC/SP), Eneas De Oliveira Matos (USP), Rosa Maria Campos Jorge (SINAIT).

    Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/08/2019 - Página 109