Pronunciamento de Paulo Rocha em 03/09/2019
Discurso durante a 154ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Indignação pela possibilidade sinalizada pelo Presidente Jair Bolsonaro de retirada de dispositivo constitucional que pune o empregador com o confisco de sua terra quando utiliza o trabalho escravo em sua propriedade.
Críticas ao Presidente Jair Bolsonaro por declarações sobre o trabalho infantil no País.
- Autor
- Paulo Rocha (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
- Nome completo: Paulo Roberto Galvão da Rocha
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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TRABALHO:
- Indignação pela possibilidade sinalizada pelo Presidente Jair Bolsonaro de retirada de dispositivo constitucional que pune o empregador com o confisco de sua terra quando utiliza o trabalho escravo em sua propriedade.
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TRABALHO:
- Críticas ao Presidente Jair Bolsonaro por declarações sobre o trabalho infantil no País.
- Publicação
- Publicação no DSF de 04/09/2019 - Página 49
- Assunto
- Outros > TRABALHO
- Indexação
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- CRITICA, JAIR BOLSONARO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, POSSIBILIDADE, RETIRADA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, OBJETIVO, PUNIÇÃO, CONFISCO, TERRAS, EMPREGADOR, UTILIZAÇÃO, TRABALHO, ESCRAVO.
- CRITICA, JAIR BOLSONARO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, DECLARAÇÃO, ASSUNTO, TRABALHO INFANTIL, PAIS, BRASIL.
O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA. Para discursar.) – Sr. Presidente, eu não ia me meter no assunto que meu companheiro, Senador lá do Pará, levantou aqui, mas, como ele jogou a culpa no PT e toda a culpa é do PT, aí não, Zequinha. Aí não.
Você falou aqui que as ONGs governam o Pará há não sei quanto tempo. Até dia 31 de dezembro do ano passado, você era Vice-Governador, junto com o Governador Jatene, do PSDB. Que história é essa de dizer que as ONGs é que governavam o Pará? Você era Vice-Governador. Agora se elegeu como Senador num outro Governo. Assuma o papel de governo lá. Vem jogar a culpa no PT? Você era Vice-Governador, Zequinha. Que história é essa?
ONG, que história é essa? Por favor, por favor.
O SR. ZEQUINHA MARINHO (Bloco Parlamentar Vanguarda/PSC - PA) – Se V. Exa. me permitir, eu explicaria.
O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) – Não, não senhor. Você fez uma acusação, dizer que até agora sempre foi governado pelas ONGs? Você era Vice-Governador lá, e depois vem colocar a culpa no PT? Esqueça, meu irmão, por favor! E vem falar pelo amor de Deus? Outra coisa: quem ganhou as eleições lá no Pará foi o Haddad, não foi o Bolsonaro.
Sr. Presidente, debate a gente topa, é democrático e a gente vai no processo democrático, mas acusação, por favor! Aliás, o Zequinha não é acostumado a fazer isso. Não sei por que ele fez isso agora. Resposta à altura.
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, a Semana da Pátria é uma perfeita oportunidade para acender na mente de cada brasileiro e brasileira o valor e o desejo de uma nação que seja justa, soberana, solidária, participativa e independente. Transformar o Estado brasileiro é uma tarefa contínua e precisa estar na mente e no coração de todos que querem ver justiça e verdade.
É um tempo que deve inspirar o compromisso civilizatório pela busca de novas dinâmicas e respostas para que privilégios intocáveis e inaceitáveis sejam extintos do nosso País, pois a elite brasileira vira as costas para a prática abominável do trabalho escravo e do trabalho infantil no nosso País. É preciso ter coragem para dar um passo determinante e vencer os cenários de exclusão que fragmentam a nossa sociedade, rompendo assim com a mediocridade que se revela nas inadequadas formas de exercer o poder e na busca egoísta pelo próprio bem, desconsiderando a vida de outras pessoas.
Cito, por exemplo, a libertação recente de um senhor de 76 anos do assentamento da área rural de União dos Palmares, a 78 quilômetros de Maceió, em Alagoas, divulgado pela Globo News.
Por cinco anos, esse senhor trabalhou em situação de extrema vulnerabilidade. Além das condições insalubres, deploráveis, ele não recebia nenhum centavo pelo trabalho que exercia. Foi encontrado após uma operação das polícias civil e militar daquele Estado, após uma denúncia anônima feita pelo Disque 100 daquele Estado.
A situação lamentável daquele senhor é uma das várias histórias cruéis pelas quais passam milhares de pessoas neste País. Só nos últimos 15 anos, mais de 45 mil pessoas foram libertadas da condição de escravidão no nosso Brasil, sendo mais de 10 mil no meu Estado, o Pará.
Iniciativa de minha autoria, a lei que criminaliza o trabalho escravo no Brasil agora sofre um perigo de retrocesso através do Governo Bolsonaro, pois o próprio Presidente já se manifestou a favor da flexibilização dessa legislação. Sua proposta é deixar de criminalizar os empresários que praticam este terrível ato contra o ser humano. Ele quer retirar da Constituição Federal o dispositivo que pune o empregador com o confisco de sua terra quando utiliza o trabalho escravo em sua propriedade.
Essa, senhoras e senhores, foi uma luta de 19 anos no Congresso Nacional, desde que apresentei, em 1995, proposta de emenda à Constituição promulgada pelas Mesas da Câmara e do Senado em 5 de junho de 2014. Quero deixar claro que essa conquista foi um anseio expressivo de parcela da sociedade e contou com mobilização não apenas de representantes de trabalhadores – Contag, OIT, Comissão Pastoral da Terra –, mas igualmente dos integrantes de entidades artísticas, como atores, cantores, compositores, e outros segmentos sociais, todos contra o trabalho escravo.
E por que o Governo Bolsonaro ou o próprio Presidente deseja a volta do trabalho escravo? Porque o atual Governo brasileiro representa o atraso, o retrocesso e está a serviço dos grandes escravagistas, de empresários inescrupulosos.
No campo, lá no meu Estado mesmo, há um conjunto de empresários, de grandes empresários rurais que trabalham, produzem, dentro das regras de uma sociedade moderna, democrática. Portanto, nós não aceitamos essa forma degradante, desumana e lucrativa que ainda persiste no campo, sobretudo na Amazônia.
A condição de isolamento dos trabalhadores, principalmente na minha região, os impede de sair livremente das fazendas. A retenção dos documentos pelo capataz, a servidão por dívida, que começa nos povoados, onde o gato arregimenta os trabalhadores e inclui a comida, as ferramentas de trabalho e até os remédios, tudo isso conta no valor a ser descontado do seu salário, o que inevitavelmente leva à condição nefasta de servidão.
A criminalização do trabalho escravo e o confisco da terra onde for comprovada a atividade abusiva são conquistas da sociedade brasileira que precisam ser permanentemente validadas, sob pena de ver esse crime crescer a cada dia sem a punição devida.
Pasmem, Sras. e Srs. Senadores, o Presidente da República também é favorável a outra prática abusiva: o trabalho infantil. Em julho, o próprio Presidente declarou apoio e simpatia a essa atividade injusta, desfilando sua total ignorância quanto à realidade de milhões de brasileiros. Cerca de 2 milhões de crianças são massacradas no Brasil pelo trabalho em condições superiores às suas próprias forças físicas e mentais. Ele simula que não sabe que, no período de 2007 a 2017, houve mais de 200 óbitos e mais de 40 mil crianças e jovens sofreram mutilações e deformações em decorrência de acidentes de trabalho.
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) – A realidade comprova ainda milhares de casos de crianças e jovens vítimas de traumas psicológicos causados pelo amadurecimento precoce, que leva ao enfraquecimento dos laços familiares e a prejuízos irreparáveis no desenvolvimento de sua escolaridade. A consequência tão nefasta dessa prática é a perda de oportunidades que esses jovens terão pela vida de formar o seu próprio caráter através da educação, do conhecimento, da prática saudável da cultura e do esporte.
A fala irresponsável do Presidente foi mais um ataque à Constituição brasileira e às respectivas legislações ordinárias. Lugar de criança é na escola, estudando e brincando. O Presidente tem interesse em aprofundar desigualdades, por isso defende o trabalho infantil, perpetuando o ciclo da pobreza: quanto mais precoce for a entrada no mercado de trabalho, menor será a renda obtida ao longo da vida.
Conforme dados da Pnad, em 2016, 1,8 milhão de crianças e adolescentes, com idades entre 5 e 17 anos, trabalhavam no Brasil com carga horária média semanal de 26 horas, a maioria em situação ilegal.
Centenas de crianças estão, neste momento, trabalhando e deixando de usufruir os seus direitos à educação, à saúde, ao lazer, ficando para trás a possibilidade de uma infância sadia e feliz. E o que se depreende da fala do Presidente é que a infância não é prioridade. E todos sabemos: este Governo representa uma mistura de neoliberalismo, fascismo e ignorância.
Em junho de 2016, demos entrada ao Projeto de Lei 237, que caracteriza como crime o trabalho infantil. Em dezembro do mesmo ano, o projeto foi aprovado aqui, no Senado Federal – aliás, foi aprovado por unanimidade, com a relatoria da Senadora Simone Tebet. A referida legislação proíbe a exploração do trabalho de menores de 14 anos, sendo permitido atividade entre 14 e 18 anos apenas como menor aprendiz. Estamos aguardando agora apreciação na Câmara dos Deputados, e espero que lá também ele seja aprovado.
Todos sabemos que foi no Governo nosso o momento histórico em que mais se combateu o trabalho infantil no Brasil. O Bolsa Família deu condições para que muitas crianças deixassem de trabalhar, pois a renda familiar auferida pelo programa auxiliava no sustento da casa, e um dos pré-requisitos essenciais para receber o benefício era manter o filho na escola.
Um ponto crucial para conquistar avanços civilizatórios é reconhecer que a Nação precisa refazer seus trilhos e percorrê-los em outra velocidade, e nada melhor do que fazer isso na Semana da Pátria, para fazermos essa reflexão.
Peço a atenção, portanto, dos nobres Senadores e Senadoras para este tema tão importante. Convoco os democratas deste Parlamento e os cidadãos conscientes que nos ouvem pela Rádio e TV Senado a defenderem a dignidade e o respeito aos direitos humanos das nossas crianças, dos nossos jovens, abolindo, de toda forma, o trabalho escravo e infantil no Brasil, uma luta civilizatória consagrada na Declaração Universal dos Direitos do Homem...
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) – ... que devem estar presentes em cada um de nós.
Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.