Discurso durante a 188ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Esclarecimentos sobre a criação de um grupo de trabalho destinado a fiscalizar, acompanhar e avaliar a aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no que se refere ao sistema penal aplicado a crianças e adolescentes.

Autor
Styvenson Valentim (PODEMOS - Podemos/RN)
Nome completo: Eann Styvenson Valentim Mendes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Esclarecimentos sobre a criação de um grupo de trabalho destinado a fiscalizar, acompanhar e avaliar a aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no que se refere ao sistema penal aplicado a crianças e adolescentes.
Aparteantes
Veneziano Vital do Rêgo.
Publicação
Publicação no DSF de 08/10/2019 - Página 28
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • REGISTRO, ESCLARECIMENTOS, CRIAÇÃO, GRUPO DE TRABALHO, COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS (CDH), FISCALIZAÇÃO, ACOMPANHAMENTO, AVALIAÇÃO, APLICAÇÃO, MENOR, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, COMENTARIO, DADOS, CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), CUMPRIMENTO, MEDIDA SOCIOEDUCATIVA.

    O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN. Para discursar.) – Muito obrigado, Sr. Presidente. E obrigado a todos os Senadores, Senador Veneziano, Senador Izalci, e a todos que nos acompanham através da TV, da Rádio Senado e das redes sociais.

    Eu vim falar hoje sobre um grupo de trabalho que estou formando para analisar o sistema penal aplicado a crianças e adolescentes.

    Não é novidade. Vira e mexe, nós somos surpreendidos aqui, Senadores, por atos de violência cometidos por crianças – na maioria, meninos – que deveriam estar brincando, estudando, sendo apenas crianças. É claro que os números tratam muito mais de crianças e adolescentes que são vítimas dessa violência. Entretanto, quero chamar aqui para a nossa reflexão que, inclusive, essas crianças que cometem crime são também vítimas de outro tipo de violência que se traduz em mais males para a sociedade.

    De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, em 2016, aproximadamente 192 mil menores cumpriram algum tipo de medida socioeducativa, o dobro do ano anterior. Já o último levantamento do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) mostrou que, em 2016, mais de 26 mil meninos e meninas entre 12 e 21 anos estavam em unidades de restrição e privação de liberdade no Brasil. A infração mais frequente é o tráfico de drogas, e depois vem o roubo.

    E a pergunta da qual não podemos fugir, Srs. Senadores, é se esse modelo de correção ainda é válido para o cenário que vivemos hoje.

    No último dia 24 de setembro, eu apresentei um requerimento junto à CDH para a criação de um grupo de trabalho destinado a fiscalizar, acompanhar e avaliar a aplicação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que vai completar agora 30 anos em 2020, no que se refere à execução das medidas socioeducativas previstas no Capítulo IV, aplicáveis em caso de infração cometida por adolescentes.

    E, seis dias após eu ter indicado através de requerimento a criação desse grupo de estudos, Senador Wellington, no dia 29 de setembro, eu sou surpreendido e a sociedade é surpreendida mais uma vez pela notícia de morte de uma criança de apenas nove anos de idade provocada por um garoto de doze anos.

    E a pergunta que se faz é: aonde esse garoto será levado para tratamento? Ele deve ser tratado, ser punido? São perguntas da sociedade. O Estado está preparado para enfrentar casos tão extremos como o desse assassinato em idade tão precoce? São questões que devem ser enfrentadas, principalmente porque devemos e podemos criar rapidamente uma discussão para redução ou não da maioridade penal. E essa discussão já está aqui.

    Eu já estou me antecipando, Srs. Senadores, senhores ouvintes, a esse tipo de discussão, que logo chegou aqui a esta Casa, com esse grupo de trabalho na CDH feito para tratar destes temas: a violência e a eficiência até então do Estatuto da Criança e do Adolescente. O que eu proponho que seja discutido aqui na CDH, no Senado, antes que venha para julgamento dos Senadores a redução ou não da maioridade penal, é se o conjunto de medidas previstas no Capítulo IV do ECA, como eu já perguntei e pergunto mais uma vez, é suficiente e adequado para lidar com o cometimento de atos infracionais por adolescentes e crianças. Em que situação se encontram as instituições encarregadas em aplicar tais medidas? Qual vem sendo o papel do Ministério Público diante da aplicação dessas medidas? Quais os resultados obtidos pela aplicação delas? Qual o índice de reincidência registrado entre os adolescentes que cometem atos infracionais e são submetidos a medidas socioeducativas? São perguntas que precisam ser respondidas.

    A gente ouve falar muito dos casos fora do País, principalmente nos Estados Unidos, de crianças que entram nas escolas com armas, matando os colegas. Aqui no Brasil, no começo do ano, eu não me esqueço – e espero que o Brasil não se esqueça – de que um adolescente e um homem mataram oito pessoas numa invasão em escola pública em Suzano. As pessoas só se lembram disso no ato, naquele momento, aí se revoltam, com isso causando indignação, mas eu não esqueço. Esse seria o oitavo caso semelhante desde 2001 registrado no nosso País. Em um desses casos desde 2001, que foi registrado entre tantos, uma criança de dez anos – apenas dez anos – foi quem atirou. Aí alguns vão dizer que é pouca a quantidade de ocorrências aqui no nosso País, comparado aos países. Eu não acho pouco, não; eu acho muito. Não era para acontecer em nenhum momento, em nenhum local neste País.

    Hoje de manhã, Senador Wellington, eu liguei para a psiquiatra forense potiguar Cininha Barros, que hoje está trabalhando no Rio Grande do Sul. Ela é especialista na área, tem no seu currículo experiência com crianças e adolescentes de unidades socioeducativas. Ela defendeu fortemente que a identificação precoce seja responsabilidade, primeiro, da família. Eu concordo com ela, eu só não sei que família é essa hoje que está constituída neste País. Então, ainda precisamos discutir sobre isso. E, depois da família, ela coloca a escola, porque é onde mais a criança vive, é onde ela mais permanece. Entretanto, com essa nova maneira como as famílias se organizam, com as mães e os pais no mercado de trabalho cada vez mais cedo e com as crianças precisando ir para as creches – e, como o Senador Izalci acabou de citar, falta muita creche neste País –, a responsabilidade da observação dessas crianças, Senador Veneziano, cabe a quem agora? Então, na mesma conversa, a médica me apontou outro assunto como importante: a rede de atendimento para essas crianças. Elas podem ter uma atitude isolada naquele momento, uma atitude de infração ou criminal ou podem ter um transtorno de conduta muito mais grave, muito mais profundo do que só aquela naquele instante, naquele momento. Então, é necessário acompanhar esses meninos e meninas quanto mais cedo possível, para evitar uma situação pior.

    Eu estou falando tudo isso, Senador Veneziano, porque eu não consigo entender como é que a criança deixa de ser criança e começa a brincar de violência, de arma, de faca, e a gente chega ao ponto de se deparar com uma situação como a que houve na semana passada de uma criança amarrar outra e causar aquele nível de violência. Aí eu fico pensando para onde vai aquela criança. O que vai ser feito? E aí? Qual é o tratamento que vai ser dado a ela? Retirá-la de sociedade? Colocá-la para ressocialização ou socialização? Porque isso não é tratado como criança. Vai ter acompanhamento psiquiátrico, acompanhamento médico? Como é que a gente vai tratar essas pessoas? Porque ela vai voltar para a sociedade. Mais cedo ou mais tarde, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, ela retornará para a sociedade.

    Tendo essa conversa com essa psiquiatra forense, ela demonstrou essa preocupação, e eu demonstro a minha preocupação também aqui com a nossa juventude, porque, se, Senadores, tudo que a gente está passando hoje vai ser herdado por alguém, primeiro, a gente tem que corrigir isso, antes que a gente herde um problema maior para as sociedades futuras, com essas crianças cada vez mais violentas. São crianças envolvidas em assaltos, são crianças envolvidas em homicídios, são crianças envolvidas em latrocínio, com tráfico de drogas, são crianças procriando cada vez mais cedo, são crianças passando por violência sexual. Então, cabe a nós aqui, Senador Veneziano, Parlamentares, Senadores e Deputados, agentes públicos, contribuir para a solução desse problema.

    Eu estou vindo falar sobre esse assunto, porque ontem houve votação para os Conselhos Tutelares. Eu ouvi o Senador Izalci falando disso antes de mim – eu não tinha combinado com ele o tema. E é difícil hoje lidar com essa situação, com um problema grande, crescente, um problema do qual se está perdendo o controle, um problema em que muitas vezes não se sabe mais o que fazer. E vem alguém com a solução mágica. E a solução mágica é sempre aquela: trancafiar todo mundo, aumentar a pena, diminuir a idade e deixar todo mundo preso. Então, a gente precisa analisar antes que isso aconteça...

    O Sr. Veneziano Vital do Rêgo (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - PB) – Senador Styvenson, se V. Exa. permitir...

    O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN) – Claro, sim, senhor.

    O Sr. Veneziano Vital do Rêgo (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - PB. Para apartear.) – É uma rápida abordagem de nossa parte, sem querer atrapalhar...

    O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN) – Não, não atrapalha, não. Pelo contrário...

    O Sr. Veneziano Vital do Rêgo (Bloco Parlamentar Senado Independente/PSB - PB) – ... a linha de raciocínio da sua fala, que é tão bem posta e vai candentemente sendo ilustrada ao longo das páginas que V. Exa. utiliza. Eu queria abraçá-lo e dizer que concordo fidedignamente com a linha de raciocínio, quando V. Exa. começava a expor as suas preocupações, o grau de ansiedade e de questionamentos.

    Eu tive a experiência, Presidente Wellington Fagundes, como Deputado Federal durante quatro anos... E, na Câmara dos Deputados, nós, muitas das vezes, éramos levados pelo discurso movido emocionalmente daquilo que proveniente era da sociedade, mais do que razoável, com todas as justificativas de uma sociedade cansada de tantos episódios gravíssimos em torno da insegurança no País, que se alastrava e que se alastra ainda, mesmo com bons indicadores nesses primeiros meses, muito mais por força do trabalho individualizado dos Estados, do que propriamente de uma política bem pensada e bem planejada do Governo Federal, mas sempre num vetor punitivo. E V. Exa. começava a falar e já falava a esse respeito. As preocupações eram de se discutir quanto maiores as penas, como se, simplesmente por essas ações ou por essas iniciativas legislativas, nós déssemos cabo ou pelo menos diminuíssemos problemas que afloram dia a dia, que chegam ao nosso conhecimento, que geram um primeiro impacto, como o que V. Exa. bem mencionou, há cerca de cinco meses, lá em Suzano, que depois começam a perder de vista e passam desapercebidos, até que aconteça outro episódio, tão ou mais chocante ou mais grave.

    E aí estou muito feliz no dia de hoje, um dia após termos, no País por inteiro, visto a participação nas escolhas dos conselheiros dos Conselhos Tutelares. Eu tive a oportunidade em minha cidade e fiz questão de ir, de votar, de escolher, porque acredito, acredito piamente.

    Mais delicado ainda é quando nós ouvimos discursos de uma corrente que não aceita, que não concorda vincular grande parte daquilo que acontece com as nossas crianças, com os cidadãos de amanhã, àquilo que é uma realidade atroz, cáustica, uma realidade de enfermidade social no nosso País. Não dá, Senador Styvenson... V. Exa., tanto quanto eu, como o Senador Wellington Fagundes, poderemos e podemos trazer à realidade dessa convivência no Senado Federal, particularidades do seu Estado do Rio Grande, como do meu Estado da Paraíba. E muitas dessas realidades e muitos desses fatos e desses episódios são contados por crianças que não tiveram as mesmas oportunidades que eu tive, que o Senador Wellington teve, que V. Exa. teve, que grande parte de nós teve, de estudo, de um acompanhamento familiar, de estar crescendo com valores familiares e não no desregramento. Como pensar se não em crianças que terminam por se desajustarem a partir daquele instante, Senador Styvenson? Então, eu não abro mão...

    Isso não significa dizer que aqueles que tiveram essas oportunidades de acesso aos bens e aos valores imateriais não possam incorrer nas práticas, como exemplos inúmeros nós sabemos, mas a sua grande maioria, a esmagadora maioria, está vinculada a realidades sociais em que o braço estatal não se estendeu, seja na saúde, seja na educação, seja na infraestrutura basilar. Não há como você descolar. Não há como você propor desprender-se uma situação dos efeitos que nós estamos nefastamente a observar.

    Por essas razões, eu queria me somar à sua linha de raciocínio, às suas preocupações. É importante que se traga, porque, nesses últimos anos, nós observamos uma corrente que traz a ideologização ao debate, quando na verdade nós precisamos fazer outras observações e na verdade nós precisamos encadear as nossas iniciativas para tentar gerar oportunidades de uma vida mais digna a tantos e tantos milhões de brasileiros.

    Não é possível imaginarmos que 50 milhões de cidadãos patrícios, entre os que se encontram na extrema pobreza ou na pobreza, possam, no amanhã, ter realidades diferentes das muitas que V. Exa. conta.

    Na verdade, eu queria utilizar estes momentos, até atrapalhando um pouco a linha de raciocínio que V. Exa. bem traduz, de maneira muito pontuada, muito equilibrada, para dizer que me somo a essas suas preocupações, porque na verdade vinculo uma situação a uma outra que hoje assola o nosso País.

    Parabéns.

    O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN) – Eu que agradeço esse aparte que o senhor fez, tanto que quero incorporar a este discurso tudo o que o senhor disse, porque eu subi nesta tribuna hoje, Senador Veneziano, não para buscar a solução fácil – a solução fácil todo mundo sabe dar, a solução pode ser ideológica, a solução de que trancafiar todo mundo dá tudo certo –, mas eu questionei durante o meu discurso se essa solução trouxe algum resultado. Será que é o ECA que está errado? Será que é a fiscalização dos pais, das escolas, do Ministério Público, do próprio Conselho Tutelar? Será que é a nossa atenção? Qual é o nosso problema hoje? Então, eu vou formar um grupo para analisar tudo isso, para que nós possamos tomar uma decisão. No caso, como eu já disse, estamos aqui à margem, e eu entendo a população, eu entendo como um policial militar, pois a população se encontra em momento de desespero e terror e quer realmente aquela solução efetiva, a solução rápida. Só que, com essa solução rápida, eles não pensam muitas vezes que pode gerar um problema muito maior, e esse problema pode atingir a eles mesmos, à própria população.

    Quando o senhor falou em situação financeira, em educação, em lazer, em pessoas que nascem em berços diferentes, em condições diferentes, seria inadmissível que essas pessoas cometessem qualquer ato de infração ou crime, uma vez que elas tiveram toda a oportunidade ou tudo que uma pessoa que não tem e que comete crimes teria.

    Então, pela lógica, deveriam ser punidos com mais rigor, uma vez que tiveram tudo e não cumpriram, mas eu não penso só dessa forma, eu penso em buscar e localizar, por que hoje as nossas crianças e os nossos adolescentes estão tão violentos, por que crianças hoje com nove, dez anos de idade estão causando homicídios, latrocínios, torturas a outros semelhantes, da mesma idade ou menos que elas.

    Então, se a gente parar para analisar e querer buscar justamente essa origem, pode ser todo esse contexto do ambiente, pode ser todo esse contexto familiar, pode ser esse contexto no qual ela vive, ela habita ou pode ser um distúrbio psiquiátrico. É onde a gente está querendo distinguir tudo isso porque, na verdade, a gente nunca teve um estudo em relação a esse assunto dessa forma distinta, porque eu não consigo imaginar uma criança, dentro da sua inocência – pelo menos o quanto eu penso de criança, eu penso que criança em formação é inocente –, estar cometendo crimes cada vez mais violentos. Com quem ela está aprendendo isso? Com quem ela está enxergando isso? Com quem ela está vendo isso, Senador, que ela está reproduzindo, imitando? A que tipo de ambiente, a que tipo de exposição nociva essas crianças estão sendo colocadas?

(Soa a campainha.)

    O SR. STYVENSON VALENTIM (PODEMOS - RN) – Então, a discussão de reduzir maioridade, colocar dentro de uma cadeia, tirar a liberdade ou não, é um segundo passo. O primeiro passo é a gente procurar a origem de toda essa violência,sobre a qual eu estou me retratando aqui, sobre a qual eu estou me comunicando com os senhores, a qual eu estou trazendo aqui para a sociedade pensar, porque tomar decisão fácil, tomar decisão que a população quer, é simples. Aperta um gatilho ou coloca atrás de uma grade; essa é a solução rápida, a solução eficiente. Buscar a origem do problema, aí sim, pode ser a solução para tudo. E muitas pessoas dizem e afirmam que sabem qual é a solução. Mas será que é essa mesma que a gente tem que procurar e tem que dar essa resposta?

    Eu não estou aqui subindo para dar nenhuma decisão ideológica, nem partidária, nem como policial militar; eu estou tentando ser o mais racional possível em querer localizar, em querer tratar, cuidar, porque seria muito mais fácil eu subir aqui e fazer um discurso para a população: vamos reduzir, vamos prender, vamos penalizar, vamos botar a pena de morte neste País. Mas não resolve, não é nisso que a população tem que se basear. Não é com essa raiva, não é com esse ódio, não é com esse rancor, não é com esse tratamento que a gente vai fazer uma lei aqui ou vai modificar um estatuto. Se ele não deu certo, vamos fazer esse grupo de trabalho e vamos avaliar qual é o melhor caminho a ser seguido.

    Muito obrigado, Senador.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/10/2019 - Página 28