Discurso durante a 183ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da rejeição pelo Congresso Nacional de determinados vetos à Lei de Abuso de Autoridade apostos pelo Presidente da República.

Autor
Marcos Rogério (DEM - Democratas/RO)
Nome completo: Marcos Rogério da Silva Brito
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL:
  • Defesa da rejeição pelo Congresso Nacional de determinados vetos à Lei de Abuso de Autoridade apostos pelo Presidente da República.
Publicação
Publicação no DSF de 02/10/2019 - Página 28
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
Indexação
  • DEFESA, REJEIÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, VETO (VET), AUTORIA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REFERENCIA, LEI FEDERAL, ABUSO DE AUTORIDADE.

    O SR. MARCOS ROGÉRIO (Bloco Parlamentar Vanguarda/DEM - RO. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, assistimos, na última semana, à sabatina, aprovação e posse do novo Procurador-Geral da República Augusto Aras, em mais uma etapa importante da história do Ministério Público brasileiro e de nossa democracia.

    Desde as lições de Montesquieu se extrai que a função precípua do Ministério Público é velar pelos cidadãos para que eles se sintam tranquilos. O Ministério Público é um garantidor de que o cidadão não sofra qualquer tipo de arbítrio, pois é ele, inclusive, o poder de controle da atividade das forças de segurança do Estado, a fim de que não se sobrelevem aos direitos do indivíduo e da coletividade.

    O Ministério Público deve funcionar como um órgão de controle dos Poderes do Estado na defesa do cidadão de bem, justamente para que esse Estado não se torne um Leviatã cruel e violento que, conforme idealizou o inglês Thomas Hobbes, domine o homem pelo medo. Diz o inciso II, art. 129 da Constituição Federal que o Ministério Público deve "zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia." Ou seja, os poderes públicos devem respeitar os direitos assegurados aos cidadãos na Carta da República. Caso tal não ocorra, cabe ao Ministério Público promover as medidas que sejam necessárias para a sua garantia. É dever do Ministério Público levantar-se na defesa do cidadão sempre que os agentes do Estado queiram se agigantar e violar os direitos e as garantias que a Constituição Federal assegura a toda a sociedade. Daí a expressão promotor de justiça.

    É incrível como, com o passar do tempo, perdemos a noção dos fundamentos e objetivos de nossas instituições. Hoje, quando se discute tanto sobre abuso de autoridade, é seguro dizer, calcado na Constituição Federal, que o Ministério Público deveria ser a primeira instituição a levantar uma trincheira contra todo e qualquer abuso de autoridade.

    O membro do Ministério Público não pode se comportar como se fosse um inveterado acusador. Esse não é, em essência, o seu papel. O seu papel é promover justiça. Se a promoção da justiça importar em que ele acuse alguém, deve fazê-lo com toda a independência, na forma da lei, promovendo a competente ação civil ou penal, mas, se fazer justiça implica pedir o arquivamento de um inquérito ou a absolvição de um acusado, deve fazê-lo da mesma forma.

    O Ministério Público não pode silenciar-se diante de qualquer arbítrio, inclusive o policial, mesmo porque é a Constituição que diz que é seu dever exercer o controle externo da atividade policial. Vivemos em um Estado de direito e não em um Estado policialesco. Devemos defender as polícias, inclusive dando aos policiais garantias jurídicas mais claras e objetivas que não importem limitar sua atuação.

    Por outro lado, não podemos permitir que as forças policiais extrapolem os limites constitucionais e legais no exercício de suas funções de combate ao crime e a garantia de segurança à população, voltando-se violentamente contra o cidadão.

    Tenho sido aqui no Parlamento um defensor das forças policiais e defendo que avancemos no sentido de fortalecer os órgãos de segurança para que façam frente a todo tipo de crime, mas sempre é preciso haver um equilíbrio de forças orientado pela linha da lei e da Constituição Federal. Para que a sociedade tenha os seus direitos assegurados, é imperativo também que no exercício de suas funções tanto o Ministério Público quanto as polícias e o próprio Judiciário respeitem as prerrogativas dos defensores dos cidadãos, sejam eles públicos ou particulares.

    Tanto a advocacia quanto a Defensoria Pública têm, assim como o Ministério Público, assento originário no texto condicional dentro do capítulo reservado às funções essenciais da Justiça, ou seja, para que haja justiça é preciso que se respeitem as funções do Ministério Público, da advocacia pública, da advocacia privada e da Defensoria Pública. Não há hierarquia entre essas instituições, assim como não há entre elas e o Poder Judiciário. O que as distingue são suas funções, é o seu papel.

    Por essas e outras razões votei a favor da rejeição de alguns dos vetos apostos pelo Presidente Jair Bolsonaro em trechos da Lei de Abuso de Autoridade. Defendo o emprego da autoridade nos limites da lei e da Constituição Federal, nada além disso. Abusar, ou seja, desrespeitar esses limites é algo simplesmente intolerável, que sequer precisaria ser motivo de discussão, de debate.

    O cidadão brasileiro, portanto, deve ser o primeiro a se mostrar interessado em que os agentes do poder, todos aqueles que exercem autoridade, respeitem seus direitos, sob pena de estarmos sancionando o arbítrio, o abuso. Como disse o apóstolo Paulo em sua carta aos romanos: "as autoridades não são terror para as boas obras, mas para as más". Na versão do Rei Tiago está dito que as autoridades devem honrar quem faz o bem. Não pode haver, portanto, qualquer tipo de prisão ilegal.

    O que dizia o texto vetado? Que não se poderia decretar medida de privação de liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais.

    O que diz a Constituição Federal no art. 5º, inciso LXI: "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente [...]".

    Questiono: alguém é a favor de que qualquer cidadão seja preso sem previsão legal, sem a prática de qualquer crime? Alguém é a favor de prisão de pessoas inocentes? Certamente que não! Causa repulsa em qualquer um de nós quando alguém é preso inocentemente. O cidadão de bem deve ser honrado pelas autoridades e não passar pelo constrangimento de ser preso sem razão como se isso fosse algo banal.

    Quantas vezes em uma simples abordagem em uma blitz de trânsito, por exemplo, um cidadão de bem não é tratado como se fosse bandido? Numa blitz de trânsito. É razoável isso? É respeitoso isso? É o papel de quem exerce autoridade? É o papel de quem tem poder abusar do poder que tem?

    Outros dispositivos vetados tratam de hipóteses ainda mais absurdas, como manter alguém preso quando for manifestamente incabível sua prisão.

    Vejam, senhores, será que as pessoas tiveram o cuidado de ler, pesquisar, avaliar para julgar? Ou seja, negar a liberdade a alguém injustamente preso... O que diz a Constituição Federal? A prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária. Também derrubamos o veto que legitimava a produção de prova contra si mesmo ou contra terceiro. Somente nos tempos dos horrores da Idade Média, Senador Kajuru, se admitiu que alguém fosse forçado a produzir prova contra si mesmo. Só nesse tempo.

    Também rejeitamos o veto que negava ao preso o direito de ter assistência de sua família e de seu advogado, igualmente garantido expressamente na Constituição Federal. Não há justiça se não forem respeitadas as prerrogativas, seja do Ministério Público, seja da Defensoria Pública, seja de seus defensores privados, meu caro ex-Senador Ernandes Amorim, que nos dá a honra de sua visita neste Plenário.

(Soa a campainha.)

    O SR. MARCOS ROGÉRIO (Bloco Parlamentar Vanguarda/DEM - RO) – O Janot, que até ontem era procurador-geral da República, hoje está dependendo justamente da defesa de advogados. Para quê? Exigindo que o Estado assegure a ele todos os direitos para a mais ampla defesa de suas garantias. Quem diria! Até o Janot está dependendo de advogado. Não se pode admitir desequilíbrio entre esses agentes que são, todos eles, essenciais para a justiça, como prevê a Constituição Federal.

    Refutamos também vetos que davam como normais outras violações à defesa do cidadão, como é o caso de ter acesso a etapas vencidas de autos de investigação preliminar ou de qualquer outro procedimento investigatório. Alguém é a favor de investigação secreta, de atos secretos? Porque parece que é, porque parece que tem alguém que defende atos secretos, procedimentos secretos, quando a Constituição diz o contrário.

    É impensável que um cidadão sob investigação não possa ter acesso ao conteúdo das peças que estejam lhe imputando qualquer tipo de ilícito. É o que o Dr. Janot está solicitando, está requerendo, está peticionando, está apelando junto ao Supremo Tribunal Federal, e com todo o direito de fazê-lo. Isso já é matéria de súmula vinculante inclusive no Supremo Tribunal Federal, à luz da Súmula nº 14.

    No mesmo sentido, rejeitamos vetos relativos à abertura de processo penal, civil ou administrativo sem justa causa fundamentada ou contra quem que saiba ser inocente. Imagine, meu carro Senador Lasier: alguém sabe que é inocente, mas por algum objetivo, mas por alguma intenção, ele inicia ainda assim. Sabe que é inocente, mas quer iniciar o processo. Alguém é a favor disso? Alguém defende isso? Ou seja, queremos evitar que qualquer cidadão, um servidor público, por exemplo, seja injustamente perseguido por meio de um processo sem justa causa.

    De igual forma, rejeitamos o veto ao dispositivo que impede que investigações sejam utilizadas com fins pessoais ou políticos, mediante divulgação antecipada, atribuindo culpa sem qualquer embasamento. Alguém é a favor disso? Ao passo que defendemos o Ministério Público e as demais instituições, não poderíamos, segundo penso, manter um veto que tornava lícita a violação às prerrogativas dos advogados. Assim rejeitamos também o veto que tornava de menor importância as prerrogativas da advocacia.

    Para que haja um Estado democrático de direito, repito, todas as instituições precisam ter suas prerrogativas respeitadas, nas quais se incluem a defensoria pública e as advocacias pública e privada. O que fizemos, portanto, está totalmente em consonância com as garantias constitucionais. É a própria Constituição que diz, no inciso XLI do art. 5º, que "a lei punirá qualquer discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais". É a Constituição Federal que diz.

    De nada valeria a Constituição proclamar uma série de direitos e garantias se fosse lícita a sua violação.

(Soa a campainha.)

    O SR. MARCOS ROGÉRIO (Bloco Parlamentar Vanguarda/DEM - RO) – Alguém ousa defender a liberdade para ofender a Constituição. O nosso papel, enquanto legisladores, nem sempre será compreendido por aqueles que não buscam conhecer a fundo as matérias que aqui são deliberadas.

    Eu não procuro aplauso em razão das posições que assumo. Eu procuro dormir com a consciência tranquila de fazer a escolha certa, ainda que muitos julguem equivocadas naquele momento. Mas sei o que estou defendendo.

    Concluo, Sr. Presidente, agradecendo a tolerância de V. Exa., dizendo que não vejo como se possa defender qualquer tipo de arbítrio ao argumento de estar defendendo essa ou aquela operação, inclusive a Lava Jato.

(Soa a campainha.)

    O SR. MARCOS ROGÉRIO (Bloco Parlamentar Vanguarda/DEM - RO) – Há aqui nesta Casa diversos Senadores que defendem de forma veemente a Operação Lava Jato, dentre os quais me incluo e já fiz desta tribuna, publicamente, essa defesa.

    Ocupei essa tribuna de forma clara, contundente, por diversas vezes, para condenar todo tipo de retrocesso nos processos de investigação; e, mais do que isso, condenei os expedientes rasteiros que foram lançados por ocasião da divulgação de mensagens criminosamente interceptadas, envolvendo agentes públicos que atuaram e atuam na Operação Lava Jato.

    A Operação Lava Jato, como já disseram tantos, é um patrimônio do povo brasileiro, com resultados que talvez somente a história, no tempo, saberá mensurar. Mas estou certo de que a Operação Lava Jato não precisa de nenhum expediente ilegal...

(Soa a campainha.)

    O SR. MARCOS ROGÉRIO (Bloco Parlamentar Vanguarda/DEM - RO) – ... ou arbitrário para continuar forte e produzindo bons resultados. Aliás, poucas operações neste País foram tão bem conduzidas, com produção de fartas e robustas provas, o que não está, nem de longe, a depender de expedientes que violem garantias constitucionais.

    Ainda na Câmara, votei contra a PEC nº 37, justamente porque entendo que o Ministério Público tem um papel fundamental no processo de combate à corrupção neste País. Essa e todas as instituições de combate à corrupção e a toda forma de crime continuarão tendo o meu vigoroso apoio, mas jamais poderemos coadunar com um pensamento sequer que cogite tornar o Estado um Leviatã, isso jamais.

    O Estado precisa existir nos moldes do...

(Interrupção do som.)

    O SR. MARCOS ROGÉRIO (Bloco Parlamentar Vanguarda/DEM - RO) – ... sendo um terror para as más obras, mas honrando os cidadãos de bem e lhes respeitando os direitos e garantias fundamentais. Como disse Montesquieu, que faça com que os cidadãos se sintam tranquilos, que não vivam assustados.

    Agradecendo a V. Exa., Sr. Presidente, era o que tinha na tarde de hoje.

    Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/10/2019 - Página 28