Discurso durante a 193ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Posicionamento a respeito do julgamento pelo STF da viabilidade da execução da pena após a condenação em segunda instância.

Autor
Marcos Rogério (DEM - Democratas/RO)
Nome completo: Marcos Rogério da Silva Brito
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODER JUDICIARIO:
  • Posicionamento a respeito do julgamento pelo STF da viabilidade da execução da pena após a condenação em segunda instância.
Publicação
Publicação no DSF de 16/10/2019 - Página 45
Assunto
Outros > PODER JUDICIARIO
Indexação
  • COMENTARIO, POSIÇÃO, RELAÇÃO, JULGAMENTO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ASSUNTO, VIABILIDADE, EXECUÇÃO, PRISÃO, SEGUNDA INSTANCIA.

    O SR. MARCOS ROGÉRIO (Bloco Parlamentar Vanguarda/DEM - RO. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, o Plenário do Supremo Tribunal Federal deve julgar, nesta quinta-feira, três ações que cuidam de definir a possibilidade ou não de execução da pena de condenados em segunda instância.

    É antiga a máxima que diz: cada cabeça, uma sentença. É por isso que o Poder Judiciário está estruturado de forma a não permitir que alguém seja julgado por somente uma cabeça. Várias cabeças precisam examinar um caso e proferir uma decisão.

    É dentro desse espectro que se dará o julgamento feito pelo Supremo na próxima quinta-feira. Nosso sistema processual permite que qualquer condenado em primeira instância, ou seja, por um juiz monocrático, por uma única cabeça, tenha o direito de recorrer a uma segunda instância, a um tribunal para que sua causa seja reexaminada e novamente julgada.

    Isso existe desde os sistemas processuais mais primitivos, não é coisa de hoje. Com o recurso do réu, os fatos são novamente examinados considerando-se todas as razões que o apelante apresentar para a Corte, agora não mais por um juiz, mas vários juízes, que decidem dentro de um colegiado se a sentença de primeiro grau foi ou não acertada, se o juiz singular aplicou corretamente ou não a lei no caso concreto.

    Isso é garantir que mais de uma cabeça profira a sentença. Não é incomum haver divergências não somente entre o juiz de primeiro grau e o juiz de segundo grau, os desembargadores, mas entre os próprios julgadores com assento no tribunal de apelação. De qualquer sorte, teremos um processo que já foi julgado por um juiz local, próximo dos fatos e que foi totalmente reexaminado por um colegiado formado por pelo menos três desembargadores, os quais, mais distantes dos fatos, poderão se aprofundar no conteúdo das provas produzidas perante o juiz de primeiro grau.

    Nesse julgamento de segundo grau, além da apelação escrita, o réu poderá oferecer memoriais, resumos de suas razões aos demais julgadores e ser defendido oralmente no dia do julgamento. Há um longo período, portanto, entre o exame da causa no primeiro grau e seu reexame no segundo. Depois disso, esse réu tem o direito de interpor recursos aos tribunais superiores, ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal.

    A grande questão é: pode ou não o condenado ser recolhido à prisão depois de a sua causa já ter sido reexaminada e a condenação confirmada no todo ou em parte pelo tribunal de segundo grau? Ou: terá ele direito de permanecer solto até que sejam esgotados todos os recursos perante os tribunais superiores?

    Poderíamos fazer outra pergunta: quantos anos levam para se esgotarem as vias recursais perante os tribunais superiores, o STJ, o STF? Existem alguns estudos sobre essa intrigante questão. A última pesquisa divulgada pelo Conselho Nacional de Justiça, o CNJ, apontou que temos mais de 80 milhões de processos em tramitação no País. É um dos motivos pelos quais temos uma tramitação lenta no julgamento das causas, especialmente dos recursos, o que faz com que não se tenha um tempo médio razoável para que um processo chegue ao fim.

    Não são poucos os casos nos quais a demora é tão grande que ocorre a prescrição da pena, ou seja, o Estado perde o direito de punir o condenado. O que fazer então? Negar aos acusados o direito de terem mais de uma sentença não é minimamente razoável. Todos os acusados têm direito ao devido processo legal, assegurados o contraditório e a ampla defesa. São garantias constitucionais. O que se discute é se no curso do oferecimento dessas garantias constitucionais o Estado pode ou não segregar, levar à prisão o criminoso.

    Embora já haja um manifesto entendimento majoritário de que a execução da pena pode sim ser feita após decisão em segunda instância, há uma grande expectativa sobre o julgamento do Supremo. O que precisamos considerar é o que diz a nossa Constituição Federal. A meu sentir, não há previsão constitucional alguma que impeça o início do cumprimento da pena após o julgamento em segundo grau. Não quero estabelecer essa discussão pessoalizando o debate.

    Em um Estado democrático de direito, a aplicação das regras deve ser para todos, sem preferências pessoais ou políticas. Não faço a análise desse assunto pensando, por exemplo, no ex-Presidente Lula, que poderá ser beneficiado. Com todo o respeito, seria pensar muito pequeno e agir com verdadeiro casuísmo uma decisão que tivesse como motivação simplesmente soltar ou deixar preso o ex-Presidente da República. O que o Supremo vai decidir terá impacto sobre a vida de milhares de brasileiros, de milhões talvez. Não só agora, neste momento, mas no futuro.

    Mas o que diz a Constituição Federal? O texto invocado pelos que são contra a prisão após a condenação em segunda instância é o inciso 57, do art. 5º da Constituição, que diz: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória."

    Nem mesmo a partir da aplicação da teoria do garantismo penal integral seria possível, a meu ver, considerar que esse dispositivo possa impedir o início do cumprimento da pena antes do trânsito em julgado da sentença. São questões que se situam em órbitas absolutamente diferentes, mesmo porque o garantismo penal integral, em sua essência, não se presta a privilegiar garantias individuais em detrimento dos interesses coletivos à proteção da sociedade. Os direitos e garantias fundamentais que precisamos defender não podem por em risco a proteção da estabilidade e da segurança da coletividade. Pensar diferente é sufragar o que se costuma chamar de garantismo hiperbólico monocular, ou seja, que só considera o indivíduo e não a sociedade.

    Mais do que isso, não vejo, nesse dispositivo constitucional, Sr. Presidente, que trata da presunção da inocência, um preceito de natureza processual. Não é! Em uma análise sistêmica, à luz de todos os princípios, é fora de dúvida que a Constituição Federal não abriga qualquer tipo de impunidade. O Legislador Constituinte não indica, em ponto algum do texto aprovado em 1988, que o espírito da norma seja garantir a máxima liberdade de quem pratica crimes. Não vejo um valor absoluto na presunção de inocência. Se assim fosse, seriam inconstitucionais todas as normas que preveem medidas provisórias de restrição de liberdade, de constrição de direitos, de bens, que são cabíveis mesmo quando sequer há processo instaurado, quando sequer há uma denúncia oferecida.

    Acredito, ademais, que possibilitar a prisão após a decisão em segunda instância poderá fazer com que o Judiciário brasileiro deixe de usar, em excesso, a aplicação da prisão preventiva que, por tanto durarem em certos casos, termina sendo uma clara execução provisória da pena.

    Seguindo o que diz o ordenamento jurídico vigente, ou seja, não descambando para o arbítrio, o Estado pode e deve agir na persecução penal, ou seja, na busca de punição dos agentes criminosos. Por isso, pode e deve valer-se de medidas cautelares, inclusive prisão, para garantir que a lei seja aplicada.

    O que não podemos, repito, é agir fora da lei – fora da lei –, fora da Constituição. Não se pode pretender considerar absolutamente inocente alguém que tenha sido corretamente julgado por um juiz de primeira instância e que tenha tido sua causa reexaminada por um tribunal de apelação...

(Soa a campainha.)

    O SR. MARCOS ROGÉRIO (Bloco Parlamentar Vanguarda/DEM - RO) – ... mesmo porque, após a segunda instância, não serão novamente analisados os fatos. A palavra final quanto à ocorrência ou não da conduta criminosa, à luz do exame das provas, é dada pela segunda instância.

    Os tribunais superiores julgam somente questões de direito, ou seja, não reexaminam o conjunto probatório. Assim, não consigo ver que a letra da Constituição Federal tenha o alcance que se queira dar de impedir a execução da pena após o julgamento em segunda instância.

    Diante desta ausência de previsão constitucional impeditiva, maior razão ainda temos para admitir a prisão em segunda instância. Isso é imperativo para que se possa impedir que nossas leis penais e as decisões judiciais se tornem letra morta, dando lugar para a impunidade e para um desalento ainda maior da sociedade brasileira. Ademais, o Brasil não seria pioneiro nesse entendimento – muito pelo contrário, o direito penal americano e de diversos países da Europa já preveem a prisão após a condenação em segunda instância.

    Para a hipótese de o Supremo alterar o seu entendimento, caberá a este Parlamento legislar claramente sobre o tema e tirar qualquer dúvida interpretativa.

    Há, como sabemos, uma PEC que tramita na Câmara e que tem a finalidade de garantir a prisão provisória da pena, alterando o inciso LVII, do art. 5º da Constituição Federal. O problema é que esse inciso está no rol das chamadas cláusulas pétreas, imodificável, portanto, à luz da própria Constituição. Há, também, o caminho da legislação ordinária, alterando o Código de Processo Penal, como prevê o Projeto nº 1.864, de 2019, assinado por diversos membros desta Casa.

    O único ponto, Sr. Presidente, é que, ao alterar o art. 283 do Código de Processo Penal, faz referência à condenação criminal por órgão colegiado, o que não significa necessariamente segunda instância, porque temos o Tribunal do Júri, que é também um órgão colegiado. A matéria está na CCJ e certamente será bem analisada como uma excelente alternativa a uma eventual mudança de entendimento do Supremo.

    Não podemos deixar de considerar, é claro, que a questão poderá novamente ser judicializada sob o argumento de inconstitucionalidade do dispositivo ordinário.

    É por isso que esperamos que o Supremo Tribunal Federal não mude seu entendimento, porque é muito evidente que possibilitar a prisão após o julgamento pela segunda instância faz parte do conjunto de medidas que permitem ao Brasil continuar avançando no combate à corrupção, ao crime organizado, aos crimes violentos e a todo o tipo de criminalidade.

    É nessa hora que vemos a importância de nosso sistema investigativo e judicial se aperfeiçoar para garantir ao cidadão um julgamento justo. Isso é necessário exatamente para que as pessoas de bem não tenham receio diante da ação do Estado.

    Como disse aqui dessa tribuna na última semana e hoje repito, parafraseando o Apóstolo Paulo, as autoridades não devem ser um terror para as boas obras, mas para as más obras.

    E digo, Sr. Presidente, que em um curto espaço de tempo o nosso Supremo Tribunal Federal, por diversas vezes, mudou o seu entendimento acerca da execução provisória da pena.

    Está na hora de a Corte escolher um caminho de estabilidade jurídica, de segurança jurídica e de razoabilidade, num momento em que se discute justamente esse grau de insegurança.

(Soa a campainha.)

    O SR. MARCOS ROGÉRIO (Bloco Parlamentar Vanguarda/DEM - RO) – Portanto, concluo as minhas palavras aqui agradecendo a V. Exa. pela tolerância do tempo, com a expectativa de que a nossa Suprema Corte não mude mais uma vez o seu entendimento, porque já é a terceira ou quarta vez que muda para dizer que a Constituição Federal é ora compatível com a execução provisória e, em momento seguinte, incompatível. Eu não vejo nenhum impedimento para a execução provisória da pena, considerando a Constituição que temos.

    Era o que tinha nesta tarde e muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/10/2019 - Página 45