Discurso durante a 192ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Indignação com a Operação Arremate, da Polícia Federal, que busca demonstrar o suposto envolvimento de S. Exa. em crimes de lavagem de dinheiro na compra de imóveis

Autor
Fernando Collor (PROS - Partido Republicano da Ordem Social/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Indignação com a Operação Arremate, da Polícia Federal, que busca demonstrar o suposto envolvimento de S. Exa. em crimes de lavagem de dinheiro na compra de imóveis
Publicação
Publicação no DSF de 15/10/2019 - Página 7
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA
Indexação
  • REPUDIO, OPERAÇÃO, POLICIA FEDERAL, CUMPRIMENTO, MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO, RESIDENCIA, ORADOR, INDICIO, LIGAÇÃO, CRIME, LAVAGEM DE DINHEIRO.

    O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - AL. Para discursar.) – Muito obrigado a V. Exa., Presidente, Senador Paulo Paim. Obrigado pela gentileza e obrigado também por me permitir falar daqui, da bancada, porque os sujeitos ocultos aos quais eu irei me referir não merecem ser evocados daquela cátedra.

    Não poderia, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, não poderia, em atenção ao respeito que dedico a esta Casa, deixar de manifestar-me sobre os acontecimentos recentes envolvendo meu nome.

    De ciência pública a invasão à minha residência, ocorrida na sexta-feira passada, em Maceió. Igualmente pública a versão da acusação, porquanto divulgada às inteiras pelos meios antes de qualquer defesa apresentada. Mas foi a oportunidade pela qual, aliás, tomei conhecimento do seu inteiro teor, até então sonegado pelos órgãos oficiais. É o vazamento, Sr. Presidente; é o vazamento seletivo, objetivo, cruel. E, do que li, os sentimentos afloraram rapidamente da perplexidade à mais profunda indignação.

    Tenta-se, criminosamente, ligar coisa alguma a lugar nenhum, tentando me utilizar, de forma espúria, como ponte imaginária. Repilo, portanto, com veemência essa sórdida acusação. Não tenho absolutamente nada a ver com essas aquisições. Desafio – desafio! – a demonstrarem um único liame crível a esse respeito. Sequer há um indício que se possa levar a sério nesse aspecto. Desafio a que mostrem as provas. Abram o jogo e discutam à luz do dia! Deixem o ambiente de sigilo e da fofoca! Exibam fatos! Procurador não é juiz, ilação não é prova, suspeição não é sentença.

    Sr. Presidente, se é certo que não existe direito absoluto, igualmente correto afirmar que, para afastar a garantia de inviolabilidade do lar em prol de um interesse maior, que é o interesse social, é necessário um indício veemente da prática de delitos, e não mera suposição. E exatamente por essa razão, mil buscas houvesse na minha residência, mil vezes sairiam de lá de mão vazias, como, de fato, saíram, porque não tenho a mais mínima vinculação com os fatos ali noticiados, repito.

    E essa insana e inverossímil acusação, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, teve o condão de avocar-me à memória o Sermão da Quinta Dominga da Quaresma, do Pe. Antônio Vieira, de cujos trechos colho algumas passagens por pertinentes ao caso, in verbis:

[...] mentir com as palavras, mentir com as obras, mentir com os pensamentos, que de todos e por todos os modos aqui se mente. Novelas e novelos, são as duas moedas correntes desta terra, mas têm uma diferença, que as novelas armam-se sobre nada, e os novelos armam-se sobre muito, para tudo ser moeda falsa.

    E ainda, de forma apropriada ao caso, vaticinou o Padre Antônio Vieira mais adiante em seu sermão: "E terra onde até o sol mente, vede que verdade falarão aqueles sobre cujas cabeças e corações ele influi".

    A propósito, conveniente recordar que o País, atônito, recentemente tomou conhecimento, por confissão espontânea, que o maior órgão de acusação da República tinha em sua primeira cadeira um alcoólatra desqualificado, um sociopata. As linhas trôpegas da imputação que hora farpeio não têm melhor origem, Sr. Presidente.

    Por igual, outras tantas aberrações ao processo penal foram reveladas ao mundo pelo The Intercept Brasil, onde o discurso de jacobinos e maniqueístas que se utilizavam da prerrogativa de procuradores da República demonstrou a inversão de conceitos e subversão de institutos no acusar, arbitrariamente, enxergando o que na Constituição e nas leis não se escreveu, embora ao ver daquele Ministério Público lá devesse estar.

    E exatamente por isso, oportuno citar também aqui trechos de A Implosão da Mentira e Outros Poemas, de Affonso Romano de Sant'Anna. É conferir:

Mentiram-me. Mentiram-me ontem

e hoje mentem novamente. Mentem

de corpo e alma, completamente.

E mentem de maneira tão pungente

que acho que mentem sinceramente.

Mentem, sobretudo, impune/mente.

Não mentem tristes. Alegremente

mentem. Mentem tão nacional/mente [...]

    Nada mais apropriado ao momento ora vivenciado. E acrescento eu que sobretudo pela impunidade – pela impunidade! – assim mentem.

    Sr. Presidente Paulo Paim, Sras. e Srs. Senadores, é preciso dar um basta nessa irresponsabilidade acusatória. O processo penal não pode converter-se em instrumento de arbítrio estatal, tampouco de palanque a serviço de conveniência autopromocional de inquisidores ocasionais e justiceiros de plantão.

    O Senado da República sempre foi, com o testemunho dos seus salões centenários, o artífice das liberdades, das garantias individuais do cidadão e do Estado democrático de direito e agora, Sr. Presidente Paulo Paim, Sras. e Srs. Senadores, não pode se furtar a pôr freios definitivos nesse desregramento. Se o basta não for concretizado pela legislação ordinária, que o façamos através da Carta da República, a fim de que o Estado policialesco, o arbítrio, a irresponsabilidade e a insegurança jurídica não façam do processo penal sua perene morada. É hora de fazer voltar a valer a força do direito, ao invés do direito da força; é hora de voltar a prevalecer a autoridade do argumento, ao invés do argumento da autoridade.

    Por fim, mas não menos importante, sempre oportuno ter em mente a lição de Norberto Bobbio, no sentido de que, no direito interno, a supremacia da lei substitui a supremacia da força, e vence quem tem razão, sendo correta a conclusão, assim, de que a proteção dos cidadãos no âmbito dos processos estatais é justamente, Sr. Presidente Paulo Paim, o que diferencia um regime democrático daquele de índole totalitária.

    Era o que tinha a dizer.

    Muito obrigado a V. Exa. mais uma vez, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/10/2019 - Página 7