Pronunciamento de Paulo Paim em 17/10/2019
Discurso durante a 195ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Críticas à proposta de reforma da previdência, com destaque para os debates sobre o tema que estão sendo realizados na CCJ.
Reflexão sobre o Dia Internacional para Erradicação da Pobreza à luz da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável estabelecido pela Assembleia Geral das Nações Unidas.
- Autor
- Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
- Nome completo: Paulo Renato Paim
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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PREVIDENCIA SOCIAL:
- Críticas à proposta de reforma da previdência, com destaque para os debates sobre o tema que estão sendo realizados na CCJ.
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POLITICA SOCIAL:
- Reflexão sobre o Dia Internacional para Erradicação da Pobreza à luz da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável estabelecido pela Assembleia Geral das Nações Unidas.
- Aparteantes
- Jean-Paul Prates.
- Publicação
- Publicação no DSF de 18/10/2019 - Página 45
- Assuntos
- Outros > PREVIDENCIA SOCIAL
- Outros > POLITICA SOCIAL
- Indexação
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- CRITICA, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), REFORMA, PREVIDENCIA SOCIAL, DESTAQUE, REALIZAÇÃO, DEBATE, LOCAL, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA.
- COMENTARIO, ASSUNTO, DIA INTERNACIONAL, ERRADICAÇÃO, POBREZA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, ASSEMBLEIA GERAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU).
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Para discursar.) – A preocupação com os setores mais vulneráveis, num momento em que o Governo embalou a reforma trabalhista. Foi aprovada no Governo anterior, mas vem aí a tal de liberdade econômica, que vai na mesma linha, e já apontam uma outra reforma trabalhista. E encaminhou para esta Casa, e V. Exa. foi muito feliz em comentar o tema, porque é agora, na terça-feira.
E como a gente fala, o jogo não terminou. O segundo turno, que é decisivo, é na terça. Tivemos audiência ontem, hoje, teremos segunda e teremos uma terça ainda, de manhã, porque à tarde é que vai haver a votação.
Esta, sem sombra de dúvida, Presidente Jean Paul, é a reforma mais cruel de todos os tempos. Olha que eu estou aqui desde a Constituinte. Nunca vi algo parecido. E V. Exa. tem razão. Os Senadores e Senadoras haverão de se arrepender ali na frente, porque a consequência vai ser drástica.
Hoje, um jornalista que de esquerda não é – só estou dando um exemplo – comentava comigo que vai fazer uma matéria neste fim de semana. Disse ele: "Senador, se arrocham cada vez mais o salário e os benefícios dos trabalhadores e aposentados". E aí ele mesmo complementava: "Estão acabando, inclusive, com a política de salário mínimo, que valia US$60 – nós levamos para em torno de US$300 –, e comprimem os benefícios dos aposentados".
O Fundo de Participação dos Municípios – está comprovado – não dá conta de fazer com que a economia municipal circule. Quem realmente alavanca a economia municipal são exatamente os benefícios dos aposentados e pensionistas, em 85% dos Municípios brasileiros. Essa reforma da previdência vai na contramão da história.
No dia de ontem, Presidente, foi muito interessante o debate que nós promovemos, lá na própria Comissão de Justiça, entre os especialistas, técnicos, economistas e cientistas da Unicamp e os representantes do Governo. Eles dizem que os cálculos para esse déficit, que os números foram manipulados, totalmente errados. Foram duros, inclusive – foram duros!
Eu vou dar dois exemplos que, para mim, são muito fortes. O senhor sabe que o fator previdenciário não foi usado no cálculo para dizer que há déficit? É como se todos se aposentassem com salário integral sem fator. Gravíssimo isso, porque o fator reduz praticamente 30%, 40% do benefício. Eles fizeram o cálculo – lá eles não conseguiram dizer que não – como se ninguém se aposentasse pelo fator. Eu fui o maior inimigo do fator aqui. Briguei, briguei, briguei, briguei e não consegui derrubar. Mas criamos, pelo menos, no Governo Lula e Dilma, a fórmula 85/95, que é cem vezes melhor que o fator e virou 86/96, mas o fator ainda foi mantido.
Outro dado impressionante: no cálculo deles para encontrar o tal do déficit que a CPI já tinha dito... Eu cansei de ver um metido a "especialista", entre aspas – não vou dizer quem –, dizer que os dados da CPI não estavam corretos, eram totalmente improcedentes. Foram aprovados por unanimidade. Agora, ele já reconhece. Os técnicos da Unicamp dizem que, na hora de calcular a contribuição do empregador – é um dado importante este, Presidente –, teriam que trabalhar com todo o resultado correspondente à folha de pagamento – seria 20% sobre a folha. Eles fizeram de conta que são 20% sobre o correspondente a cinco salários mínimos. É uma conta que não vai fechar nunca.
O próprio jornal O Globo, nesta semana – eu comentei na tribuna e acabei comentando na Comissão –, diz que a dívida de grandes empreendedores junto à União se aproxima já de R$3 trilhões. Aí a própria Receita Federal diz: "É possível que, na cobrança, a gente tenha um prejuízo de 45%". Eu digo: nem que tivesse de 50%. Se a dívida se aproxima de R$3 trilhões neste ano e se recuperassem só 50% – só 50%; não 55% –, já recuperariam R$1,5 trilhão – isso está na capa do jornal O Globo. Daria muito mais do que eles querem economizar em dez anos com a reforma, que vai ser em torno de 800 bilhões – hoje o cálculo é de R$800 bilhões. Ora, se os grandes devedores... Porque quando eu terminei o trabalho da CPI, não chegava a R$2 trilhões ainda, mas agora se aproxima de R$3 trilhões. Isso é gravíssimo, é gravíssimo. Se já se fala tanto em novos tempos, em nova tecnologia cibernética – como eu digo –, em instrumentos que a tecnologia permite de arrecadação, de fiscalização, como que não botam para pagar esses que devem trilhões? E fica tudo por isso mesmo. É inaceitável. É inaceitável, e, por isso, na mesma linha de V. Exa., é que eu vou falar aqui hoje.
Dia 17 de outubro celebra-se o Dia Internacional de Erradicação da Pobreza. A data foi instituída em 1987, quando mais de 100 mil pessoas reuniram-se em Paris, no mesmo local em que, em 1948, foi assinada a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Aqui o Líder Humberto Costa presente.
Sr. Presidente, num momento como este, em que a miséria se espalha cada vez mais em nosso País, nós vemos o Governo com essa reforma cruel. Hoje, pela manhã ainda, tivemos uma audiência com cerca de 20 entidades e fiz duas Mesas. Aí falaram – e abriram mão alguns – 12 entidades. Foi unânime que a população está tomando conhecimento, está ficando apavorada com essa reforma.
Mas vamos lá ainda sobre a miséria.
Foi lá em Paris, um local pleno de significados para a humanidade em sua busca por um mundo mais solidário e fraterno, que surgiu o Dia Internacional da Luta contra a Miséria. Em 2015, mobilizando os seus 193 Estados-membros e a sociedade civil global, a Assembleia Geral das Nações Unidas publicou a Resolução 70/1, que contém os objetivos globais para o desenvolvimento sustentável. Tais metas formam a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. São 17 itens e, entre eles, se destaca o combate à pobreza. Por isso, essa encabeça a lista que assim formularam.
Primeiro item, acabar com a pobreza em todas as suas formas e em todos os lugares. Erradicar a pobreza é o maior e mais importante desafio global, ninguém tem dúvida. Não é razoável, nem moralmente aceitável que, com todos os avanços no mundo de hoje, existam tantas pessoas padecendo com fome e miséria.
A fome no mundo inteiro atinge 1 bilhão de pessoas. Uma a cada nove pessoas no mundo passa fome – dá para dizer que morre por falta de alimentos. Mais da metade da população mundial vive com US$8 por dia, ou seja, em torno de 3,85 bilhões de pessoas, em torno de 4 bilhões de pessoas.
No Brasil, os números apontam que 5 milhões de pessoas passam um dia ou mais sem consumir alimentos no ano. Há 13,2 milhões de brasileiros em extrema pobreza. Metade da nossa população – dado que V. Exa. também, no seu pronunciamento, já percebi – vive com R$413 por mês, ou seja, 104 milhões de brasileiros vivem com R$413 por mês, menos que a metade de um salário mínimo.
A desigualdade no País é recorde: 1%, ou 2,1 milhões da população rica, vive com 33 vezes mais que a metade dos brasileiros. Veja, 2,1 milhões vivem com um rendimento 33 vezes maior que a metade de todos os brasileiros.
A informalidade e o desemprego no Brasil deixam 53 milhões sem proteção social. A reforma da previdência vai colocar mais 6 milhões de pessoas nessa linha de pobreza. E depois eles dizem que a reforma da previdência vai atacar os ricos, privilegiados. Vai-se jogar mais 6 milhões de pessoas... Se já temos 3 milhões, vamos ter mais 6 milhões na linha de pobreza absoluta – algo está muito errado, como dizem os técnicos da Unicamp, que voltarão nesta semana aqui.
A pobreza, sobretudo em condição extrema, é o principal obstáculo de um desenvolvimento sustentável e humanitário. Além disso, trata-se de um compromisso ético incontornável: nenhum desenvolvimento é admissível quando não é abrangente e inclusivo quando desconsidera os seres humanos – e os animais também, por que não?; o meio ambiente, todo o ecossistema.
Não há progresso quando não são oferecidas as condições para que os mais pobres possam romper as barreiras que os separam de uma vida digna, com segurança alimentar, saúde preservada e condições para a plena fruição da vida. Dessa forma, ao estabelecer o Objetivo nº 1 da Agenda 2030, a Assembleia Geral da ONU dirigiu ao mundo uma importante mensagem.
A proposição da luta contra a pobreza em todas as suas formas não é apenas a definição de uma prioridade. Mais do que isso, é o reconhecimento de que a pobreza é um fenômeno complexo que precisa ser objeto de um olhar multidimensional. Isso configura uma mudança de perspectiva muito – muito – importante. Se, tradicionalmente, a noção de pobreza esteve basicamente atrelada ao rendimento financeiro dos indivíduos, instituindo linhas a partir das quais a pessoa passa a ser entendida como pobre ou miserável, essa concepção tem que ser mudada urgente e radicalmente. As pessoas têm que viver com o mínimo, eu diria, de qualidade de vida. Como a metade dos brasileiros passa fome, não existe esse mínimo de qualidade de vida.
Em consonância com uma abordagem mais atual no campo dos direitos humanos que não reduz a pobreza à insuficiência de renda, a definição utilizada pela ONU no primeiro objetivo global para o desenvolvimento sustentável leva em consideração o que podemos chamar de uma multidimensionalidade no conceito da pobreza.
Além disso, essa interpretação reconhece que as situações de privação não atingem todos de maneira uniforme. Entre os que se encontram em situação de pobreza e de miséria, há os que sofrem mais ainda e necessitam de uma atenção especial. Entre aqueles que vivem na miséria, há alguns que vivem em estado de miséria absoluta. Infelizmente, temos que classificar, entre os miseráveis, os mais miseráveis e doentes, com um sistema em que cada vez investem menos no SUS e alegam que a culpada é a Emenda 95. Quem aplicou essa Emenda 95, de não poder investir em saúde, educação e segurança, em praticamente nada, foram eles. E nós avisamos que não ia dar certo. Está aí o resultado: aumentam o desemprego e a miséria da nossa gente.
Mas, enfim, por trás das médias estatísticas, há inúmeros grupos sociais particularmente vulneráveis, cuja situação de privação não é captada nem pelas metodologias atuais. Por isso, é necessário desenvolver e aperfeiçoar políticas sociais universais, abrangentes, que alcancem adequadamente esses segmentos tão desprotegidos.
Sr. Presidente Jean Paul, a história das nações que lutaram e que lutam contra a pobreza tem demonstrado que a solução não se reduz ao aperfeiçoamento dos interesses do mercado. Pelo contrário, o mercado só visa lucro, não está preocupado em combater a pobreza. Tais medidas, mostra a experiência, frequentemente agravam a realidade que querem combater.
Em um período recente, o Brasil foi exemplo de políticas públicas que, planejadas com espírito fraterno e aplicadas por um corpo técnico qualificado e de forma competente, foram capazes de transformar essa realidade. É só voltar um pouquinho, antes do Governo Temer e do atual, que nós vamos ver que um outro mundo é possível, sim. Naquela época, tínhamos 5% de desempregados.
Relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em 2014, apontou o Brasil como um dos países mais exitosos do mundo – foi a FAO, em 2014 – no combate à desnutrição e à pobreza.
Os programas Fome Zero, Bolsa Família e Brasil sem Miséria e o crescimento do salário-mínimo, repito, de US$60 para US$ 300, mostraram do que somos capazes quando os esforços do Poder Público se aliam a um forte engajamento da sociedade civil. Integradas a outras medidas, essas iniciativas reduziram a pobreza extrema, naquela época, em 75%, e a pobreza – não a extrema – reduziu 65%.
Promovemos, em tempo recentes, o maior impacto na vida dos mais pobres. Isso se deu, principalmente, pela formação de uma grande rede de proteção social, integrando os mecanismos de transferência de renda e estabelecendo como prioridade absoluta a segurança alimentar. E criamos – tivemos que terminar no Supremo –, inclusive, a política de cotas, que ainda hoje é uma realidade, embora combatida, permitindo que filho de pobre pudesse sonhar e ser doutor. Tivemos que ganhar no Supremo para, depois, aprovar no Congresso. A política de cotas se tornou uma realidade.
Assim, diversos programas, anteriormente dispersos e com sérios problemas de gestão e focalização, foram integrados com o objetivo de combater a exclusão social e promover emancipação das famílias mais pobres.
A história de sucesso de programas como o Bolsa Família, política pública tomada como exemplo e premiada internacionalmente, é de todos conhecida.
Entretanto, em tempos de desmonte de estruturas da seguridade social, que foi o grande pacto que fizemos na Assembleia Nacional Constituinte – e eu estava lá –, pacto social de fé nos mecanismos, de fé cega nos mecanismos que poderemos aplicar no andar dos anos quando houver boa vontade...
Mas, enfim, em dezembro de 2017, o Bolsa Família chegou a atender 21% da população brasileira, correspondendo a 42 milhões de pessoas. E, diferentemente do que alguns pensam, o programa conduziu muitos brasileiros em seguida para a qualificação profissional e para o emprego formal devido ao investimento que fizemos no ensino técnico. De 100 escolas técnicas, chegamos a, aproximadamente, 600.
As pesquisas comprovam: as crianças das famílias atendidas são mais frequentes às aulas e cerca de 1,5 milhão de beneficiários matricularam-se em cursos...
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – ... de qualificação profissional do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego, conhecido como Pronatec.
Esperamos que essa experiência seja, sempre, lembrada como o cumprimento de um compromisso ético, responsável e humanitário com a nossa sociedade.
Que neste dia, hoje, o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, sejamos capazes de refletir, olhar para o passado, olhar o presente e projetar um futuro melhor para toda a nossa gente, enfim, avançar a passos largos junto aos desafios sociais, econômicos e ambientais que temos de enfrentar para melhorar a vida de todos.
Última parte, Sr. Presidente.
E que o Brasil continue sendo exemplo no esforço para a construção de um mundo melhor...
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Obrigado, Presidente.
E que o Brasil continue sendo exemplo no esforço para a construção de um mundo melhor, mais justo, no qual ninguém viva abaixo das condições mínimas para a preservação de sua vida e de sua dignidade.
Como disse sempre o Fórum Social Mundial, um novo mundo é possível.
Presidente, eu agradeço a V. Exa. Não vou precisar dos outros cinco minutos, porque fiz meu pronunciamento na íntegra. Mas, assim mesmo, ainda deixo junto aqui uma síntese, porque, se eu não pudesse ler tudo, eu iria fazer essa síntese. Como eu li tudo, a síntese fica de brinde aqui para a consultoria da Casa.
Obrigado, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN. Para apartear.) – Obrigado, Senador Paulo Paim. Quero cumprimentá-lo, como sempre faço, pelo périplo heroico, como eu chamo aqui, que V. Exa. empreende pelo esclarecimento detalhado dessa reforma da previdência, pela contestação cabal, fundamentada, dessa reforma. Os Anais do Senado registrarão em vídeo, voz, texto e aplausos o trabalho que V. Exa. está fazendo para esclarecer as gerações futuras e, quem sabe, o grupo que respaldará uma contrarreforma, que eu acredito que deverá acontecer em menos de cinco anos.
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Obrigado, Presidente.