Pronunciamento de Rogério Carvalho em 22/10/2019
Questão de Ordem durante a 202ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Apresentação de Questão de Ordem - com fundamento nos arts. 403, 256, § 1º, 312, II, 314, IV e 354, caput, todos do Regimento do Senado; e no art. 60, § 2º, da Constituição Federal - acerca da votação em primeiro turno da PEC nº 6/2019 com ressalva dos destaques apresentados.
- Autor
- Rogério Carvalho (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
- Nome completo: Rogério Carvalho Santos
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Questão de Ordem
- Resumo por assunto
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SENADO:
- Apresentação de Questão de Ordem - com fundamento nos arts. 403, 256, § 1º, 312, II, 314, IV e 354, caput, todos do Regimento do Senado; e no art. 60, § 2º, da Constituição Federal - acerca da votação em primeiro turno da PEC nº 6/2019 com ressalva dos destaques apresentados.
- Publicação
- Publicação no DSF de 23/10/2019 - Página 58
- Assunto
- Outros > SENADO
- Indexação
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- APRESENTAÇÃO, QUESTÃO DE ORDEM, ASSUNTO, VOTAÇÃO, PRIMEIRO TURNO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), REFORMA, PREVIDENCIA SOCIAL, DESTAQUE, VOTAÇÃO EM SEPARADO, BANCADA.
O SR. ROGÉRIO CARVALHO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - SE. Para questão de ordem.) – Na forma do disposto nos arts. 403 e seguintes do Regimento Interno do Senado Federal e com base no que estabelecem os arts. 256, §1º; 312, inciso II; 314, inciso IV; e 354, caput, e o art. 60, §2º, da Constituição Federal, encaminhamos a V. Exa. a presente questão de ordem, para questionar os procedimentos adotados na votação em primeiro turno da Proposta de Emenda à Constituição nº 6, de 2019.
Naquela ocasião, foram admitidos diversos requerimentos de bancadas partidárias para destaques de votação em separado, na forma do parágrafo único do art. 312 do Regimento Interno do Senado Federal. Na sequência, V. Exa. submeteu à votação o texto principal, ressalvados os destaques. Na sequência, V. Exa. submeteu à votação o texto principal, ressalvados os destaques. Aprovado o texto principal, teve início o procedimento de votação dos destaques.
Ao longo do processo de votação, o Podemos desistiu do destaque de bancada objeto do Requerimento nº 836, de 2019, que solicitava destaque para votação em separado da expressão "vedada a instituição de novos regimes próprios de previdência social", constante da redação dada ao §22 do art. 40 da Constituição Federal pelo art. 1º da PEC, e do destaque de bancada objeto do Requerimento 841, de 2019, que solicitava destaque para votação em separado do inciso IV do art. 20 da PEC.
O PROS também desistiu do destaque de bancada objeto do Requerimento nº 840, de 2019, que solicitava destaque para votação em separado do inciso I do §1º do art. 19 da PEC, mas a Rede substituiu seu destaque inicial, objeto do Requerimento 843, de 2019, que solicitava destaque para votação em separado do art. 26 da PEC pelo destaque do PROS.
Ao final do processo, a matéria destacada por esses requerimentos – o §22 do art. 40 Constituição Federal, alterado pelo art. 1º da PEC e o inciso 4º do art. 20 e o art. 26 da proposição – não foi a voto.
A partir daí, os trechos acima citados da PEC nº 6, de 2019, objeto de destaques para votação em separado que não foram votados, foram incluídos na redação para o segundo turno da matéria, constante do Parecer nº 231, de 2019, apresentado em Plenário pela Comissão Diretora.
Parece-nos, entretanto, que essa decisão desconsiderou o tratamento constitucional do tema e mesmo a interpretação harmônica do próprio Regimento Interno do Senado Federal.
Efetivamente, quando V. Exa. anunciou a votação da PEC nº 6, de 2019, ressalvados os destaques, colocou a matéria em votação, ressalvadas as partes sobre as quais havia requerimentos de destaque.
Ora, quando se vota uma matéria, ressalvados os destaques, isso significa que não foram votadas naquele momento as suas partes, os seus dispositivos ou expressões que foram destacados para votação em separado. Essas partes, como não foram votadas naquele momento, sê-lo-ão oportunamente e, só aí, podem constituir norma legal.
Assim, todos as partes de PEC nº 6, de 2019, sobre as quais havia requerimento para votação em separado não foram votadas quando da votação da proposição principal. Apenas as suas partes não destacadas o foram. Ou seja, esses trechos (dispositivos, expressões) não foram ainda aprovados pelo Senado Federal em primeiro turno e somente o serão se obtiverem três quintos dos votos de seus membros em votação nominal. Se não o forem, não podem ser submetidos a segundo turno de votação e não podem se constituir em emenda constitucional.
Observe-se que não se trata de matéria regimental e, em decorrência, interna corporis do Senado Federal, mas matéria constitucional, uma vez que, se promulgada a PEC n° 6, de 2019, com esses dispositivos e expressões sem a sua apreciação, isso significará que a Constituição terá sido emendada sem que as suas novas partes tenham recebido três quintos dos votos dos Senadores em dois turnos de votação, como exige o §2º do art. 60 da Carta Magna.
O Supremo Tribunal Federal já, em diversas ocasiões, entendeu que é obrigatória, sob o risco de trazer à norma legal a nódoa do vício de inconstitucionalidade, a observância do chamado devido processo legislativo, isto é, do rito previsto na Lei Maior para a transformação de proposições em leis (cf, v.g., a Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 574, Relator: Ministro Ilmar Galvão; e Habeas Corpus n° 77.724, Relator: Ministro Marco Aurélio).
Veja-se, sobre o tema também a decisão no Agravo Regimental na Suspensão de Segurança n° 327, relatado pelo Ministro Sydney Sanches:
[...] A tramitação de Emenda Constitucional, no âmbito do Poder Legislativo, é matéria interna corporis, insuscetível de controle judicial, salvo em caso de ofensa à Constituição ou à lei. Exceto nessas hipóteses, a interferência não é tolerada pelo princípio da independência e da harmonia entre os Poderes.
Vale também conferir a já citada Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2.135. Apesar de, como V. Exa. bem disse em sua decisão, tratar de tema que não é idêntico ao aqui em debate, o argumento que levou o Excelso Pretório a impugnar parte da Emenda Constitucional n° 19, de 4 de junho de 1998, foi a existência de vícios procedimentais que teriam sido adotados pela Câmara dos Deputados na votação da PEC que originou a alteração constitucional, derivados exatamente do fato de que se tentou alterar a Carta Magna sem que a modificação fosse aprovada por três quintos dos Deputados em duas votações. É a seguinte a ementa do acórdão, da lavra da Ministra Ellen Gracie, na parte que interessa:
[...]
1. A matéria votada em destaque na Câmara dos Deputados no DVS n° 9 não foi aprovada em primeiro turno, pois obteve apenas 298 votos e não os 308 necessários. Manteve-se, assim, o então vigente caput do art. 39, que tratava do regime jurídico único, incompatível com a figura do emprego público.
2. O deslocamento do texto do §2º do art. 39, nos termos do substitutivo aprovado, para o caput desse mesmo dispositivo representou, assim, uma tentativa de superar a não aprovação do DVS n° 9 e evitar a permanência do regime jurídico único previsto na redação original suprimida, circunstância que permitiu a implementação do contrato de emprego público ainda que à revelia da regra constitucional que exige o quórum de três quintos para aprovação de qualquer mudança constitucional.
3. Pedido de medida cautelar deferido, dessa forma, quanto ao caput do art. 39 da Constituição Federal, ressalvando-se, em decorrência dos efeitos ex nunc da decisão, a subsistência, até o julgamento definitivo da ação, da validade dos atos anteriormente praticados com base em legislações eventualmente editadas durante a vigência do dispositivo ora suspenso.
Cabe observar que o inciso V do art. 314 do Regimento refere-se à apreciação do requerimento de destaque. Ou seja, se ele for retirado, a matéria voltará – na apreciação da matéria, que se seguirá – ao grupo a que pertencer, como ocorreria se o requerimento viesse a ser rejeitado. Essa disposição não pode, de maneira alguma, ser aplicada à matéria destacada, porque isso implicaria – como implicou, no caso – a simples falta de apreciação da matéria. Ora, se o requerimento foi recebido e considerado e a PEC apreciada com expressa ressalva aos destaques, a matéria destacada não foi apreciada. Entender que a matéria destacada volte ao grupo a que pertencia após a apreciação da matéria principal é presumir sua votação, o que constitui evidente fraude ao devido processo legislativo.
Entender assim permitiria, por exemplo, que um partido destacasse a parte polêmica de uma proposição e, depois da aprovação do texto principal, desistisse do destaque, fazendo com que a proposição fosse integralmente aprovada, sem que a parte destacada – verdadeiro ponto de divergência – fosse levada a voto.
Por essa razão é que o §1º do art. 256 do Regimento Interno do Senado Federal determina que o requerimento de retirada de proposição que constar da Ordem do Dia só poderá ser recebido antes de iniciada a votação e, quando se tratar de emenda, antes de iniciada a votação da proposição principal. Ou seja, depois de iniciada a votação da matéria principal, com ressalva para os destaques, não pode haver retirada deles, exatamente para se evitar que a matéria por eles destacada deixe de ser apreciada.
O problema é ainda mais grave quando se trata de destaques de bancada para votação em separado, pois eles independem da aprovação do Plenário, nos termos do parágrafo único do art. 312 do Regimento Interno do Senado Federal, ou seja, a matéria neles referida foi "automaticamente" destacada e, portanto, não constou da votação da matéria principal. Então, depois da votação da PEC, não poderiam esses requerimentos ser simplesmente retirados, uma vez que já provocaram a separação da matéria neles referida para votação específica.
Nesse sentido, temos que dar ao art. 314, inciso V, do Regimento Interno do Senado Federal interpretação conforme a Constituição, para entender que seu comando somente se aplica aos casos em que a retirada de requerimento de destaque para votação em separado ocorra antes do início do processo de votação.
Do exposto, tendo em vista o procedimento para deliberação da PEC nº 6, de 2019, em primeiro turno, adotado pelo Senado Federal nas sessões de 1º e 2 de outubro de 2019, não foram objeto de deliberação desta Casa todas as partes destacadas da proposição sobre as quais havia requerimentos para votação em separado, retirados após a votação da PEC. Destarte, se essas partes não forem submetidas à deliberação e, nessa ocasião, não obtiverem o voto de três quintos dos membros da Casa, não poderão elas serem introduzidas na Constituição por ferirem o devido processo legislativo constitucional.
Se a PEC nº 6, de 2019, for promulgada com essas partes sem que elas tenham sido devidamente apreciadas, pode o Supremo Tribunal Federal, conforme sua jurisprudência, conhecer das contestações a esse fato.
Assim, para que se cumpra o Regimento Interno do Senado Federal e a Constituição Federal, impõe-se sejam submetidos a voto, em primeiro turno, o §22 do art. 40 da Constituição, na redação dada pelo art. 1º da PEC nº 6, de 2019, bem como o inciso IV do art. 20 e o art. 26 da mesma proposição, antes de a matéria ser incluída em segundo turno de votação.
Esse é a questão de ordem, Sr. Presidente.
Muito obrigado.