Discurso durante a 208ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com suposto retrocesso da Justiça brasileira no julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema da prisão em segunda instância.

Autor
Plínio Valério (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Francisco Plínio Valério Tomaz
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODER JUDICIARIO:
  • Preocupação com suposto retrocesso da Justiça brasileira no julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema da prisão em segunda instância.
Publicação
Publicação no DSF de 31/10/2019 - Página 20
Assunto
Outros > PODER JUDICIARIO
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, POSSIBILIDADE, PREJUIZO, JUSTIÇA, BRASIL, JULGAMENTO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), PAUTA, PRISÃO, SEGUNDA INSTANCIA.

    O SR. PLÍNIO VALÉRIO (Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - AM. Para discursar.) – Sras. Senadoras, Srs. Senadores, num momento em que o Supremo Tribunal Federal se prepara para dar o que eu chamo de "cavalo de pau jurídico", que vai reforçar ainda mais a jurisprudência flutuante, gerada e parida dentro do Supremo Tribunal Federal, eu quero mais uma vez externar, aqui da Tribuna do Senado Federal do Brasil, a minha preocupação com tamanha irresponsabilidade de quem é responsável por manter a ordem e a segurança jurídica no País.

    Os dados, Presidente, que citam que vai sair liberando prisioneiro, salvar isso e aquilo, são controversos. Mas eu vou citar aqui o Conselho Nacional de Justiça, que afirma que 4.985 condenados poderiam pedir liberdade caso o Supremo mude o seu entendimento – o que está propenso a acontecer. Esse número se refere a mandados de prisão emitidos entre o final de 2018 e 15 de outubro deste ano. No entanto, o próprio conselho admite que apenas oferece – olhem só, ouçam só – e mantem ativo o Banco Nacional de Mandados de Prisão, mas que a alimentação e a acurácia das informações são de responsabilidade dos tribunais regionais e tribunais de júri de todo o País. Aparentemente, até o Supremo está consciente de que o número será muito maior.

    Em dezembro de 2018, por exemplo, o Ministro Marco Aurélio, relator e primeiro a votar no atual julgamento, optando por impedir as prisões, já determinou a soltura de todos os detentos condenados em segunda instância. Horas depois, em uma decisão que suspendeu o ato de Marco Aurélio, o Presidente do Supremo, Dias Toffoli, alegou que o ato atingiria 169 mil condenados. Essa incerteza de que falo, que mostro e que até leio para não cometer erros, é apenas um elemento a mais para impor uma reflexão a respeito da decisão a ser tomada. Uma constatação pode ser feita de imediato: caso se mude o atual parâmetro, que permitiu a maior ofensiva contra a corrupção já ocorrida na história do Brasil, estaremos caminhando na contramão da maioria das nações civilizadas.

    Presidente Anastasia, o senhor que é um estudioso do meio jurídico e até da jurisprudência internacional, o Brasil passaria à condição de ponto fora da curva, já que os países mais desenvolvidos do mundo permitem a prisão após decisão em segunda instância. É o que acontece nos Estados Unidos, na França, na Alemanha e em Portugal. As comparações podem ser acusadas de inadequadas, uma vez que o Direito anglo-saxão incentiva acordos em que os réus se declarem culpados, e a Constituição brasileira é uma das poucas com previsão expressa de que o réu deve ser considerado inocente até que o processo transite em julgado.

    No meu entendimento, Presidente, o problema não está aí, mas na possibilidade de que, com um bom e caro advogado, os processos penais tramitem por quatro instâncias. Isso só não é uma jabuticaba porque uns poucos Estados, como o italiano, admitem essa distorção. Caso isso ocorra, prevalecerá o que já qualifiquei, desta mesma tribuna, de "jurisprudência flutuante". Agora, chamo de "cavalo de pau jurídico". É a ideia, insisto, de que todas as decisões judiciais a respeito de temas de extrema relevância para a vida dos brasileiros podem, por capricho de um ou outro ministro, mudar de repente. Ou seja, se o time de futebol de um ministro perdeu hoje à noite, amanhã ele amanhece querendo mudar o seu voto do dia anterior. Isso reforça a terrível suspeita de que ponderações de natureza política poderiam influenciar radicais alterações.

    A própria Procuradoria-Geral da República alertou os Ministros do Supremo Tribunal Federal: derrubar a possibilidade de prisão após a condenação em segunda instância, segundo o Ministério Público, representaria um triplo retrocesso, atingindo inclusive a credibilidade depositada pela sociedade brasileira no Supremo Tribunal Federal. Essa advertência é feita em documento assinado pelo Vice-Procurador-Geral da República, José Bonifácio de Andrada.

    Seria, sim, um retrocesso: para o sistema de precedentes do sistema jurídico, que perderia em estabilidade e segurança jurídica e teria sua seriedade posta em xeque; para a persecução penal no País, que voltaria ao cenário do passado e teria sua efetividade ameaçada por processos infindáveis, recursos protelatórios e penas massivamente prescritas; e para a própria credibilidade da sociedade na Justiça e nessa Suprema Corte, como resultado da restauração da sensação de impunidade.

     Eu fico aqui pensando no que diria Ruy Barbosa quando afirmou lá atrás, Senador, que Justiça demorada não é justiça. Imagine o que Ruy Barbosa diria sobre o Supremo agora, quando nem sequer tardiamente faz justiça, mas está sempre presente ou antecipando as confusões ou tardiamente fazendo confusão.

    De 2016 para cá, o Supremo já entendeu em quatro ocasiões que é possível a prisão após condenação em segunda instância. A última delas foi a análise de um habeas corpus do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva que acabou negado pelo placar apertado de 6 a 5. Com isso, fulanizou-se a questão. E é aqui que a gente quer separar. Se é para beneficiar, se o ato é político, seria bom que alguém no Supremo tivesse a consciência e a responsabilidade de saber que esse ato não vai só libertar um ex-Presidente – que fez sua história, bem ou mal, mas que tem o seu papel histórico –, mas acima de tudo colocar em risco uma sociedade pela qual e com a qual o Supremo tem inteira responsabilidade.

    De acordo com a PGR, a atual jurisprudência – a atual – colocou o Brasil ao lado das principais e mais maduras democracias do mundo ocidental, como a dos Estados Unidos, por exemplo, a da Alemanha, a da Itália e a da França, países que têm tradição ligada ao reconhecimento dos direitos fundamentais dos cidadãos.

    Na avaliação – e eu busco aqui sempre a Procuradoria, porque é oficial e é do ramo –, permitir que uma pessoa condenada pela Justiça recorra interminavelmente e sempre recorra em liberdade até o esgotamento de todos os recursos gera, por certo, uma sensação – é claro isso – na sociedade, de que a lei penal não é aplicada, de que as decisões judiciais não são cumpridas, de que a Justiça não funciona, simplificando.

    Caso os ministros decidam mesmo proibir a prisão no curso do processo, como tudo indica que farão, o efeito será imediato. Hoje só se pensa nos peixes grandes, nos graúdos, mas há os menores. Pode haver a soltura de psicopatas, a soltura de assassinos, a soltura de quem atinge, de quem estupra crianças, a soltura de pedófilos. Tudo isso vai estar no bolo. E há somente um responsável por isso, que será o Supremo Tribunal Federal.

    As penas que estão sendo cumpridas pelos detentos afetados abrangem uma enorme gama. E a gente chega a uma conclusão bem simples – bem simples –: essa sensação que passa a convicção de que a sociedade terá a percepção de que o Brasil se transformou mesmo no País da impunidade, com o aval do seu maior órgão judiciário, que é o Supremo Tribunal Federal. O pior de tudo é evidenciar que a decisão só foi tomada pelo personalismo e pelo voluntarismo de uma parcela de seus integrantes. Repito, não mais que dois ministros decidem mudar o seu voto, e a jurisprudência, que tem como pressuposto a garantia de estabilidade, vai para a cucuia, vai flutuar, porque é assim que querem dois ou três ministros.

    Eu encerro, Sr. Presidente – agradecendo a sua benevolência de dois minutos –, dizendo que o que acontece no momento, que esse "cavalo de pau jurídico", que essa jurisprudência flutuante só vai reforçar ainda mais esse sentimento de insegurança. Ao impedir a prisão após o julgamento de segunda instância, o Supremo Tribunal Federal nos deixa claro – claro, passa uma mensagem clara – que o crime vai voltar a compensar neste País, chamado Brasil, e compensar para quem tem dinheiro para pagar bons advogados. E o que não falta para essa gente é dinheiro, dinheiro roubado, dinheiro roubado da saúde, dinheiro roubado da educação, mas é dinheiro, e dinheiro é dinheiro para contratar e comprar bons advogados. Mas os bons advogados não têm culpa disso, estão fazendo o seu papel. Culpado, única e exclusivamente, por essa insegurança que vai tomar conta do País será o Supremo Tribunal Federal, porque vai agir com viés político, com viés personalista.

    E eu encerro da forma que comecei, Presidente Anastasia: o Brasil está se preparando para assistir ao maior "cavalo de pau jurídico" que já foi dado nesta Nação. E foi dado e será dado pelo Supremo Tribunal Federal.

    Obrigado, Presidente Anastasia.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/10/2019 - Página 20